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A fotografia (e a alegria) de Homem Cardoso

Este artigo tem mais de 2 anos

"500 Retratos da Minha Vida" é o livro que resulta de uma viagem intensiva ao arquivo de um dos fotógrafos que retratou mais figuras da sociedade e da cultura portuguesas.

Raul Solnado fotografado por António Homem Cardoso
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Raul Solnado fotografado por António Homem Cardoso

Raul Solnado fotografado por António Homem Cardoso

Pelos 75 anos de idade, António Homem Cardoso abriu as suas gavetas de arquivo e decidiu publicar esta monumental galeria de retratos de figuras ilustres da vida portuguesa, que ele fotografou ao longo de muitos anos ora por razões profissionais ora por proximidade ou amizade pessoal, capitães de indústria, gente das artes e das letras, da vinicultura, da política, da gastronomia, a Família Real naturalmente — pois lhe é particularmente cara — e também alguma da high society que temos ou nos visita. Numa breve página de abertura em que se dirige ao “Caríssimo Leitor”, avisa-o liminarmente de que “vai encontrar alguns grandes retratos, outros assim-assim, outros nem por isso. || Tal como a vida, o retratista tem dias bons, maus e péssimos”. Essa sensata, honesta e formal advertência talvez seja pouco comum no ofício, cuja comunidade alargada Homem Cardoso demonstra estimar como poucos, desde logo ao convidar António Barreto como autor do prefácio e, depois, fechando o seu livro com uma admirável fotografia de grupo, 22 fotógrafos e fotojornalistas bem animados e sorridentes reunidos num encontro de celebração, quase ao jeito da Confraria do Vinho do Porto que lhe precede em poucas páginas. E pelo meio lá está Augusto Cabrita (p. 85) em franca homenagem, com cartão do Natal de 1988 na página ao lado. É tão bom isto.

Folheia-se o livro de retratos a preto e branco original ou convertido como quem faz uma revisitação histórica das últimas quatro ou cinco décadas. Surpreende a juventude duns (por exemplo, Paulo Portas ainda do tempo do Semanário, presumo, p. 227; e Dirk Niepoort, p. 144), a presença de outros (o poeta Al Berto, num dos seus melhores retratos certamente, p. 51; o pintor Júlio Resende, p. 100), a estupefaciente beleza feminina — um motivo cardosiano por excelência: vejam-se Alícia Chaves na p. 186 e Laetita Scherrer na p. 254 — que o tempo entretanto esvaiu (Alexandra Lencastre, p. 41; Cinha Jardim, p. 333; Maria Elisa, p. 487; Clara Pinto Correia, p. 96), e a capacidade visceral de fazer rir (Sam, p. 420; Eugénio Salvador, p. 330; Badaró, p. 484; Agildo Ribeiro, p. 50). Simplesmente admirável pela captação de inteligência luminosa e força moral é o retrato do jornalista político Victor Cunha Rego (p. 416). Retratos de militares de alta patente e de políticos de carreira é que não podiam ser mais oficiais…

Título: 500 Retratos da Minha Vida
Autor: António Homem Cardoso
Prefácio: António Barreto
Editor: By the Book
Design: Veronique Pippa
Páginas: 504
Preço: 45 €

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Retratos de figuras há que jamais poderão estar ausentes em algo que seja feito em sua memória, como o do decorador franco-português Lucien Donnat (p. 236), o do escritor Luís Sttau Monteiro (p. 99), o da pintora Menez (p. 104), o do escultor João Charters de Almeida (p. 349), o do actor e humorista Raul Solnado (p. 377), o do maestro António Vitorino d’Almeida (p. 81), o do político João Bosco Mota Amaral (p. 265) ou o do crítico de televisão Mário Castrim (p. 483). Manuel Alegre, Natália Correia, José-Augusto França, Victor de Sousa e Miguel Torga também não ficaram nada mal servidos (pp. 199, 363, 472, 441, 311). Outros, porém, perdem claramente face a trabalhos de outros fotógrafos — e sem cotejo comparativo qualquer crítica a este livro seria coisa vã —, como sucede com Augusto Brázio e o seu retrato de 2003 do marquês de Fronteira D. Fernando Mascarenhas no seu Olha para Mim (Oficina do Livro, 2006), Eduardo Gageiro e Jorge Sampaio em 1995 no livro Revelações (ed. autor, 1995), João Francisco Vilhena quer para José Saramago quer para Rosa Lobato de Faria e José Cardoso Pires), ou Gérard Castelo-Lopes fotógrafo de Fernando Lopes em Toulouse 1970 — ainda que suplantado este pelo de Luísa Ferreira, captando o realizador de cinema ao balcão do Gambrinus —, Alfredo Cunha retratando o escultor João Cutileiro em 1990, agora no álbum Retratos 1970-2018 (Tinta da China, 2018), ou Mário Cabrita Gil registando o saudoso Manuel Reis, do Frágil-Lux, para o precursor livro A Idade da Prata (Imprensa Nacional, 1986). (Ao invés, o jovem escultor José Pedro Croft está melhor em Cardoso do que em Gil.)

Demasiado formal, o retrato de Amália Rodrigues (p. 19) vale muito menos do que Pepe Diniz lhe fez em 1987 e serviu para capa da biografia assinada por Vítor Pavão dos Santos, ou um de Silva Nogueira tirado em 1954 (o 40 de Retratos Fotográficos). Para o belo retrato formal (p. 69) do escritor Manuel da Fonseca, morto em 1993, é que francamente não encontrei termo de comparação — muito embora o inultrapassável retrato que João Francisco Vilhena tirou a Fernando Assis Pacheco pareça inspirar-se nele —, e o mesmo valerá para o radialista José Nuno Martins, o escritor António Alçada Baptista (p. 475), a cantora Simone de Oliveira (p. 61), o decorador Pedro Leitão (p. 383). Ninguém como António Homem Cardoso poderia retratar o seu amigo e co-autor editorial o historiador de arte Helder Carita (p. 163). O seu retrato da escritora Fernanda Botelho (p. 281) é dos mais referenciados. Em contrapartida, o de Ruy de Carvalho (p. 445) faz parte dum portefólio produzido para um livro do actor onde encontramos outros que melhor o representariam.

Luís de Sttau Monteiro, Simone de Oliveira, Mário Castrim e a família dos Duques de Bragança

Edição discográfica e produção de moda — renovadas ou em expansão — foram áreas em que António Homem Cardoso trabalhou nas últimas décadas do século passado. Talvez já não reste memória concreta disso, mas é aqui que estão as novas e emergentes bandas de rock Xutos & Pontapés e GNR, vários fadistas, os Madredeus e os Heróis do Mar, os Trovante, as Doce, até os cabo-verdianos Tubarões, Pedro Abrunhosa, os Delfins, os UHF, os Da Vinci, Marco Paulo, Tony Carreira, Quim Barreiros e José Cid, mas também — entre outros — Mário Laginha, Naná Sousa Dias, um novíssimo Rui Veloso (p. 315), Isabel Silvestre, Jorge Palma, Manuel Freire, Nuno Nazareth Fernandes e Bonga (p. 246). Aqui estão também Mi e Tó Romano (p. 376), fundadores em 1989 da agência Central Models, a jovem e promissora fotógrafa de moda Inês Gonçalves, os costureiros em evidência José Carlos e António Augustus, a modelo Yolanda. Na verdade, essa atenção ou adesão ao contemporâneo inovador não estancou no tempo: repare-se nos muito recentes retratos do admirável street artist Bordallo II (p. 63), do motociclista de alta competição Miguel Oliveira (p. 179) e do vice-almirante Henrique Gouveia e Melo, organizador-mor da logística da vacinação covid-19, reconhecido até com uma dupla página (pp. 392-93).

Tem por isso inteira razão António Barreto quando diz que este livro reúne “centenas de pessoas que deixaram marcas ou memórias, que algo fizeram ou alguma coisa deram aos seus contemporâneos. Não estão aqui todos. Certamente. Faltam muitos. Seguramente. […] Mas esta selecção mostra sobretudo que António Homem Cardoso esteve lá, esteve com eles, viu-os. […] O que nos dá hoje, neste álbum encantador, é tanto a vida dele, como a nossa” (p. 12). A epígrafe de Antoine de Saint-Exupéry e os versos finais de Soledad Martinho Costa balizam na perfeição o trabalho e a linha do tempo daquele que é «um dos retratistas mais importantes e conhecidos do Portugal contemporâneo” (Barreto, p. 11).

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