Politólogos consideram que a ascensão do Chega irá extremar a retórica e os comportamentos na sociedade portuguesa, podendo também influenciar o espaço da direita, com partidos como o PSD a precisarem do seu apoio para formar Governo.
Depois de o Chega ter alcançado, nas eleições legislativas de domingo, 7,15% de votos e 12 deputados — em comparação com os 1,29% registados em 2019 e a eleição de um único representante —, politólogos consideram que o crescimento do partido levanta um “tabu” na sociedade portuguesa.
Pessoas que talvez tivessem uma maior propensão a ser favoráveis ao Estado Novo, ou a ser mais racistas ou mais xenófobas, mas que tivessem algum pudor de se comportar dessa forma porque achavam que havia um certo tabu, a partir do momento em que estes partidos têm sucesso, sentem-se muito mais legitimadas e têm muito mais probabilidade de o fazer em público, disse à agência Lusa Vicente Valentim, investigador na Universidade de Oxford.
Valentim afirmou que já se viam “alguns sinais disso na sociedade portuguesa”, mas, “com este crescimento tão estrondoso do Chega”, isso continuará a acontecer, podendo manifestar-se em “coisas talvez menos graves, como uma pessoa dizer que apoia um partido destes”, mas também em “coisas mais graves, tais como a forma como se tratam as minorias e os imigrantes”.
Na mesma linha, a investigadora no Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa Susana Salgado frisou que, “para uma camada da população”, acabou “a ideia do que é normativamente correto”, sustentando que, “quando se normaliza e se dá visibilidade” a um discurso de ódio, “passa a ser normal falar desta forma e passa a ser mais normal conviver com este tipo de ideias”.
Abre espaço a muita radicalização quer do eleitorado, quer da opinião pública em geral porque, no fundo, onde há um extremo, depois o outro extremo oposto tende a crescer também. Isto acaba por ser algo preocupante também a esse nível: quer na qualidade do debate público, político, quer na própria formação de atitudes, políticas ou outras, em relação a grupos, àquilo que é diferente na sociedade portuguesa, disse.
Constatando que o Chega conseguiu “um resultado bastante bom”, tendo-se tornado na terceira força política nacional, Conceição Pequito, professora no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade Lisboa, alertou para o impacto que o partido de direita radical terá no sistema político e, designadamente, na “reconstrução séria da direita” que irá acontecer dado o resultado das eleições.
“A reconfiguração do espaço do centro-direita, direita, terá que ter em conta o Chega, dada a extinção do CDS, dada a votação do PSD. (…) Na área da direita, o Chega faz agora a diferença”, vincou à Lusa.
António Costa Pinto, do ICS, também defendeu que, caso o Chega mantenha “este impacto eleitoral”, será o “motor fundamental de qualquer solução maioritária de Governo à direita do espetro político”, considerando que o PSD “tem hoje um desafio equivalente àquele que o PS teve muitas vezes no passado, ou seja, ter uma direita fracionada, não conseguindo realizar voto útil nos próximos tempos”.
Deixando em aberto se o PSD poderá tentar incorporar algum ideário do Chega no seu programa para captar o seu eleitorado, Costa Pinto vaticinou, no entanto, que a ascensão do Chega terá um impacto muito provável na direção social-democrata que substituir Rui Rio, que terá “a tentação de se situar mais à direita justamente nessa perspetiva”.
Vicente Valentim, que estudou a influência da ascensão de partidos de direita radical no espetro político europeu, sublinhou que “outros partidos, principalmente partidos de centro-direita, tendem a aproximar-se um pouco das suas posições em termos de política”, mas, em termos de retórica, procuram afastar-se e “não embarcarem nesse discurso”.
“Por isso, o que pode acontecer é que, por um lado, vejamos uma certa retórica de afastamento do Chega, de não entrar numa lógica de discurso negativo, mas, ao mesmo tempo, naquilo que é realmente a política dos partidos e naquilo que eles propõem nos seus programas, eles podem vir a aproximar-se um pouco mais das posições do Chega”, indicou.
Chega pode estabilizar-se no sistema político, mas futuro dependerá de grupo parlamentar
Politólogos consideram que, depois do resultado nas eleições legislativas, o Chega pode “construir uma malha política nacional”, mas defendem que a coerência do grupo parlamentar e a atuação do Governo serão determinantes para as suas perspetivas de futuro.
O investigador do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa António Costa Pinto sublinhou à Lusa que “sempre houve” terreno fértil em termos ideológicos para o partido de André Ventura, relembrando que, desde os anos 1990, há inquéritos que demonstram que “há segmentos na sociedade portuguesa cujos valores são suscetíveis de serem mobilizados pelo Chega”.
O valor da lei e da ordem, o valor do anticomunismo e antissocialismo, o valor da mobilização anticorrupção, anti-classe política sempre existiram e foram expressos por segmentos da sociedade portuguesa. O que é que aconteceu? É que, até aqui, uma parte desses segmentos da sociedade votavam no CDS ou no PSD, frisou.
Considerando que tanto os sociais-democratas como os centristas não conseguiram mobilizar esses segmentos, Costa Pinto sublinhou que eles foram “claramente enquanto voto de protesto” para o Chega, porque André Ventura “conseguiu chegar, numa conjuntura determinada, a esse eleitorado”.
“O Chega parece-me que está para ficar. Evidentemente que as conjunturas políticas são fluidas, mas o Chega nos próximos anos tem uma oportunidade de se consolidar e de construir uma malha política nacional”, perspetivou.
À Lusa, Conceição Pequito, professora no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade Lisboa, sublinhou que o Chega “vai buscar votos aos abstencionistas usuais, ao PSD, ao CDS” e até à CDU, defendendo, no entanto, que o que mobilizou o eleitorado para votar no partido de André Ventura foi o “voto de protesto, do discurso e da retórica antissistema” e não tanto os “temas do racismo, da xenofobia”.
“A oferta que o Chega dá ao eleitorado português não encontra eco nesses temas, não acredito que seja por questões de xenofobia, racismo, um discurso exclusivista, nativista. A sociedade portuguesa não tem uma estrutura política, social e económica que permita ao Chega crescer como um partido radical e de direita à semelhança dos seus congéneres europeus”, sublinhou a professora, que vê no “antissistemismo de uma fatia considerável do povo português” a razão que justifica o resultado do Chega.
O investigador da Universidade de Oxford Vicente Valentim indicou que, tanto na Europa como em Portugal, o eleitorado que vota em partidos de direita radical “tem ansiedade em relação a mudanças estruturais que as sociedades ocidentais têm passado no último tempo, como seja a globalização, o aumento da emigração, o aumento da automatização do trabalho”.
Perspetivando o futuro do Chega, Valentim salientou que “é preciso alguma cautela em ver o crescimento espetacular do Chega nestas últimas eleições como uma tendência que se mantenha para o futuro”, salientando que, nos restantes países europeus, partidos de direita radical “aparecem, crescem bastante no início, mas depois estagnam entre os 10% e 20% dos votos”.
Susana Salgado, investigadora do ICS, considerou que a futura trajetória do Chega irá depender “da consistência, da coerência do grupo parlamentar” agora eleito, indicando que, caso haja uma “descoordenação”, o próprio partido se pode “auto prejudicar, porque algumas daquelas pessoas que votaram sem grande convicção nas ideias acabam por migrar para outros projetos políticos porque percebem que ali não existe coerência”.
Salgado referiu também que, se o PS, por ter uma maioria absoluta, “não responder de facto àquilo que as pessoas entendem que são os principais problemas com que têm de lidar” e “passarem quatro anos e continuarem a faltar as reformas que o país precisa”, corre-se o “sério risco de crescer o eleitorado” do Chega.
“Grande parte da possibilidade de um travão desta direita radical populista está, neste momento, naquilo que será a atuação do próprio PS. (…) [Um voto no Chega] é um voto de protesto. Se não existirem outras alternativas credíveis, as pessoas depois acabam por votar naquilo que é a alternativa, naquilo que existe e, neste caso, é o Chega”, indicou.