José Sócrates teve mais uma derrota judicial ao ver o Tribunal Constitucional (TC) recusar apreciar o seu recurso sobre uma decisão da Relação de Lisboa que obrigou o juiz Ivo Rosa a retomar a titularidade dos autos da Operação Marquês. O conselheiro António Ramos emitiu uma decisão sumária por “falta dos pressupostos processuais”.

Apesar do acórdão do Constitucional de 20 de dezembro só transitar em julgado a 13 de janeiro de 2022, e de ainda ser passível de reclamação para o plenário do tribunal, é pouco provável que a decisão do desembargador Trigo Mesquita de dar razão à juíza Margarida Alves no conflito de competências iniciado por Ivo Rosa não se torne definitiva.

Tendo em conta que a decisão instrutória de Ivo Rosa de 9 de abril de 2021 apenas pronunciou alguns dos 28 arguidos e arquivou 172 dos 189 crimes que tinham sido imputados aos acusados, equivalendo a uma bomba que estilhaçou completamente os autos da Operação Marquês, a guerra judicial que se iniciou divide-se em dois campos simples: o recursos sobre a decisão de não pronúncia e os recursos sobre a decisão de pronúncia.

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Assim, as consequências deste acórdão do Tribunal Constitucional explicam-se de acordo com esses campos:

  • Como só o Ministério Público é que pode recorrer da decisão de não pronúncia, o trânsito em julgado do acórdão do Constitucional significará que o juiz Ivo Rosa será obrigado a pronunciar-se sobre o recurso que o Ministério Público (MP) já apresentou em setembro e, caso não veja nenhum problema formal, a admiti-lo. Contudo, o recurso do MP não subirá de imediato à Relação de Lisboa. O juiz de instrução terá de dar 120 dias (o mesmo prazo que o MP teve) às defesas para apresentarem os seus argumentos.
  • Já no campo da pronúncia de José Sócrates, também a juíza Margarida Alves do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa terá de admitir igualmente um recurso do MP e mandar subir os autos para a Relação de Lisboa.

Resumindo: ainda não é desta que o julgamento de José Sócrates na Operação Marquês se confirmará — nem tão cedo tal matéria será esclarecida.

As últimas decisões que explicam o imbróglio

Recorde-se que o juiz Ivo Rosa pronunciou José Sócrates e Carlos Santos Silva pela alegada prática de três crimes de branqueamento de capitais (que têm crimes de corrupção precedentes que foram declarados prescritos por Ivo Rosa) e três crimes de falsificação de documento.

Pouco depois de ter pronunciado Sócrates, Ivo Rosa declarou o seu trabalho na Operação Marquês como terminado e enviou os autos para julgamento no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa no que a José Sócrates, Ricardo Salgado e Armando Vara dizia respeito (os autos contra João Perna foram para outro tribunal da área metropolitana de Lisboa).

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A ‘fava’ da Operação Marquês calhou à juíza Margarida Alves que, mal recebeu os autos, anunciou que só iniciaria o julgamento após a decisão da Relação da Lisboa sobre o anunciado recurso do MP sobre a não pronúncia de Ivo Rosa. Por outro lado, declarou para os autos que tal recurso do MP tinha de ser admitido no Tribunal Central de Instrução Criminal por Ivo Rosa.

Chamado a resolver o conflito entre os dois juízes de direito, o desembargador Trigo Mesquita (presidente da 9.ª Secção da Relação de Lisboa) deu razão a Margarida Alves. É dessa decisão que José Sócrates apresentou recurso para o Constitucional e que veio agora a perder.

Juíza altera decisão: afinal José Sócrates tinha razão e pode recorrer à Relação em 3 crimes da Operação Marquês

A juíza Margarida Alves, contudo, acabou por recuar parcialmente na decisão anteriormente tomada. É que numa primeira decisão também tinha afirmado que o ex-primeiro-ministro não podia recorrer da decisão de pronúncia relativa aos três crimes de falsificação de documento. Mas num despacho no início deste mês acabou por reconhecer que Sócrates pode recorrer da pronúncia dos três crimes de falsificação de documento porque neste aspeto específico a pronuncia de Ivo Rosa nada tem a ver com a acusação do MP — o que consubstancia uma alteração substancial dos factos.