“Não importa onde estejam, todas as crianças têm direito à educação”. É esta a convicção de Ilona Taimela, a professora que aceitou dar aulas online a crianças que tinham sido levadas para o campo de detenção al-Hol, por terem ligações ao auto proclamado Estado Islâmico. Da Finlândia até à Síria, através do WhatsApp, ela ensinou desde matemática a geografia, tudo em inglês e finlandês.

Em 2019, as forças lideradas pelo exército curdo recuperaram o território a norte da Síria e prenderam os membros do EI, juntamente com as suas famílias, no campo de al-Hol, onde crianças só tinham acesso à educação oferecida por algumas instituições de solidariedade.

Ali, onde vivem cerca de 60.000 pessoas, há crianças de diferentes nacionalidades, que aguardam que o governo dos seus países de origem avaliem a possibilidades de repatriação, aliado aos riscos de segurança que trazer também as mães acarretaria, por temer-se que possam continuar a apoiar a ideologia extremista do EI. Enquanto se aguarda pela decisão, as crianças crescem em condições desumanas têm denunciado várias organizações não governamentais.

No final desse mesmo ano, o governo da Finlândia anunciou que repatriaria as 30 crianças finlandesas. A medida acendeu o debate, questionando-se a legalidade do plano, já que só as crianças regressariam e as mães não. Numa tentativa de resolver o problema, o governo finlandês enviou um representante, Jussi Tanner, para negociar com as autoridades curdas que gerem o campo. As negociações eram lentas, com as semanas a transformarem-se em meses, e Tanner começou a pensar em medidas provisórias para salvaguardar os direitos das crianças sob a lei finlandesa, conta a BBC. 

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O início da pandemia abriu portas ao ensino online e, aí, encontraram a solução: se os jovens na Finlândia podem ter aulas virtualmente, o mesmo pode ser feito com as crianças que estavam em al-Hol, refletiu Tanner. O governo finlandês apoiou a ideia e contratou a Fundação Lifelong Learning para desenvolver um plano de educação à distância.

Foi aqui que entrou em cena Taimela, com mais de 30 anos de experiência em ensino multicultural. Em poucas semanas, em conjunto com a respetiva associação, conseguiu traçar um programa especial: consistia em enviar diariamente as aulas às crianças através do Whatsapp – a única forma de comunicação com os alunos — para ajudá-los a melhorar as suas competências em temas fundamentais e também a prepará-los para a vida na Finlândia aquando do regresso.

Para participar, os estudantes precisavam da autorização das mães, que foram contactadas diretamente por Taneer. Ao todo, matricularam-se 23 alunos entre os 3 e os 19 anos e dia 7 de maio de 2020 deu-se início às aulas.

Muitas mulheres inscreveram os filhos nas aulas à distância. As crianças não iam à escola há algum tempo. Além disso, as crianças não têm muito que fazer nos campos, onde são prisioneiros, ao passo que também lhes proporciona rotinas, diversão e aprendizagem”, explica.

Para proteger a sua identidade, Taimela apresentou-se como Saara, e a sua foto de perfil era uma imagem em que o seu rosto era irreconhecível, onde usava óculos de sol e um lenço na cabeça. Os telemóveis são proibidos no campo, por isso, todo este processo tinha de ser mantido em segredo, tanto para as autoridades curdas, como para a comunicação social da Finlândia.

Uma das preocupações na preparação das aulas era organizá-las de forma a que as crianças não tivessem de sair das tendas, para não levantar suspeitas. “Às vezes as mulheres diziam-nos que os soldados revistavam as tendas”, assegura Taimela, que acredita que os soldados acabaram por ler algumas mensagens.

Para comunicar o melhor possível com as crianças enviava as aulas em mensagens de texto, emojis, áudios — os preferidos dos alunos– e, às vezes, fotos. Além disso, as aulas adaptavam-se conforme a idade e as aptidões de cada estudante.

“Dava aulas todos os dias, embora cada um a seu ritmo”, conta. Começava às 9h00, e os mais novos estudavam uma disciplina por dia, enquanto os mais velhos duas. À tarde, havia aulas com uma vertente mais lúdica: “Mensagens com contos, poemas, jogos, etc”, exemplifica.

Apesar das dificuldades – como os problemas com a internet — e do risco, a professora começou a ver resultados positivos, como quando viu uma criança de seis anos a aprender a ler histórias em finlandês.

No início deste ano, Taimela perdeu o contacto com a maioria das famílias e abandonou o projeto. Por que razão? Muitas delas conseguiram ser repatriadas para a Finlândia. A professora ainda não os conhece a todos, porém uma das mães, num centro de acolhimento, reconheceu-a pela voz.

Após o secretismo, o projeto educativo acabou por se tornar público e recebeu “muitos comentários positivos”. Mesmo assim, em menor escala, recebeu críticas do partido conservador, com a líder Riikka Purra a desejar que o governo estivesse “tão interessado em manter os finlandeses seguros” como a ensinar estas crianças, ressalvando, contudo, que elas são “inocentes”.

Já a professora não tem dúvidas: “A educação é um caminho para a desradicalização”.