De empregado de limpeza a “rei”. De católico romano a muito próximo dos judeus. Do anonimato às páginas de um dos mais reputados jornais dos Estados Unidos. Estas são a história e as fotos de Braulio Rocha, o madeirense que é fotógrafo oficial de cerimónias judaicas em Montreal, no Canadá. Tornou-se tão conhecido pelos rabinos e judeus da cidade que estes lhe chamam “o rei da fotografia de Bar Mitzvá”, frase que deu título à recente reportagem do The New York Times sobre o seu percurso.
O que o difere de tantos outros fotógrafos? “Crio imagens que são únicas, onde a luz é presença obrigatória”, explica ao Observador numa conversa telefónica.
As palavras de Deus são luz, são conhecimento, são uma bênção. Em todas as minhas fotos a luz está presente: é ela quem conta a história, precisamente porque representa a luz de Deus”, explica.
Braulio Rocha trabalhou como empregado de limpeza na sinagoga Shaar Hashomayim de Montreal. O seu caminho na fotografia começou num dia que se avizinhava normal, pelo menos até ouvir a voz de uma avó em pânico: o fotógrafo designado para um Brit milá – cerimónia de circuncisão masculina — não apareceu, “tinha tido um acidente de viação ou um furo num pneu”, recorda.
“É um daqueles momentos da vida em que não podemos hesitar. Acontece à nossa frente e temos um microssegundo para tomar uma decisão e essa decisão altera o rumo das coisas”, reforça.
Tinha uma câmara “antiga” no carro e ofereceu-se para ajudar a família. O pai do bebé ainda olhou “desconfiado” para Braulio: “Eu estava com o uniforme de contínuo e eles todos bem vestidos. Naquela sinagoga, só vão famílias ricas”, revela. Apesar da hesitação inicial, a família aceitou a ajuda e, uma semana depois, receberam as fotos. Gostaram tanto do resultado que pagaram 180 dólares (cerca de 125 euros), quando o acordo inicial definiu que a ajuda seria de borla.
Depois deste imprevisto, Rocha viu uma oportunidade para fazer um “dinheiro extra” e começou a investir: pediu um empréstimo a um familiar de 4.000 dólares canadianos (cerca de 2.779 euros) e comprou uma câmara, uma lente e duas luzes de estúdio. Nessa mesma altura, a mulher, que é designer, ficou desempregada e passou a ficar responsável pela edição das fotos. “Ela achou tudo uma loucura”, troça.
Atualmente é tão procurado que, às vezes, faz cinco cerimónias de Bar e Bat mitzvá por semana e já tem marcações para 2023. Recentemente, expandiu o negócio para os casamentos hassídicos.
“Volta para África com a tua mãe preta”
No entanto, Braulio não esquece o passado. Chegou a Montreal apenas com 40 euros no bolso, em 2013, e, dadas as raízes angolanas da família, na memória trazia comentários como: “Volta para África com a tua mãe preta”. Antes de ir para o Canadá, tinha uma “vida sem ambição”: era empregado de mesa e gastava o dinheiro no ginásio e a sair à noite.
“Eu represento a geração dos avôs de quem fotografo, que veio para o Canadá sem nada e que construíram vidas de sucesso”, relata ao Observador, vincando que vê nos judeus exemplos de superação, devido à sua história de perseguições e o genocídio. Lembra-se, inclusive, de estar na sinagoga e pensar: “Se eles conseguirem, eu também vou conseguir”.
O sucesso surgiu (muito) graças ao trabalho: “Num dia, estava a limpar as casas de banho da sinagoga por 12 dólares por hora e, no dia seguinte, estava a fotografar um casamento no mesmo edifício, pelo qual tinha cobrado 8.000 dólares”. Chegou a dormir na sinagoga para, depois de grandes eventos, não chegar atrasado ao trabalho.
Mas, reitera Braulio, o que conseguiu até hoje está intrinsecamente ligado à mulher, Sónia Ganança, filha de emigrantes madeirenses no Canadá, que conheceu no verão de 2012, na ilha. Namoraram remotamente até o Ano Novo desse ano, até que Sónia o convidou a ir viver para o Canadá. Na época, estava tão falido que a própria lhe pagou a passagem.
Eu discordo com aquela expressão que diz que por trás de um homem está sempre uma grande mulher. A minha mulher não está atrás de mim, está ao meu lado”, reforça. Sem a mulher, refere, “nem existia viagem para o Canadá”.
De uma zona tipicamente “branca e católica” passou para Montreal, uma sociedade “multicultural”: antes disso, nunca sequer tinha visto um judeu, enfatiza. Agora, a filha anda num infantário judeu. “Sinto uma ligação mais forte com Deus numa sinagoga do que numa igreja”, confessa.