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Granja do Marquês: "Colmeia de aviadores"

Este artigo tem mais de 2 anos

Um álbum de aparato celebra o centenário institucional da adaptação da Granja do Marquês de Pombal, nos arredores de Sintra, a aeroporto e escola de aviadores.

A Granja do Marquês em Sintra sequer estava na "short list" das opções sobre a mesa em finais de 1919, mas a "radical mudança de orientação para Sintra" acabaria por prevalecer
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A Granja do Marquês em Sintra sequer estava na "short list" das opções sobre a mesa em finais de 1919, mas a "radical mudança de orientação para Sintra" acabaria por prevalecer

Carlos Manuel Senra Barbosa

A Granja do Marquês em Sintra sequer estava na "short list" das opções sobre a mesa em finais de 1919, mas a "radical mudança de orientação para Sintra" acabaria por prevalecer

Carlos Manuel Senra Barbosa

Título: Granja do Marquês: dez décadas ao serviço da aeronáutica militar portuguesa, 1920-2020
Autor: Pedro Gonçalves Ventura
Prefácio: Marcelo Rebelo de Sousa
Editor: By the Book
Páginas: 304, hardcover

Quando deixou de ser uma extraordinária aventura de burgueses dispostos a partir o pescoço pelo velho sonho de Ícaro, e se tornou um imperativo do controlo territorial e da modernização da guerra, a aviação ganhou asas mesmo num país periférico e de tradição marítima como Portugal, a que sempre faltou indústria mecânica capaz de conceber e produzir veículos de qualquer espécie. Subsidiária dos progressos que neste ramo outros foram dando à Europa e à América do Norte, mesmo que muito seduzida por eles, não admira, portanto, que as primeiras viagens da aeronáutica portuguesa a ilhas atlânticas, ao Brasil, Angola e Macau tenham motivado considerável orgulho patriótico, a ponto de os seus protagonistas, como Gago Coutinho ou o menos famoso Carlos Bleck (1903-75), ainda há pouco terem tido biografias em livro, algures entre o historicamente documentado e a heroicidade romanceada. Considerável bibliografia, aliás, foi já dedicada à aeronáutica portuguesa e às suas façanhas de longa distância, sem esquecer a importância geoestratégica da Horta no trânsito atlântico de exuberantes hidroaviões.

Desta feita, é a própria Força Aérea Portuguesa que num álbum de aparato celebra o seu centenário institucional, dedicado à adaptação da Granja do Marquês de Pombal, nos arredores de Sintra, a aeroporto e escola de aviadores, mecânicos e controladores aéreos, enfim a Base Aérea n.º 1. Como sol apanhado de frente, o brio marcial ofusca um tanto a pequenez, irrelevância e subalternidade da nossa condição aeronáutica, mas isso descontado o livro tem razoável interesse e merece ser valorizado como sistematização histórica e iconográfica útil e necessária. E o facto de a realização editorial e gráfica terem sido confiadas a uma editora formada por profissionais experimentados e criteriosos denota uma lucidez nem sempre vista em instituições deste tipo, mais propensas à autoglorificação em toda a linha, com resultados gráficos que exibem — sem dó — atavismos persistentes e uma desesperante mediocridade estética. A heráldica militar (pp. 23-24) que o diga… Mas não é de todo o caso, aqui.

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Os primórdios da escola aeronáutica militar portuguesa tiveram epicentro em Vila Nova da Barquinha, no Ribatejo, e dois dos três primeiros biplanos foram adquiridos por subscrições promovidas por grandes jornais diários, O Século lisboeta e O Comércio do Porto. Um outro aparelho seria oferecido em 1912 por Albino Costa, tenente-coronel brasileiro (pp. 38, 76). A proximidade da Linha do Norte (15 km do Entroncamento), a largueza do terreno da Propriedade do Vale da Vaca e a razoabilidade do valor do arrendamento tornaram Barquinha preferida a outras soluções. Três hangares de boa dimensão e uma pista de aterragem foram construídos entre Abril de 1915 e Julho de 1916, e o primeiro brévet seria concedido em Maio do ano seguinte. Todavia, a escolha de Vila Nova da Barquinha fora muito imprudente. Logo em Setembro de 1917 foi severamente criticada pelo major Cifka Duarte (1882-1964) e por Carlos Beja, que apontaram claramente a “mudança imediata” (p. 42) da escola para Alverca. Ambos tiveram ainda tempo para, a 1 de Novembro, picarem um Caudron G.3 — talvez mesmo o Je t’aime da p. 44… — sobre a multidão que envolvia a praça de touros do Cartaxo, assustando-a e fazendo-a fugir “em debandada” (Ventura, p. 47).

Nem Alverca pela insalubridade, nem Amadora pela ventania — “recomendável para a instalação de moinhos, mas nunca para a Escola de Aviação”, diria no parlamento um deputado ao ministro da Guerra — vingaram por muito mais tempo. A Granja do Marquês em Sintra sequer estava na short list das opções sobre a mesa em finais de 1919, mas a “radical mudança de orientação para Sintra” (p. 50) acabaria por prevalecer, por motivos que o autor e investigador histórico não conseguiu elucidar. A velha quinta já havia servido para o ensino prático da agricultura em meados de Oitocentos, quer como quinta modelo quer como quinta experimental à disposição de alunos saídos do Instituto Agrícola de Lisboa, mas o palácio apresenta-se bastante danificado numa fotografia de 1870 (v. p. 67). A transição foi lenta e improvisada. Por falta de alojamento os oficiais acomodavam-se na vila de Sintra — onde os primeiros cursos foram dados —, e expropriações parciais condicionavam a reconversão das instalações agrícolas necessária ao pleno funcionamento da escola aeronáutica. Na verdade, só quatro anos depois do decreto 6629, o governo de Manuel Teixeira-Gomes decretou em 1924 a expropriação do palácio, outras edificações e terrenos a D. Maria Amália Machado Castelo Branco de Carvalho. Se 1924 é também um ano-chave para a organização dos cursos de piloto-aviador e de observador aeronáutico e “uma exigente fase de recrutamento” (p. 82), a verdade é que logo nos seus primeiros anos a chamada Escola de Sintra seria enlutada por vários acidentes fatais, devidos a motivos mecânicos ou atmosféricos. Durante 4925 horas de voo em 1927, registaram-se 4 acidentes, mas no ano seguinte, com apenas mais 345 horas no ar, o número de acidentes saltou para 19 (p. 95).

Eduardo Frias haveria de encontrar ali, aquando duma reportagem para a Ilustração Portuguesa, em 1927, um “ambiente antigo, absolutamente fidalgo”, em que a planura da granja é um “cenário empolgante” para um “mundo por estrear”, mas esta visão optimista — e modernista? — encalhava na realidade sem adjectivos: “entre 1927 e 1934 apenas seria ministrado um curso de pilotagem, em 1931, e mesmo este seria reservado a militares já diplomados enquanto Observadores” (Cardoso, cit. p. 92); e na opinião de Craveiro Lopes faltava um material moderno em condições de dar maior rendimento à instrução. “Dispomos [em 1929], como aparelhos de instrução, somente do velho Caudron G.3, de 1918, aparelho bom para o seu tempo, mas bastante duro de pilotar” (cit. p. 93). Aviões em segunda mão — o autor não o nega nem esclarece —, como dois Caudrion C-59 adquiridos em 1927-28, seriam retirados do serviço apenas quatro anos depois. Um outro modelo biplano, adquirido em 1932, passaria a ser construído sob licença nas OGMA seis anos depois, estando em actividade até… 1956. Até o aparelho — rebaptizado de Salazar — que era suposto levar Bleck até ao Rio de Janeiro em Março de 1935, e chegou a Portugal apenas um mês antes, acabaria por partir o trem de aterragem a meio da pista, da qual voltaria a Londres, para as devidas reparações.

É nesta irrefutável precariedade aeronáutica que 135 brevets de piloto foram atribuídos em 1925-37 (p. 108). Em 1938 dez aviões de assalto modelo Breda Ba-65 Bis — utilizados na guerra civil de Espanha — seriam integralmente montados na Escola de Sintra sob supervisão de sete mecânicos da fábrica italiana e do piloto militar de testes Mozieri, dos quais apenas um haveria de sobreviver ao ciclone que em Fevereiro de 1941 destruiu o respectivo hangar, identificado à tutela militar, como inseguro, apenas um mês antes… “Foi o fim infeliz de uma Esquadrilha que pouco havia voado no seu período de existência, muito devido à falta de sobresselentes […] e que não deixaria nos seus pilotos grandes saudades” (p. 118). Facilidades concedidas à Grã-Bretanha nos Açores, durante a segunda guerra mundial, teriam como contrapartida uma renovação da frota de instrução, treino e caça, com Hurricane, Spitfire e algumas dezenas de Blenheim e outros, cujo prazo de vitalidade também parece ter sido esticado a limites extremos. “Embora a década de 50 se apresentasse como um decénio de modernidade, transitavam ainda assim dos anos anteriores algumas das mais icónicas aeronaves militares operadas em Portugal”, escreve Pedro Gonçalves Ventura, o batido ‘icónico’ sendo fraco consolo para quem admite, linhas abaixo, que dos “53 Hurricanes existentes na Unidade apenas 2, no final do ano 1952, se encontravam em condições de voo” (p. 136).

A partir de 1951, a cooperação militar dos Estados Unidos traria até à base de Sintra mais de duas centenas de T-6, um avião com mais largo alcance geográfico que se tornou “incontornável na história da aviação militar nacional” (p. 142), mas nem sempre pelas melhores razões, dados os 14 acidentes fatais com estes aparelhos na década de 1950. A instrução elementar de futuros pilotos em obsoletos Tiger Moth (de 1938) só seria actualizada — progressivamente actualizada — a partir de finais de 1951, com a chegada dos primeiros 10 Havilland DHC-1 Chipmunk ingleses, pouco antes de esta formação ter sido confiada à base de São Jacinto, em Aveiro, e de outros aparelhos deste modelo poderem ser construídos nas OGMA, em Alverca. Uma nova geração de aeronaves exigia ampliação e adequação do aeródromo, obras essas feitas sob recomendação de militares norte-americanos e da NATO, a que Portugal aderira em 1949.

Em Maio de 1958, o francês MS-760 Paris parecia poder substituir os aviões americanos, mas a aterragem desastrosa do voo inaugural destruiu o aparelho e feriu com gravidade os dois tripulantes. A apresentação do Hunting T-2 inglês em Outubro de 1959 tão-pouco foi auspiciosa. Em Julho de 1950 um De Havilland Vampire, também inglês, fez demonstrações convincentes em Lisboa e Sintra, mas “a opção de compra de equipamentos [já] recaía em aeronaves norte-americanas” (p. 180), como o F-84. A Base Aérea 1 ganharia novas atribuições formativas, dirigidas a mecânicos, radiotelegrafistas, telepistas ou técnicos de manutenção e abastecimento, engrossando até surpreendentes 1850 o contingente anual de alunos. Cadetes e aspirantes da Academia Militar passavam a frequentar a Escola de Sintra. Mais tarde, em 1962, nova actualização na instrução de pilotagem seria feita, uma vez mais, por obra e graça da cooperação norte-americana, a bordo de 30 novos aviões a jacto T-37C, birreactores montados na fábrica de Alverca. “Em 1969 seriam brevetados em Sintra 18 novos pilotos do quadro permanente” (p. 191).

Em 1976 o dia das Forças Armadas Portuguesas foi celebrado na Granja do Marquês com uma exposição “enciclopédica” de aeronaves de todo o tipo e época, muito visitada por populares (foto p. 199). Parece um refugo de velharias inúteis, a que alguma curiosidade “infantil” não soube resistir num dia solarengo… A obsolescência das frotas disponíveis passou a ser ilusoriamente abafada pelas acrobacias de belo efeito da recém-criada esquadrilha Asas de Portugal, enquanto a cobertura territorial era deixada ao deus-dará e o próprio Museu do Ar — 42 aeronaves, 10000 peças — viveu deriva institucional de não menos arriscadas turbulências.

Só depois os versáteis CASA C-212 Aviocar (hoje também C-100 e C-300), de fabrico espanhol, se apresentariam como “a solução adequada (mas também possível) aos requisitos nacionais” (p. 200). Em 1993 a Base Aérea 1 passaria a ocupar-se em exclusivo de missões operacionais (p. 211). É daqui que partem, por exemplo, os aviões de resgate hospitalar em ilhas ultraperiféricas ou em alto-mar sob condições meteorológicas muito adversas. São estes Aviocar que — pelo bem que fazem — vale a pena saudar, em pista e no ar.

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