A nota de agenda do grupo parlamentar do PS anunciava simplesmente, para as 18h30 desta quinta-feira, o “fim da legislatura”, com a presença de António Costa. E no Parlamento, entre sonhos, troncos de Natal, croquetes e gins tónicos, os deputados do PS reuniram-se para isso mesmo — para a despedida, desta vez abrupta — com Costa a seguir do Palácio da Ajuda, onde tinha acabado de anunciar as novas restrições de combate à pandemia, para se juntar ao grupo parlamentar. A ocasião, a fazer lembrar um jantar (ou lanche) de família, serviu, sobretudo, para fazer duas despedidas — mais do que da legislatura, de dois históricos do PS: Eduardo Ferro Rodrigues e Jorge Lacão.
A única, e curta, mensagem política do fim de tarde ficaria a cargo de António Costa, que no palco dirigiu agradecimentos pelo “apoio inquebrantável” dos deputados do PS, com quem já tinha, aliás, estado esta semana numa reunião sobre o programa eleitoral — que, segundo fontes presentes no encontro, serviu mais para Costa ouvir do que para dar novidades ou retirar conclusões.
Desta vez, uma mensagem de mobilização às tropas: “A missão do PS não chega ao fim”, frisou Costa. “Renova-se todos os dias e a cada legislatura. Agora que esta termina, uma nova começa”. Daí passou para a filosofia que levará, e que quer que o PS leve, para a campanha eleitoral: “E apresentamo-nos aos portugueses de cabeça levantada, com humildade mas com a determinação de que estamos aqui presentes para continuar a combater a pandemia”, “a melhorar as condições de vida” ou a lutar pelo “crescimento”, anunciou, minutos depois de na Ajuda ter anunciado uma série de medidas que já abrangem o mês de janeiro, em que será eleito um novo Governo.
Em frente aos deputados, Costa deixou uma mensagem de confiança: “Esta é uma caminhada que começámos e que vamos continuar. E é para isso que estamos aqui”, rematou.
Duarte Cordeiro como SEAP. “É uma fase”
O resto do fim de tarde, entre comes e bebes, foi sobretudo dedicado à troca de elogios e recordações entre os socialistas, em clima de nostalgia. Costa fez questão de deixar algumas palavras ao secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, que será o responsável por dirigir a sua campanha — dando a entender, com poucas subtilezas, que o cargo não terá sido exatamente o preferido de Cordeiro. Mudará depois das eleições, caso o PS consiga formar Governo?
“O Duarte tem tido a missão de ser o elo de ligação entre o Governo e o Parlamento nestes dois anos. São funções muito desafiantes, digo-o por experiência própria, e que têm sido muito exigentes ao longo destes dois anos”, começou Costa. Depois, concretizou: “Conheço o Duarte de outros momentos e sei que é sobretudo um homem de ação, que gosta de fazer coisas, que porventura se teria sentido mais realizado noutras funções (…). Mas todos nós temos de ter uma predisposição para fazer aquilo de que gostamos mais e menos. É uma fase”, sugeriu Costa.
Depois, as despedidas. Primeiro pela boca da líder parlamentar, Ana Catarina Mendes, que agradeceu a “honra” de liderar a bancada numa “legislatura tão atípica e difícil” e prestou “grande homenagem” a Ferro — que “em momentos difíceis nunca desistiu da justiça” — e Lacão, que carrega consigo “a bandeira da transparência” (Lacão ainda improvisou e perguntou se a lembrança que recebeu do grupo parlamentar custaria mais de 150 euros, caso em que teria de ser declarada segundo o código de conduta que o próprio Lacão ajudou a construir no Parlamento, provocando gargalhadas dos presentes). “Dois grandes homens que fazem parte da história democrática do nosso país”, resumiu Ana Catarina Mendes.
Os elogios de Costa (e Lacão a “furar o protocolo”)
Depois, Costa demorou-se nas despedidas. Primeiro com Lacão, que foi deputado desde 1983 (com interrupções para assumir cargos de Governo) e sempre teve “o Parlamento no coração” e, gracejou Costa, quando era líder parlamentar (e Costa era o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares) “foi um combatente da autonomia do grupo parlamentar face às tentativas de controlo do Governo. Foi imbatível!”.
Lacão não resistiu a “furar o protocolo” e a subir ao palco ao lado de Costa para contar uma pequena história dos seus tempos de líder parlamentar para concluir que era hora de sair: “Não há nada como tomar uma boa decisão no tempo certo”. Não sem antes levar uma alfinetada amigável de Costa: “Ganhaste a capacidade de ouvir os outros e admitir que talvez pudessem ter razão”, riu-se o primeiro-ministro. “Também me aconteceu a mim…”.
Depois, para Ferro, pela forma como “granjeou o respeito” do Parlamento — “a melhor prova foi a forma como foste eleito” em 2015, segundo Costa a primeira prova de que haveria uma maioria parlamentar de esquerda capaz de funcionar, e “como foste reeleito”, em 2019, com mais votos. Mas também as marcas que deixou como ministro do Trabalho, como “corajosamente” assumiu a liderança depois da demissão de António Guterres e como se aguentou na oposição, obtendo para o PS a primeira maioria absoluta… não a de José Sócrates, mas a das eleições europeias de 2004, como Costa esclareceu.
Em ambiente amigável, os deputados agradeceram as palavras e Ferro brincou: “É muito bom em vida ouvir estes elogios que normalmente são feitos quando já não se tem capacidade para ouvir coisíssima nenhuma…”. Com a saída dos dois históricos socialistas, aos quais também se junta Capoulas Santos, começa a abrir-se espaço para as próximas listas de deputados do PS, que assim, por entre croquetes e elogios, deu a legislatura por terminada.