Os filmes de super-heróis têm em comum com os velhos “serials” (os “filmes em partes”, como se dizia em Portugal), o deixarem completamente à nora uma pessoa que não esteja familiarizada com o universo da Marvel ou da DC, ou que vá ver um deles sem conhecer os anteriores do super-herói ou grupo de super-heróis em causa. E tal como os “serials”, os filmes de super-heróis recorrem também ao “cliffhanger”, ou seja, terminam quase todos remetendo para o seguinte, deixando o “espectador” pendurado em algo que irá acontecer e dará continuidade à história que está a ser contada.

[Veja o “trailer” de “Homem-Aranha: Sem Volta a Casa”:]

Quem não tenha visto o filme anterior da série “Homem-Aranha”, “Homem Aranha: Longe de Casa” (2019), e cair de chofre no novo, “Homem-Aranha: Sem Volta a Casa”, de Jon Watts, sentir-se-à como se tivesse entrado num comboio em andamento, vindo não sabe de onde e não tendo bem ideia de qual será o destino. A coisa fica ainda mais complicada quando entram em cena o Doutor Estranho (Benedict Cumberbatch), e os super-vilões dos anteriores filmes de Homem-Aranha, que pertencem a outras linhas temporais desta série. As surpresas não vão ficar por aqui, já que no centro do enredo de “Homem-Aranha: Sem Volta a Casa” está o conceito de multiverso (ou universos paralelos), onde Spidey se vai ver enredado.

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E mais não posso dizer, para não ser acusado de semear “spoilers”. Apenas que a identidade secreta do Homem-Aranha, aliás, Peter Parker (Tom Holland) é revelada ao mundo, com consequências muito desagradáveis para ele e os seus próximos, e que Parker recorre ao Doutor Estranho como se este fosse o INEM mágico dos super-heróis. Mesmo cumprindo com os estereotipados itens do caderno de encargos do cinema de super-heróis, a série dos “Homem-Aranha” tem-se distinguido por não se levar demasiado a sério, e alguns dos seus filmes, caso dos dois anteriores com Holland, “Homem Aranha: Regresso a Casa” e “Homem-Aranha: Longe de Casa”, têm uma leveza brincalhona e um sentido de humor que ajuda a suportar as convenções mais pesadas e pomposas do género.

[Veja uma entrevista com Tom Holland, Zendaya e Jacob Batalon:]

Apesar de alguns irritantes tiques “teen”, da continuidade dos insípidos Zendaya e Jacob Batalon como coadjuvantes de Peter Parker, e de ter um enredo mais laborioso e ser digitalmente mais espalhafatoso do que o costume, “Homem-Aranha: Longe de Casa” consegue mesmo assim manter esse tom mais descontraído e menos enfatuado e pretensioso. E diverte-se ainda a inverter a premissa das fitas de super-heróis segundo a qual os super-vilões existem para ser combatidos e eliminados. Aqui, eles estão para ser “consertados”, mesmo que isso seja conseguido através de uma bombástica batalha final na Estátua da Liberdade. Seguindo-se ao ridículo, elefantino e politicamente corretíssimo “Eternos”, e mesmo tendo em conta as insuficiência e limitações do formato, “Homem Aranha: Sem Volta a Casa” é como uma corrente de ar numa sala sombria e bafienta.