Primeiro, os 1.500 metros. A seguir, os 5.000 e os 10.000 metros. Tudo numa semana. Três corridas diferentes, o mesmo objetivo: ganhar. Sifan Hassan, atleta dos Países Baixos com ascendência etíope, foi aos Jogos Olímpicos Tóquio com a história na mente. Não a que passou, mas a sua, aquela que podia criar com 16.500 metros de puro triunfo. Foi para vencer as três corridas. Não conseguiu mas saiu medalhada de todas, com dois ouros e um bronze (nos 1.500). Agora, alguns meses depois, a recordista mundial dos 5.000 metros olha para essa altura recordando o fervor com que vivenciou a experiência olímpica. E, aqui, fervor tem quase um sentido literal, até pela forma como se sentiu fisicamente após tal demanda.

“Honestamente, naquele momento fiquei muito feliz por sobreviver. Estava com muitas dores, a sofrer muito. A suar muito, muito, muito intensamente, com a cara e a mão a arderem. Tinha todo o corpo a arder. Sentia que não tinha água do corpo. Pensei que ia desmaiar, não pensei no ouro, apenas em estar viva e saudável”, referiu à BBC a atleta que acabou a colocar gelo na cara e rodeada de profissionais da equipa médica, tal era o quente e intenso sofrimento.

Cair, levantar, ganhar, descansar, beber café e correr para a medalha. O dia em que Hassan começou a tentar a história

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Mas, mesmo apenas com duas medalhas de ouro nos Jogos, não era de todo do desconhecido que a neerlandesa aparecia, visto que, em 2019, ao ter ganho nos Mundiais os 1.500 e 10.000 metros, tornou-se a primeira atleta (homens e mulheres) a vencer os dois eventos no mesmo Mundial ou Jogos Olímpicos. Em Tóquio, no entanto, era mesmo para a glória eterna. E as coisas começaram de forma complicada para Sifan Hassan, que na qualificação dos 1.500 metros tropeçou e caiu na última volta e, quando tudo parecia definitivamente perdido, correu, correu e correu, como tão bem faz, para ganhar a corrida. Não foi logo ali que a luta pelos três ouros terminou. Aliás, a queda foi matinal e já na noite japonesa viria novamente a pista para conquistar a vitória nos 5.000.

super atleta, que foi às três frentes por “curiosidade”, segundo BBC, contou ainda como o segundo ouro (10.000) veio da frustração e até da raiva, visto que nos 1.500 ficou atrás da britânica Laura Muir e da queniana Faith Kipyegon, a vencedora. “Quando perdi dessa vez, estava tão zangada. Após a cerimónia do pódio voltei para o meu quarto e sabia que algo estava dentro de mim. Foi quando decidi: amanhã vou até ao fim, até ‘morrer’“.

E voltaria a tentar a proeza? “Deus queria”, respondeu, acrescentando que a dificuldade será diferente desta vez. “Não acho que vá ser tão complicado como em Tóquio, porque já o fiz. Mesmo que outro atleta o consiga, será mais fácil porque agora sabemos que é possível. As coisas são sempre mais difíceis quando não sabemos”, referiu Hassan, que planeia agora combinar as pistas com as corridas de estrada, provavelmente até chegar à maratona. Se vai chegar, ninguém sabe, mas que tem vontade, ninguém o pode negar. Que o comprovem até os dois ouros e o bronze olímpicos.