O confronto entre os críticos internos do Bloco e a liderança de Catarina Martins subiu, este domingo, mais um degrau. Na reunião da Mesa Nacional do partido, marcada para fechar o programa eleitoral e as listas de deputados, a linha principal de críticos do partido decidiu abandonar a sala, em protesto com uma votação dos candidatos alegadamente “viciada de ilegalidade” e que serve para “rasgar a democracia interna”.

Em causa está a escolha dos candidatos a deputados a Santarém e em Portalegre, dois círculos onde as bases votaram maioritariamente na lista apresentada pelos críticos, encabeçada por Ana Sofia Ligeiro (que apresentou a moção E na convenção do Bloco, assinada pelos militantes afetos à tendência interna Convergência). Ainda assim, a direção quis propor à votação o nome da atual deputada Fabíola Cardoso como cabeça de lista, apesar de a proposta ter sido recusada na votação da assembleia distrital de Santarém, no fim de semana passado, e propor a votação da lista alternativa, com pessoas de várias sensibilidades, derrotada em Portalegre.

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Em resposta, os críticos afetos a esta moção e a uma outra, a N, abandonaram a sala, como informaram numa nota de imprensa enviada esta tarde, “em protesto contra a votação anti-estatutária” dos candidatos a deputados. “Em causa a apresentação de uma lista alternativa à sufragada pelas/os militantes do distrito de Santarém, numa tábua rasa à decisão do órgão competente regional”, criticam.

Na nota, os críticos lembram que os estatutos do Bloco definem que os primeiros lugares das listas devem ser decididos sob proposta das assembleias distritais, embora tenham de ser ratificados pela Mesa Nacional, a quem pertence a última palavra. Mas, argumenta este grupo, o que a direção não pode fazer é propor uma lista diferente, sobretudo uma que já tenha sido derrotada a nível local: “A vontade das/dos aderentes é soberana”.

Nos estatutos lê-se que “compete à Mesa Nacional, sob proposta das assembleias distritais e regionais, decidir sobre a primeira candidata ou candidato das listas” no caso de círculos com até três deputados e “sobre o primeiro quinto de candidatas e candidatos” nos restantes círculos. “As assembleias distritais e regionais podem requerer, como recurso, a votação em alternativa das suas propostas na Mesa Nacional”.

Os críticos consideram que a proposta fica assim “viciada de ilegalidade”, exigindo a retirada da lista da direção de votação. Como isso não está a acontecer, a conclusão é que votá-la seria “ser conivente com o incumprimento estatutário e rasgar a democracia interna”: “Nenhuma candidatura pode ser agregadora e mobilizadora se parte do incumprimento da vontade expressa das e dos seus aderentes”.

Em resposta, uma nota da direção do Bloco enviada ao Observador afirma que os membros eleitos pela moção E apresentaram “uma proposta para que apenas fossem colocadas à votação as propostas de candidaturas feitas pelas distritais” e que face à rejeição dessa proposta “abandonaram a reunião”. E informa que, assim sendo, as propostas de candidatos vão mesmo ser votadas “em alternativa”.

O desentendimento é semelhante ao que já tinha acontecido na construção das listas de 2019, quando os militantes locais preferiram o ex-deputado Carlos Matias e a direção impôs, ainda assim, o nome de Fabíola Cardoso.

Agora, a fricção é maior, numa altura em que os críticos também apresentaram listas no Porto (derrotada com 22% dos votos) e em Portalegre (embora a lista adversária não tivesse o apoio oficial da direção e misturasse militantes de várias sensibilidades) e fizeram, ao arrepio da decisão da direção, a escolha dos nomes de Vila Real numa votação de “lista aberta”, sem uma lista inicial que propusesse nomes.

Entretanto, os bloquistas continuam a votar para fechar as listas de deputados e o programa eleitoral que vão levar às eleições de 30 de janeiro.

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A Convergência representa o maior grupo de críticos da liderança de Catarina Martins, onde se incluem os ex-deputados Pedro Soares e Carlos Matias, e que defende uma posição mais dura com o PS, centrada nas mudanças das leis laborais, e uma maior ligação do Bloco às bases, com uma estrutura menos hierarquizada ou centralizada na direção.

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Na convenção deste ano, a linha da direção, que apresentou a moção A, viu a sua representação na Mesa Nacional passar de 70 para 54 mandatos (embora na convenção anterior essa lista incluísse críticos internos). Desta vez, os críticos apresentaram listas próprias e conseguiram, na Convergência ou moção E, 17 assentos, a somar aos cinco da moção N.

Texto atualizado às 17h21 com nota da direção do Bloco de Esquerda.