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O elefante de peluche, as acusações de fraude e a recusa em fazer um teste. Como o negacionismo tomou conta do debate dos pequenos partidos

Este artigo tem mais de 2 anos

O candidato da ADN, Bruno Fialho, não compareceu fisicamente no debate por recusar fazer um teste à Covid-19. Num debate dominado pelo negacionismo, houve pouco espaço para ideias concretas.

Estiveram representadas 11 forças políticas que não têm representação parlamentar
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Estiveram representadas 11 forças políticas que não têm representação parlamentar

Pedro Pina - RTP

Estiveram representadas 11 forças políticas que não têm representação parlamentar

Pedro Pina - RTP

Passavam apenas 27 minutos de um debate programado para duas horas quando uma falha de luz deixou o teatro Capitólio, em Lisboa, às escuras e ofereceu um resumo singular do que viria a ser uma troca de argumentos políticos com pouca substância, mas pejada de momentos inusitados. O debate entre os 11 partidos sem assento parlamentar que se candidatam às legislativas decorreu na noite desta terça-feira em direto na RTP, marcado por mostras de negacionismo sanitário e números cómicos que roubaram o palco à minoria de candidatos que ainda procurou, sem sucesso, esgrimir argumentos políticos.

Os primeiros 27 minutos do debate, antes de o moderador Carlos Daniel decretar um intervalo forçado devido à falha elétrica (que se resolveria em dez minutos), foram suficientes para entender que a pandemia da Covid-19 seria um dos tópicos centrais da noite — não para discutir o modo como as autoridades portuguesas lidaram com o vírus, mas para ser posta em causa a própria existência da pandemia. Isso ficou logo claro com as intervenções de José Pinto Coelho, o presidente do partido de extrema-direita Ergue-te (ex-PNR), que classificou a pandemia da Covid-19 como “uma fraude“.

“Isto é uma grande farsa. Estamos a viver num manicómio a céu aberto”, atirou José Pinto Coelho, que acusou as autoridades sanitárias de “terrorismo” e apelou aos telespectadores que fossem ver os vídeos que colocou no YouTube a criticar as “medidas loucas” de combate à pandemia. O líder de extrema-direita prometeu ainda ser um “deputado sem máscara”, apostado em incitar à “desobediência civil” contra as medidas de combate à pandemia. “O Covid é um vírus que veio da China, um país que devia ser isolado do resto do mundo”, atirou ainda, para depois classificar como “fraude” a contabilização das mortes por Covid-19 e sublinhar que, pelo contrário, deveriam ser contabilizadas as mortes daqueles que ficaram sem acompanhamento médico devido à alocação de meios do SNS à pandemia.

Quem também duvidou publicamente do número de mortes que a Covid-19 causou em Portugal — mais de 19 mil até agora — foi a candidata do PCTP/MRPP por Lisboa, Maria Cidália Guerreiro, que considerou que a pandemia foi “usada para impor medidas repressivas e intimidatórias“. “Esse é um dado que não sei se tem o rigor que devia ter”, afirmou, sobre o número de mortes por Covid-19.

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Mas o mais convicto negacionista do debate foi, seguramente, Bruno Fialho, o líder e cabeça de lista por Lisboa da ADN (Alternativa Democrática Nacional, o novo nome do PDR, antigo partido de Marinho e Pinto). Fialho juntou-se ao debate à distância, e começou justamente por explicar o motivo da sua ausência. “Recusei-me a fazer o teste para entrar no estúdio“, justificou, acusando a RTP de “exigir medidas ilegais” — momento em que foi interrompido por Carlos Daniel, que explicou que a RTP pediu aos candidatos que dessem a sua palavra em como tinham feito um teste negativo ou em como tinham recuperado da infeção.

Bruno Fialho recusou estar presente no estúdio porque não quis fazer um teste à Covid-19

Pedro Pina - RTP

Fialho prosseguiu acusando os maiores partidos políticos portugueses de não falarem da pandemia no debate eleitoral. “Há um elefante na sala“, disse, ao mesmo tempo que exibiu um enorme elefante de peluche e o colocou em cima da mesa, que prometeu manter à vista durante todo o debate, para garantir que o tema seria abordado. O líder da ADN continuou a sua intervenção focando-se quase exclusivamente na pandemia da Covid-19, procurando desacreditá-la com recurso a argumentos comprovadamente falsos — incluindo a fake news que circulam nas redes sociais e que já foram devidamente verificadas.

“Todos pudemos errar”, disse Fialho. “Eu, por exemplo, também caí nos engodos do Governo, e acordei. Quando acordamos sentimos uma revolta maior.” O líder da ADN tentou, por exemplo, dizer que o atual número de mortes por Covid-19 (19.380 até esta terça-feira) é uma mentira. “Não houve um excesso de mortalidade em Portugal”, garantiu, apresentando como “prova” um processo judicial em que a DGS diria, alegadamente, que só morreram 152 pessoas por Covid-19 no país — um argumento que, no último verão, se tornou viral nas redes sociais. O Observador já verificou esta informação em junho do ano passado e concluiu, na altura, que se trata de um documento verdadeiro, mas desenquadrado: o número 152 referia-se ao número de casos positivos detetados em autópsias realizadas pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (ou seja, em pessoas cuja morte se suspeite ter sido causada por um crime).

Fact Check. “Mortes oficiais” por Covid-19 em Portugal não ultrapassam as 152 vítimas?

Bruno Fialho alegou ainda, sem apresentar qualquer prova, que os testes PCR não são fiáveis e garantiu que vai continuar a ir jantar a casa da sogra, mesmo que o tentem proibir. “Um beijinho à dona Fernanda, que é a minha sogra“, atirou ainda o líder da ADN, elevando a níveis máximos o nonsense de toda uma intervenção dificilmente enquadrável num debate entre candidatos a membros do Parlamento, antes de revelar qual seria a sua primeira iniciativa legislativa caso fosse eleito deputado: “Decretar o fim da pandemia.”

Com estes três candidatos a roubarem o palco dos soundbytes, os restantes líderes partidários tiveram dificuldade em aproveitar os pouquíssimos minutos das três intervenções a que cada um teve direito para esgrimir argumentos políticos sobre o SNS, um dos temas centrais do debate. Jorge Nuno Sá, o líder da Aliança — partido fundado por Santana Lopes, que entretanto abandonou a formação e foi eleito como independente presidente da câmara da Figueira da Foz —, procurou demarcar-se do resto dos partidos de direita, recusando ser “de extrema-direita”, “puramente liberal” ou “confessional”, colocando-se “no coração da direita” e fazendo a promessa que a saída de Santana Lopes fez abalar: o projeto “veio para ficar”.

“O dinheiro público não existe, existe o dinheiro dos pagadores de impostos”, resumiu Jorge Nuno Sá, para sintetizar a proposta do partido para o SNS, lembrando que “é irrelevante para as pessoas” serem atendidas no público ou no privado — querem é o seu problema de saúde resolvido. Foi na saúde que o líder da Aliança mais se centrou, garantindo ainda que a sua primeira iniciativa legislativa seria o descongelamento da carreira dos enfermeiros.

O debate contou ainda com a presença de Vitorino Silva — o célebre “Tino de Rans” —, vereador na câmara de Penafiel e líder do partido RIR. “Estou cá para ser a ponte que liga a direita e a esquerda“, disse Tino, repetindo os seus argumentos de sempre por entre analogias e parábolas. “Diz-se que o banqueiro empresta o guarda-chuva quando está sol e tira quando está a chover”, disse, para criticar os grande interesses financeiros e se apresentar como porta-voz do povo português. Descrevendo-se como “100% SNS“, elogiou o trabalho dos profissionais de saúde durante a pandemia e, em vez de falar das mortes por Covid-19, preferiu falar das vidas salvas graças ao esforço de médicos e enfermeiros. Tino de Rans prometeu ainda uma redução de 10% nas portagens e nos combustíveis, bem como a descida do IVA da restauração para 13%, caso seja eleito deputado.

Mais apagado do debate esteve Pedro Soares Pimenta, o atual líder do MPT – Partido da Terra, partido ecologista fundado na década de 1990 por Gonçalo Ribeiro Telles. Pimenta procurou usar a sua intervenção para apresentar o Partido da Terra como o verdadeiro partido ambientalista português, assegurando que “não está ultrapassado“, mas admitindo que poderá não ter passado a mensagem “da melhor forma“. O líder do MPT deixou, ainda, críticas veladas aos Verdes e ao PAN dizendo que o seu partido não é “apêndice de ninguém” nem “radicalista” — e procurando colar os outros dois partidos ao PS, dizendo que Verdes e PAN aprovaram “70% dos projetos de um partido que tem menosprezado a ecologia“.

Por seu turno, Joaquim Afonso, o líder do Nós Cidadãos voltou ao tema de sempre daquele movimento — a corrupção — para denunciar aquilo que considera ser um defeito central do sistema democrático: a impossibilidade de movimentos independentes se candidatarem às legislativas. A principal bandeira do partido é “quebrar o ciclo vicioso de corrupção que gira à volta do Parlamento”, disse Joaquim Afonso, afirmando que “qualquer cidadão independente pode ser eleito desde presidente de junta até Presidente da República“, mas não deputado.

Joaquim Afonso partiu para acusações mais duras quando acusou “quatro blocos” de pessoas de estarem no centro deste ciclo de corrupção: “O Governo, os chefes das empresas oligárquicas, as grandes sociedades de advogados e os deputados.” Para o líder do Nós Cidadãos, estes são os beneficiários dos esquemas de corrupção no país. “Sempre os mesmos a rodar nesta roda“, afirmou Joaquim Afonso, dizendo que acabar com as nomeações políticas para cargos administrativos nos hospitais seria uma prioridade para o partido no que respeita à saúde.

Élvio Sousa, o líder do partido Juntos pelo Povo (JPP), falou no debate para sublinhar a importância de uma representação madeirense mais forte no Parlamento. Élvio Sousa lembrou que o JPP já tem três deputados na Assembleia Legislativa da Madeira e uma autarquia (câmara de Santa Cruz) e que o movimento surgiu de um grupo de “cidadãos eleitores“, que tiveram de se registar como partido para poderem concorrer às eleições. Quanto ao tema central do debate, o SNS, Élvio Sousa salientou que o partido não tem “nenhuma muralha ideológica” que impeça a contratualização com o privado, e deu o exemplo da câmara de Santa Cruz, onde o JPP estabeleceu um programa de recuperação de pequenas cirurgias para os cidadãos que esperavam demasiado tempo por operações simples.

Amândio Madaleno, o líder do PTP, preferiu focar-se no crescimento da extrema-direita em Portugal e disse que o Parlamento tem de proteger os portugueses de um “tubarão em crescimento”. Madaleno apontou estratégias: apoiar os militares e polícias, para não os deixar inflamar por um espírito de ódio que os leve a votar no Chega. O líder do PTP pediu ainda votos no seu partido que permitam eleger alguns dos seus candidatos por Setúbal e Lisboa, que são de etnia cigana, e pediu penas de prisão efetiva para racismo, xenofobia e discriminação — um apelo que levou José Pinto Coelho a interrompê-lo e a perguntar se defendia a sua prisão, uma vez que seria a esquerda a definir o que é racismo e xenofobia.

Por parte do Movimento Alternativa Socialista (MAS, movimento que nasceu de uma fação do Bloco de Esquerda liderada por Gil Garcia), a candidata Renata Cambra mostrou-se preocupada com “o estado da esquerda” e, explicando que é professora, disse-se “precária” durante toda a vida. A líder do partido atirou contra PS, Bloco e PCP, dizendo que “a geringonça não serve” e enumerando problemas, incluindo o aeroporto do Montijo (que será afetado pela subida da água do mar dentro de poucas décadas), a falta de recuperação do tempo de carreira dos professores, a falta de vagas de especialidade para médicos e, sobretudo, a exploração de lítio na Serra da Argemela, que, diz, se traduzirá num problema ambiental e comunitário na região.

Quem se juntou pela primeira vez a um debate para legislativas foi o Volt, partido pan-europeu que advoga o federalismo como caminho para a integração europeia. Tiago Matos Gomes, o líder do partido e cabeça de lista por Lisboa, defendeu os méritos da União Europeia no combate à pandemia, salientando que “se não fosse a Europa a comprar vacinas em larga escala” a vacinação não havia sido um sucesso em Portugal, e destacou que uma grande parte das decisões políticas tomadas na Assembleia da República resultam da transposição de diretivas europeias. “Devem ser os cidadãos a escolher quem deve governar a Europa”, disse Matos Gomes. Questionado sobre se isso representaria uma perda de soberania, o líder do Volt disse que “não podemos pensar a soberania como no século XIX ou XX” e lembrou que “a soberania hoje é partilhada e constroem-se blocos a nível mundial“. Matos Gomes foi mais longe e disse que, sem a CEE, Portugal estaria ao nível de uma “Albânia do Ocidente” em vários aspetos do seu desenvolvimento.

No final de um debate que incluiu vários momentos de bizarria argumentativa (sobretudo no grande período dominado pelo negacionismo pandémico protagonizado por Bruno Fialho, José Pinto Coelho e, em parte, por Maria Cidália Guerreiro), foi a moderação paciente de Carlos Daniel que se tornou no principal tópico de debate nas redes sociais. Poucos minutos depois do fim do debate, já circulava no Twitter uma Petição Pública a pedir que o jornalista da RTP venha a merecer um lugar no Panteão Nacional pela sua prestação na noite de terça-feira.

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