“Não vejo os óculos com os mesmos olhos que os consumidores.” Quem o diz é Ana Leal, co-fundadora da André Ópticas, que abriu ao Observador o seu cofre de óculos e memórias para celebrar os 40 anos da marca. “Todos os óculos que eu acho que são interessantes, que um dia vão ter uma história para contar, ou que tiveram uma missão importante na história dos óculos, eu tenho guardado ao longo dos anos.” O resultado, não é difícil de imaginar, conta-se em milhares, mas pedimos a Ana Leal que escolhesse apenas 10 óculos, através dos quais pudesse contar a história da André Ópticas. E assim juntaram-se marcas antigas, grifes de moda, modelos de celebridades, estrelas de cinema, e até óculos chineses do século XVII.

Reportagem na loja André Ópticas que faz 40 anos, e que conta a sua história através de 10 pares de óculos, escolhidos por uma das fundadoras da marca, Ana Leal. Lisboa, 22 de Novembro de 2021. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

“Os óculos Alpina foram das peças que vendi mais quando comecei, nos anos 80. Recordam-me quando comecei a empresa. Os da Dior também vendi imenso.” Hoje conta que todos os dias chegam às lojas pessoas com referências como fotografias, influencers ou instagrams em busca de óculos que viram em algum lado. As marcas mais procuradas do momento são Dior, Valentino, Gucci, marcas de moda internacionais que se expandem por várias áreas. Mas na década de 1980, Ana Leal, foi pioneira a trazer inúmeras marcas para Portugal e orgulha-se do facto de todas as suas apostas arrojadas ao longo dos anos se terem traduzido em sucessos: “Nós trouxemos para cá, em primeira mão, Oliver Peoples e também a Dita, que ninguém vendia em Portugal. A Matsuda, a Cazal, somos representantes e distribuidores da Jacques Marie Mage. De todas as marcas que trouxemos não vejo nenhuma que não seja um sucesso de vendas, obviamente com as quotas inerentes ao tipo e ao nicho, seja mais caro ou mais económico, mas todas funcionam muito bem.”

Foram 37 anos a vender óculos. Agora, esta família está pronta para fazê-los

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A arte de fazer óculos é apreciada no mundo inteiro. “Os asiáticos ligam muito aos óculos. É um acessório muito importante para eles. Até porque a maior parte dos asiáticos são míopes, pela configuração do olho, a maior parte precisa de óculos oftálmicos”, explica Ana Leal e acrescenta, “acho que só os países pobres é que não têm a cultura do óculo. Na América Central adoram óculos, vêm cá e levam para a família e fotografam. É um acessório que já se tornou tão importante e indispensável na vida das pessoas, não só porque a proteção ocular é muito importante, como também pela parte estética.”

A propósito do 40º aniversário e em jeito de balanço, a fundadora conta que os objetivos passam por desenvolver e dinamizar a marca própria (Family Affair), surpreender os clientes, apostar no online e no atendimento premium, porque “o luxo não passa só por vender óculos caros, mas também pelo atendimento, pela experiência, pelo aconselhamento”. Esta seleção não inclui óculos da marca própria Family Affair, porque estão esgotados. Há uma peça a ser feita para Ana Leal, mas conta-nos que o volume de trabalho no atelier é grande e, como os clientes têm prioridade, os seus óculos não ficaram prontos a tempo de nos mostrar.

Os óculos que estão presentes desde o início

“Vamos começar pelos Alpina, dos anos 80. É uma peça que foi fabricada ainda na Alemanha de Leste e que foi usada por várias celebridades, como Frank Sinatra, Stevie Wonder e agora, mais recentemente nas edições que foram feitas, por Kanye West e outros influencers. É uma peça que foi feita na altura em que, além dos metais e das massas, se começou a desenvolver o alumínio, que dava um ar mais leve e permitia conseguir as cores que se pretendia mais facilmente do que nos metais normais. Começamos a vender estes óculos quando abrimos a primeira loja [André Óptias], em 1981. É uma das peças que, de facto, nos anos 80 era muito procurada e muito vendida.”

Reportagem na loja André Ópticas que faz 40 anos, e que conta a sua história através de 10 pares de óculos, escolhidos por uma das fundadoras da marca, Ana Leal. Alpina Lisboa, 22 de Novembro de 2021. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Óculos Alpina da década de 1980, na André Ópticas. © Filipe Amorim

Os óculos de Carrie Bradshaw que celebram a abertura de uma nova loja

“O Mykita Franz, é o óculo que era usado pela Carrie no segundo filme de O Sexo e a Cidade, e do qual nós fizemos uma edição especial para a abertura da nossa loja na Avenida da Liberdade, em 2010, recriando o modelo com outra cor. Em vez de dourado com lente espelhada [como a atriz usa no filme], fizemos em branco, com a parte interna em metal e uma lente muito clarinha. Era uma série pela qual todas as mulheres eram aficionadas, quanto mais não fosse pelo guarda roupa, e o óculo era bastante, mas ao mesmo tempo diferente. Era especial e achámos que, sendo fabricado nesta cor branca, tanto poderia ser usado por homem como por uma senhora. O dourado era muito mais feminino. Tanto que vendemos a homens e a senhoras.”

Reportagem na loja André Ópticas que faz 40 anos, e que conta a sua história através de 10 pares de óculos, escolhidos por uma das fundadoras da marca, Ana Leal. Mykita Lisboa, 22 de Novembro de 2021. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Óculos Mykita Franz, uma edição especial da André Ópticas. © Filipe Amorim

Um ano na Avenida da Liberdade celebrado com um olhar atrevido

“Este é o óculo que fizemos quando comemorámos um ano da abertura da loja na Avenida da Liberdade, em 2011. Fizemos a primeira peça de chifre da nossa coleção, em chifre de búfalo. Fizemos uma peça que é fácil de ser usada. Não é um “cat eye” muito “cat eye”, mas sim um que é fácil de usar sem ser o óculo muito bicudo que só fica bem em determinadas caras. É um óculo grande, com dimensão, com muita força no rosto, fizemos várias cores e ficámos com um. Funcionou muito bem, quer pela cor, quer pela leveza do material, quer pelo modelo. É um “cat eye” alterado, porque terá já uma influência dos anos 70 ou 80. É um óculo mais oversize, já não é tão definido e muito pequenino [como o modelo clássico dos anos 50].

[Na Avenida da Liberdade] há muitos [clientes] nacionais que são colecionadores de eyewear, que gostam muito de peças especiais, e também temos [clientes] estrangeiros. Enviamos muitos óculos para pessoas que nos contactam através do Instagram e de email. Mas há muitos portugueses muito aficionados por óculos. Eu tive o prazer de estar em casa de um senhor nosso cliente e colecionador que tinha para cima de nove ou 10 mil pares de óculos. Uma loucura. Todos os meses comprava.”

Reportagem na loja André Ópticas que faz 40 anos, e que conta a sua história através de 10 pares de óculos, escolhidos por uma das fundadoras da marca, Ana Leal. Óculos comemorativos do 1º ano de aniversário Lisboa, 22 de Novembro de 2021. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Óculos “cat eye” uma edição especial da André Ópticas. © Filipe Amorim

Uma parceria com o Toque de Midas

“O Grandmaster, da Dita. É uma coleção muito inovadora. É feita no japão, as peças são em acetato de algodão, que é um acetato biológico e o metal misturado nas peças é sempre titânio. Nós começámos por ter esta peça, em preto e castanho, que era a peça que a Dita tinha lançado na altura. Entretanto, há sete ou oito anos, fizemos com eles uma edição limitada a 17 peças, Dita by André Ópticas, em que a parte lateral tinha um banho de ouro de 18 quilates. Cada vez mais se fazem parcerias e edições especiais. Esta é uma marca que se vende muito bem e é espetacular em termos, quer de qualidade, quer de modelagem e achámos que seria uma marca e um modelo muito bom para fazermos uma edição especial. Para nós [este tipo de projeto] é importante por uma questão de comunicação e, além disso, também é importante para  irmos ter com os nossos clientes, que sabemos que gostam de coisas especiais e raras, fazendo o desafio com o que temos disponível para eles. Vender-se-iam todas se fossem mais, mas nós não queremos. A ideia é serem mesmo muito poucas peças. Se forem muito mais peças, perde-se. Aqui o que funciona é o desejo, é a aspiração de ter e, se realmente for uma coisa que é muito facilmente obtida e fácil de comprar, perde aquele encanto de se poder ter. Isto faz muito sentido para quem coleciona óculos.”

Reportagem na loja André Ópticas que faz 40 anos, e que conta a sua história através de 10 pares de óculos, escolhidos por uma das fundadoras da marca, Ana Leal. Grandmaster Lisboa, 22 de Novembro de 2021. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Óculos Grandmaster da Dita, uma edição especial da André Ópticas. © Filipe Amorim

Um sucesso por explicar

“O RVS foi um óculo icónico. Foram fabricados 100 modelos na altura, em 2007, e agora fizeram reedições das peças. É um óculo muitíssimo difícil, pela estrutura de construção, pelo modelo, é espesso e pesado de aspeto. Diria que é difícil de ser usado, mas é um óculo que tem uma procura gigantesca. [É procurado por] homens, embora já se tenha vendido para senhora, em branco. Não é um óculo que possamos dizer que é comercial, mas uma peça icónica que se continua a vender, há 10 ou 11 anos. Tem inspiração nos anos 80, seguramente, e características muito especiais, o material é acetato.”

Reportagem na loja André Ópticas que faz 40 anos, e que conta a sua história através de 10 pares de óculos, escolhidos por uma das fundadoras da marca, Ana Leal. RVS Lisboa, 22 de Novembro de 2021. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Óculos RVS, na André Ópticas. © Filipe Amorim

Uma joia saída do cofre

“Este é o óculo Cartier de ouro maciço para a comemoração dos 30 anos da Cartier Lunettes e foram feitas 30 peças. Nós temos o número seis. Quisemos que fosse só com um número. Porque quanto mais baixo for o número, mais especial se torna. A caixa [uma réplica em tamanho grande das caixas de joias clássicas e vermelhas da marca] tem a carteira, a garantia… todos estes mimos. Isto foi feito em 2013 e é uma peça que nem veio para ótica, só foi distribuída para as boutiques. Nós tivemos a sorte de conseguir ficar com uma.”

Reportagem na loja André Ópticas que faz 40 anos, e que conta a sua história através de 10 pares de óculos, escolhidos por uma das fundadoras da marca, Ana Leal. Cartier Lisboa, 22 de Novembro de 2021. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Óculos Cartier, uma edição especial dos 30 anos da marca em eyewear, da coleção privada da André Ópticas. © Filipe Amorim

Os óculos de Sarah Connor, um sucesso 30 anos depois do seu momento no cinema

“Esta peça da Matsuda é japonesa, foi feita em 1989 numa das fábricas mais antigas de óculos, que continua a funcionar. Este óculo foi criado para o filme “O Exterminador Implacável 2: O dia do julgamento” (1991). As pessoas viram a peça [no filme] e pediram. Aquele óculo existiu com uma série de cores: laranja, amarelo, chocolate e há muitos colecionadores que querem as cores todas. É uma peça que nós vendemos muito bem e que continua a ser produzida segundo o modelo original. A Matsuda voltou às peças de antigamente e fez muitas reedições, não só deste, como de outros modelos importantes na marca.”

Reportagem na loja André Ópticas que faz 40 anos, e que conta a sua história através de 10 pares de óculos, escolhidos por uma das fundadoras da marca, Ana Leal. Lisboa, 22 de Novembro de 2021. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Óculos Matsuda, que aparecem no filme “O Exterminador Implacável 2: O dia do julgamento”, na André Ópticas. © Filipe Amorim

Óculos de diva

Dior é uma das marcas que vendemos em grandes quantidades. É aquilo que o público gosta. Os portugueses gostam de ostentar a marca, e porque a marca está fantástica, mas muito diferente. Se olharmos para estes óculos, que são dos anos 80, não existiam logótipos, são limpos. [Este modelo] era o que usava a Amália e foi nos anos 80 que chegou à André Ópticas. Mas é um óculo que nós não trabalhamos nas lojas, só no atelier, porque é um produto vintage.

Houve um modelo muito emblemático que foi o So Real [Dior], do qual vendemos num ano qualquer coisa como duas mil peças. Era um óculo engraçado, mas não achei que tivesse uma transversalidade de modelo para tantas caras como qualquer um destes. Embora fosse um best-seller, foi um daqueles casos em que nós não conseguimos perceber o sucesso. Eu achei mais interessante uma peça Dior dos anos 80.”

Reportagem na loja André Ópticas que faz 40 anos, e que conta a sua história através de 10 pares de óculos, escolhidos por uma das fundadoras da marca, Ana Leal. Christian Dior Lisboa, 22 de Novembro de 2021. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Óculos Dior, o modelo que usava Amália Rodrigues, na André Ópticas. © Filipe Amorim

Uma relíquia da China

“Estes fazem parte do nosso acervo pessoal, são uns óculos chineses do século XVII, não são de venda. As hastes são desdobráveis, as lentes são de vidro, de quartzo e completamente planas. A história conta que eram muito usados para esconder emoções, sobretudo por juízes. Não deixam passar a luz e não deixam ver a expressão do olhar.”

Reportagem na loja André Ópticas que faz 40 anos, e que conta a sua história através de 10 pares de óculos, escolhidos por uma das fundadoras da marca, Ana Leal. Lisboa, 22 de Novembro de 2021. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Óculos chineses do século XVII, da coleção privada da André Ópticas. © Filipe Amorim

A necessidade faz o engenho

“Estes são uma peça chinesa, desdobrável, do século XVII. Isto funcionava com duas linhas de algodão, bastante espessas e resistentes, com um nó de marinheiro que dava para aumentar e diminuir [o comprimento] e eram colocados assim [sobre o nariz e com os fios a passar atrás das orelhas]. A funcionalidade deles era para ver ao perto. Estes óculos [estão connosco] há uns 17 ou 18 anos. Estas são peças que nós vamos comprando, em vários sítios da Europa onde temos contactos. Vamos comprando e quando viajamos e vemos coisas interessantes também compramos.”

Reportagem na loja André Ópticas que faz 40 anos, e que conta a sua história através de 10 pares de óculos, escolhidos por uma das fundadoras da marca, Ana Leal. Lisboa, 22 de Novembro de 2021. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Óculos chineses do século XVII, da coleção privada da André Ópticas. © Filipe Amorim