A comissão independente que vai estudar a história da crise dos abusos sexuais na Igreja Católica em Portugal apresentou esta segunda-feira em Lisboa o modo como vai investigar, ao longo de 2022, “tudo quanto possa ter acontecido em Portugal nos últimos anos no que se refere a esta realidade tão complexa”.
Numa conferência de imprensa na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, o pedopsiquiatra Pedro Strecht garantiu que a Conferência Episcopal Portuguesa depositou na comissão “total autonomia e total confiança” para levar a cabo uma investigação completa sobre esta crise.
Strecht assegurou que o estudo vai incluir uma análise estatística de todo o material recolhido, incluindo em material publicado na imprensa, documentos guardados nos arquivos da Igreja Católica, o contacto com especialistas e, sobretudo, com base na auscultação de todos quantos quiserem contactar a comissão.
A comissão vai ter uma série de contactos disponíveis, incluindo um site, um contacto de e-mail e um telefone (91 711 00 00, todos os dias das 10h às 20h) para recolher testemunhos com garantia de anonimato.
Os membros da comissão asseguram ainda que já estabeleceram contactos diretos com a Procuradoria-Geral da República e com a Polícia Judiciária, uma vez que todos os casos que chegarem à comissão e representarem crimes passíveis de ser investigados vão ser imediatamente encaminhados às autoridades. A comissão garante ainda que não irá trabalhar qualquer caso que se encontre nessas condições.
Pedro Strecht, o coordenador da comissão, salientou que “a comissão existe para estar ao lado das pessoas” e manifestou a “disponibilidade total para as escutar, a seu tempo e com tempo”.
A socióloga Ana Nunes de Almeida, também membro da comissão, expôs o método científico que o grupo de trabalho pretende seguir e reiterou que os arquivos diocesanos vão ser consultados, bem como os arquivos de outras instituições da Igreja — mas o processo obrigará também a que seja feito um estudo sobre como evoluiu a “relação dos portugueses com a Igreja Católica“.
Um dos objetivos centrais do estudo é o concluir “quantas crianças foram abusadas ao longo do tempo no arco temporal 1950-2022“. Mas a socióloga salientou que é difícil, para já, saber como a investigação vai evoluir: “Estamos a entrar quase às escuras num terreno desconhecido, silenciado. Não temos dúvidas de que ao começarmos a escavá-lo vamos ser surpreendidos por outras pistas”, disse, garantindo que a comissão pretende “ir atrás delas”.
Os membros da comissão mostraram-se igualmente convictos de que existe disponibilidade da hierarquia da Igreja Católica para colaborar com o estudo, designadamente através da abertura dos arquivos. “Sentimos que há uma posição clara e inequívoca da Igreja” quanto à necessidade de realizar o estudo, disse Pedro Strecht. “Há unanimidade, não tenho dúvida.”
O pedopsiquiatra reconheceu que a comissão não contactou diretamente com todos os bispos portugueses (que têm jurisdição direta sobre os arquivos diocesanos), mas sim com a presidência da Conferência Episcopal Portuguesa, composta pelo bispo de Setúbal, D. José Ornelas, pelo bispo de Coimbra, D. Virgílio Antunes, e pelo padre Manuel Barbosa.