A guerra interna no Bloco de Esquerda por causa dos lugares de deputados está longe de ter terminado. O desentendimento entre a linha oficial do partido e os críticos a propósito da escolha dos candidatos por Santarém já chegou ao ‘tribunal’ interno do Bloco, onde deu entrada uma queixa, esta terça-feira, a propósito do caso.
A participação à Comissão de Direitos, órgão do partido, foi apresentada em nome da coordenadora distrital de Santarém, apurou o Observador. A ideia será ainda levar a mesma queixa ao Tribunal Constitucional (TC), mas tendo em conta que a estrutura quer esgotar primeiro as vias de participação internas, e perante a proximidade das eleições (marcadas para 30 de janeiro) e o facto de a Comissão de Direitos não ter de cumprir um prazo em específico, torna-se improvável que a queixa venha a chegar ao TC.
A queixa é mais uma prova de que o setor de críticos contra a linha oficial do partido está a ficar mais ativo. Há dois anos tinha-se registado um desentendimento semelhante por causa das listas de Santarém, mas na altura foram apresentadas queixas de militantes ou grupos de militantes, e não de uma estrutura formal, como acontece agora, já depois de os críticos terem abandonado a reunião em que se votaram as listas de candidatos do Bloco, na semana passada, em protesto.
Em causa está a escolha das listas de deputados. Santarém é um círculo com uma influência forte dos críticos, afetos à moção E e ao movimento Convergência, que elegeu cerca de um quinto (21,5%) da Mesa Nacional do partido na última convenção, em maio deste ano. Tal como em 2019, a estrutura distrital votou um nome (há dois anos tinha sido o de Carlos Matias, ex-deputado, crítico da direção e líder da distrital; desta vez, foi Ana Sofia Ligeiro, que apresentou a moção E na convenção) e a maioria da direção não concordou, apresentando e aprovando, em alternativa, o nome da deputada Fabíola Cardoso como cabeça de lista.
Foi o que aconteceu na semana passada, quando os militantes afetos às moções E e N decidiram abandonar a sala, apontando o que consideram ser uma votação “viciada de ilegalidade” que “rasga a democracia interna” do partido.
E porquê? Os estatutos do Bloco indicam que “compete à Mesa Nacional, sob proposta das assembleias distritais e regionais, decidir sobre a primeira candidata ou candidato das listas” no caso de círculos com até três deputados e “sobre o primeiro quinto de candidatas e candidatos” nos restantes círculos, como Santarém. “As assembleias distritais e regionais podem requerer, como recurso, a votação em alternativa das suas propostas na Mesa Nacional”.
Apesar de já em 2019 um parecer da Comissão de Direitos ter dado razão à ala maioritária da direção, os críticos lembram que é suposto a Mesa Nacional decidir “sob proposta” das estruturas locais e que são estas que “podem requerer, como recurso, a votação em alternativa das suas propostas”.
Ou seja, para este setor, e para a estrutura de Santarém em particular, a direção não teria direito a apresentar uma proposta própria de candidatos, cabendo à distrital pedir a votação alternativa (“A possibilidade de qualquer outro órgão ou aderente, a não ser as Assembleias Distritais e Regionais, proporem candidatas/os aos primeiros lugares não é objeto de qualquer referência”, recorda-se no site da Convergência, num argumentário que será semelhante ao enviado à Comissão de Direitos).
Os críticos argumentam ainda, como se pode ler no mesmo texto, que “curiosamente a Comissão Política não propôs para votação a lista alternativa apresentada no Porto [distrito em que os críticos também apresentaram lista, que não vingou], colocando desde logo em crise a coerência do procedimento ficando evidente a intencionalidade política e discriminatória da Comissão Política em relação a Santarém”.
Do lado da direção, a interpretação que é feita dos estatutos é que os primeiros nomes são decididos pela Mesa Nacional do Bloco (pelo menos, é este o órgão que tem a última palavra, e aí a linha de Catarina Martins é maioritária) e que o método de votar as duas listas — a que a direção queria e a dos críticos — foi o de maior justiça. Uma vez que a composição da direção é pró-Fabíola Cardoso, essa foi a lista que venceu.
Nas últimas semanas, o Bloco definiu as suas listas de deputados, tendo os críticos apresentado listas próprias no Porto, Santarém e Portalegre e votado com método ‘lista aberta’ em Vila Real, contra a indicação da direção nacional. Esta é a mesma fação que exigia uma postura mais dura do Bloco de Esquerda com o PS e criticava o foco do partido nos acordos da geringonça e no Parlamento.