Quase como um “deus”, até “intocável”. É assim que alguns homens definem Bob Higgins, antigo treinador de futebol, mais precisamente de camadas jovens, que está neste momento quase no terceiro ano de uma pena de 24 anos por abusos sexuais de menores. Um relatório da Barnardo, uma instituição britânica que apoia crianças vulneráveis, reporta que do meio dos anos 70 até ao fim dos anos 80, Bob Higgins abusou de vários jovens enquanto trabalhava no Southampton. E é precisamente do clube, e da sua alegada negligência perante os factos durante o tempo em que aconteciam, que fala o relatório.

“É um facto inegável que adultos no Southampton, durante o tempo em que Higgins trabalhou para eles ou em nome deles, não consideraram o bem-estar dos rapazes do clube como a sua principal preocupação. O impacto e os danos causados por Higgins ao abusar de crianças durante o tempo que esteve empregado pelo Southampton são incalculáveis. Os danos para a saúde física e mental das crianças durante o seu crescimento, as suas relações, as suas famílias e até a sua capacidade de serem pais de forma confiante são devastadores”, diz o documento citado pelo Guardian.

O relatório da Barnardo refere que a instituição não acredita que tenha havido uma ação “deliberada ou com maldade” dos responsáveis dos saints, mas que estes não tomaram “o bem-estar dos rapazes como sua responsabilidade”. Higgins foi preso em 2019 por abusar de 24 rapazes durante um período de aproximadamente 25 anos, mas o relatório diz que mais de 100 indivíduos disseram ser vítimas de abusos.

O ex-treinador, que trabalhou com craques como Alan Shearer, Matt Le Tessier (uma autêntica lenda do Southampton) ou Dennis Wise. “Ele podia arruinar as nossas carreiras num estalar de dedos e nós faríamos tudo com aquela idade”, disse outro homem, dizendo ainda o documento que Bob Higgins seduzia os jovens com prendas e promessas, mas também os pais dos jovens atletas, que chegavam a ter tratamento especial se fossem ver os treinos.

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E nesses mesmos treinos, segundo reportado por alguns dos rapazes e crianças então, agora homens, Higgins aproveitava todas as oportunidades para tocar de forma inoportuna nos jovens, fosse nos genitais ou noutras zonas, durante exercícios, por exemplo, de cabeceamento ou de treinos de defesa. Outro dos homens referiu que o homem de 62 anos testava os rapazes com toques “acidentais”, comentários sobre os corpos e genitais dos jovens. “Ele dava-me palmadas nas costas e dizia que eu tinha feito tudo bem enquanto me tocava nos testículos”, segundo outro testemunho. Outro acrescentou: “Ele tocava-nos no rabo e sentias que algo não estava certo. Metia-te a fazer exercícios de alongamentos e tocava-te em todo o lado. Nenhum dos rapazes falava sobre isso”.

O relatório não encontrou evidências de que Higgins fizesse parte de qualquer grupo organizado, mas conhecia alguns homens que foram também indiciados ou mesmo condenados. O que a Barnardo indica acima de tudo é que não houve a atenção necessária ao caso, com preocupações a surgirem logo em 1975, sendo que houve uma demissão em 1979 depois de uma queixa, mas foi apontado como responsável pelo desenvolvimento de jovens em 1980. Durante essa década os rumores foram ainda mais fortes e, segundo o relatório, Higgins foi até apelidado de Dodgy Bob (a expressão tenta dar a ideia de que há desconfiança sobre a pessoa, que esta consegue evitar).

A falha em reportar ou agir foi uma desilusão dramática para os rapazes entregues ao cuidado de Higgins”, diz o relatório que explica ainda que nenhum responsável ou membro da direção do clube está ainda no clube. O homem saiu do Southampton em 1989 e foi a tribunal e julgamento em 1990 mas foi ilibado das acusações em questão, também dentro do abuso a rapazes, com o documento agora revelado a dizer que Higgins continuou em liberdade e, assim, a perpetuar os abusos, que aconteceram até em casa de Bob e da sua mulher Shirley.

Em comunicado, também citado pelo Guardian, o Southampton como que pediu desculpas pelo que aconteceu: “Bob Higgins tinha os sonhos de tantos jovens rapazes nas suas mãos. Traiu a confiança dos rapazes e das suas famílias. Sabemos agora que Higgins tinha um poder livre no Southampton e as pessoas acima dele não fizeram nada para garantir que havia controlo adequado para prevenir os abusos”.

“Ninguém numa posição de poder fez alguma coisa para descobrir o que se passava e para agir e garantir que os abusos paravam e eram reportados assim que foram descobertos, bem como oferecer apoio àqueles que foram alvos de Higgins”, continua o comunicado sobre o homem que apenas foi presente à justiça em 2019, sendo que trabalhou no futebol até 2016.