A guerra entre o presidente da Câmara Municipal do Porto e a TAP já é antiga, mas no mês em que Bruxelas aprovou o plano de reestruturação da companhia portuguesa, Rui Moreira voltou a tirar o assunto do armário — e desta vez com uma afirmação polémica. Na última segunda-feira de 2021, o autarca do Porto defendeu numa Assembleia Municipal que o Estado deve atribuir um subsídio semelhante ao que é dado às Regiões Autónomas para captar companhias aéreas para o aeroporto Francisco Sá Carneiro. Apesar das críticas renovadas de Moreira à forma como o Governo tem conduziu este dossier, o Ministério das Infraestrututas mantém-se em silêncio. Mas alinham-se apoios para as palavras do autarca do Porto.
O argumento do presidente da Câmara do Porto foi lançado na última Assembleia Municipal de 2021, já depois de a presidente executiva da TAP, Christine Ourmières-Widener, ter afirmado, em entrevista ao jornal Público, que o Porto “nunca será” um segundo hub para a companhia aérea. Rui Moreira reclama uma compensação financeira, lembrando que o Estado investe “anualmente 100 milhões de euros a subsidiar voos para os Açores e para a Madeira”.
Seria relevante que o Porto — não posso falar por Faro — reclamasse, pelo menos, um montante equivalente, até porque a nossa Área Metropolitana é muito maior, não tem é o problema da insularidade”, defendeu o autarca.
Rui Moreira quer subsídio estatal para captar companhias aéreas para o Porto
Numa altura de crise, e em que várias companhias abandonaram a sua operação no aeroporto Francisco Sá Carneiro, o presidente da Câmara sublinha que é fundamental conseguir captar novas rotas para o segundo aeroporto do país. “Se a TAP não o quer fazer, ou não o vai fazer — é um pouco irrelevante fazer a análise psicológica desta questão (…), acho que a TAP é a última companhia colonial a existir em Portugal, mas não é isso que conta — temos de encontrar outros”, disse, acrescentando que a cidade não quer ser “hub nenhum”, mas ter um aeroporto que seja útil, “não apenas para turistas, mas para toda a atividade económica que é necessária atrair”.
Moreira diz que região norte está “condenada à insularidade”. Ministério não comenta
Dias depois, em entrevista à SIC Notícias, o autarca sublinhou que a companhia aérea portuguesa “pura e simplesmente ignora o aeroporto Francisco Sá Carneiro, mas também o aeroporto de Faro e das regiões autónomas”, concentrando toda a sua atividade em Lisboa, adotando assim uma estratégia que “não serve o Porto”.
Tinha esperança de que o Governo não tivesse encaminhado as coisas desta forma, considero que o que foi feito junto da Comissão Europeia é uma vitória política para o senhor Ministro [das Infraestruturas], mas para Portugal — e para o Porto, em particular — é pior”, disse Rui Moreira.
No entender do autarca, “é óbvio” que o aeroporto Francisco Sá Carneiro precisa de ser compensado financeiramente para ser capaz de atrair novas rotas. Moreira acredita que a estratégia da TAP passa por “manter o Porto ao abandono” e diz mesmo que a região norte está “condenada à insularidade”. “Entendo que seja completamente legítimo que nas regiões autónomas existam apoios do Estado para viabilizar voos para essas regiões. Se também estamos condenados à insularidade por parte da TAP e por decisão do Governo, então arranje-se forma de haver verbas disponíveis.”
Para colocar a sua ideia em prática, Rui Moreira não se alonga em soluções, valores exatos ou datas no calendário. “Não sei dizer quanto é que custa, mas posso dizer que custa muito menos do que 100 milhões de euros por ano. Não sou especialista em aeronáutica, mas custa menos que os 3,2 mil milhões euros que foram gastos na TAP”, disse, acrescentando ainda a hipótese de lançar um concurso público para saber que companhias estão interessadas em operar no Porto.
Contactado pelo Observador o Ministério das Infraestruturas afirmou que “não iria comentar” as declarações do autarca do Porto.
Lei não permite rotas subsidiadas, mas existem alternativas possíveis
Contactada pelo Observador, a Associação Comercial do Porto, que em junho de 2020 apresentou uma providência cautelar para travar a injeção de 1,2 mil milhões de euros do Estado na TAP, recorda que a lei não permite que existam rotas subsidiadas, com exceção dos territórios insulares, e considera que as compensações “devem proceder das verbas de promoção turística, sendo geridas pelas respetivas agências regionais”.
Relativamente aos valores destas compensações e à sua extensão temporal, Nuno Botelho, presidente Associação Comercial do Porto, não se pronuncia, “uma vez que essa quantificação carece de um estudo atualizado e coordenado entre diferentes entidades”.
Compete ao Governo assegurar este equilíbrio e garantir a coesão territorial. Nesse sentido, deve encontrar os instrumentos legais necessários para compensar devidamente os aeroportos do Porto e de Faro”, enfatiza o responsável da Associação Comercial do Porto.
Ao Observador, Luís Pedro Martins, presidente da Associação Turismo Porto e Norte, garante que a reivindicação de Rui Moreira “faz todo o sentido”, mas não é completamente nova. Em maio de 2020, a associação organizou uma conferência de imprensa, juntamente com os municípios do Porto, Maia, Matosinhos, Viana do Castelo, Braga e Vila Real, apelando à administração da TAP para que, no seu novo plano, tivesse em conta o peso e a importância que o aeroporto Francisco Sá Carneiro tem para a região, para o turismo, empresas exportadoras e indústria.
Nessa altura, fomos informados [pela administração da TAP] de que iam ter em consideração este aeroporto e os mercados que para aqui voam, a pandemia não estava a tornar possível, mas logo que fosse oportuno iria acontecer”, recorda Luís Pedro Martins.
No entanto, nos últimos meses, face à intenção da TAP de não avançar com uma operação dedicada a este aeroporto, a Turismo Porto e Norte exige, tal como a autarquia, que a região norte seja recompensada, para poder trabalhar a captação de novas rotas e de novas companhias. Como? “Aumentando significativamente as verbas que as regiões têm para a sua promoção externa.”
Luís Pedro Martins explica que as agências de promoção externa de cada região, como aquela a que preside, recebem uma verba anual do Turismo de Portugal que permite, entre outras coisas, o pagamento de campanhas de marketing e comunicação de novas rotas e de novas companhias. “É aqui que reside a nossa forma de apoiar. Não se pode fazer um pagamento às companhias, mas podemos negociar com elas. Para existir uma comparticipação direta, como acontece nos territórios insulares, era necessário haver uma alteração à legislação em vigor. Mas, para reforçar as agências de promoção externa com mais financiamento, não.”
Segundo o presidente da Associação Turismo Porto e Norte, as verbas atualmente disponíveis para realizar esse trabalho junto das companhias são “residuais”, não chegam a meio milhão de euros por ano, mas sobre o valor que seria desejável não atira uma quantia. “Teríamos de fazer esse trabalho de reflexão, que nunca nos foi solicitado. Mas obviamente que seriam umas dezenas de milhares de euros. Assim haja vontade e disponibilidade financeira para o fazer. Sabemos muito bem quais são os nossos mercados estratégicos, sabemos quais são aqueles com maior apetência pelo território, por isso, é relativamente fácil e rápido fazer esse trabalho.”
“Preferimos que TAP não venha cá e faça contas connosco”, diz Rui Moreira
Sobre a possibilidade apontada pelo autarca do Porto de ser lançado um concurso público como forma de captar novas companhias, Luís Pedro Martins considera uma boa alternativa, ainda que nunca tenha sido feito.
Municípios vizinhos entre o silêncio e a dúvida
Contactado pelo Observador, o presidente da Câmara Municipal da Maia, António Silva Tiago, diz compreender a posição de Rui Moreira. No entanto, defende que os impostos dos portugueses não devem servir para atrair ou subvencionar companhias privadas. “Entendo que, se os impostos dos portugueses não deviam servir para sustentar artificialmente empresas inviáveis, dando-lhes repetidamente balões de oxigénio que só adiam os seus problemas estruturais, também não devem servir para atrair ou subvencionar companhias privadas, subvertendo desse modo as regras do mercado. Penso que devemos deixar que o mercado funcione.”
O autarca da Maia não aceita que o Governo “invoque o interesse nacional e a diáspora portuguesa espalhada pelo mundo para convocar os contribuintes portugueses a participar no esforço de salvação da TAP, ignorando que a maior parte dessa diáspora tem raízes familiares na região norte”. Em declarações ao Observador, António Silva Tiago acredita que o que está em causa não é apenas uma questão política de solidariedade nacional, mas também de moralidade e de coesão social e territorial. “Se o Governo entende que a TAP é estratégica para o interesse nacional, esse entendimento tem de beneficiar todo o país e não pode prejudicar quem mais paga esse esforço”, conclui.
Ao Observador, Eduardo Vítor Rodrigues, presidente da câmara de Vila Nova de Gaia e presidente da Área Metropolitana do Porto, disse não querer comentar esta matéria. Também Luísa Salgueiro, autarca de Matosinhos e presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses, também não quis prestar declarações sobre este assunto.