Eram duas equipas a atravessar fases que iam mascarando períodos recentes de manifesto infortúnio: o Barcelona levava seis jogos sem perder para a liga espanhola mas, pelo meio, só ganhou dois e foi eliminado da Taça do Rei e caiu na final da Supertaça com o Real Madrid; depois de quatro derrotas consecutivas para o campeonato, o Atl. Madrid levava três jornadas sem perder mas só ganhou em duas e foi afastado tanto da Supertaça como da Taça do Rei. Este domingo, Xavi e Simeone defrontavam-se pela primeira vez em Camp Nou num jogo que valia o quarto lugar da classificação.

Na antecâmara da partida, os dois treinadores decidiram recordar uma disputa de 2016, há já seis anos, quando um Xavi ainda jogador do Barcelona decidiu comentar o estilo de jogo implementado pelo treinador argentino nos colchoneros. “Em 2016, Xavi disse que o estilo de jogo do Atl. Madrid não era para equipas grandes. Agora pode mostrar o que deseja, o que imagina e o que cultiva desde o início do seu percurso no Barcelona. Da nossa parte, tentamos sempre levar cada jogo para criar problemas ao adversário”, explicou Simeone na antevisão, proporcionando desde logo uma resposta do agora técnico dos catalães.

“Não é o estilo do Barcelona, não encaixa. Não creio que os adeptos entendessem se o Barcelona jogasse dessa forma, não é a nossa ideia. Não digo que não têm mérito, que não seja competitivo e não ganhe títulos. Mas aqui não iriam perceber se jogássemos fechados com onze na área. Não digo que não admiro o treinador, que é um grande treinador. Não se trata de uma crítica, é uma realidade”, atirou Xavi, mencionando essencialmente a postura mais defensiva e calculista que o Atl. Madrid apresenta desde que Simeone chegou à capital espanhola.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Este domingo, no primeiro jogo depois do encerramento do mercado de inverno, o Barcelona já apresentava o reforço Adama Traoré no onze inicial, enquanto que Aubameyang ainda começava no banco. Também no banco, dentro da convocatória, estava Ousmane Dembélé, que acabou por não sair até ao final de janeiro e foi reintegrado na equipa. Do outro lado, João Félix era titular no Atl. Madrid, em conjunto com Suárez e Carrasco, e as novidades Wass e Reinildo também começavam como suplentes.

O Barcelona começou melhor, essencialmente no plano ofensivo, e ia desequilibrando a partir do corredor direito: Adama Traoré apresentava-se da melhor forma a Camp Nou, as combinações entre o espanhol e o jovem Pedri pareciam inatas e Dani Alves, que tantas vezes aproveitava as incursões internas dos colegas para dar largura ao ataque, era o elemento que provocava a surpresa. O Atl. Madrid ia procurando manter a organização defensiva, encontrando dificuldades nas transições que os catalães faziam de um lado para o outro e que obrigavam a última linha dos colchoneros a balançar entre alas, e acabou por tirar o melhor da forma de jogar que Xavi criticou — o calculismo.

Num lance praticamente isolado, em claro contra-ataque, Suárez desequilibrou na direita e assistiu Carrasco na grande área, com o avançado belga a desviar de primeira para bater Ter Stegen (8′). O Atl. Madrid colocava-se em vantagem em Camp Nou mas a distância no resultado pouco ou nada durou: instantes depois, Dani Alves assinou mais uma viragem de eixo ofensivo da direita para a esquerda e Jordi Alba, no vértice da grande área e com um vólei brilhante de primeira, atirou para o poste mais distante (10′). Oblak ficou pregado ao chão, confiante de que o pontapé iria para fora, e o lateral empatou o marcador com um golo delicioso. Na sequência da igualdade, o Barcelona intensificou a superioridade, subiu as linhas, passou a atuar completamente inserido no meio-campo adversário e forçou o Atl. Madrid a jogar por inteiro atrás da linha de bola, sem ter sequer a capacidade de soltar a transição rápida.

A justiça acabou por aparecer cerca de 10 minutos depois. Adama Traoré voltou a desequilibrar na direita, provocou a aproximação de três defesas e cruzou para o coração da grande área, onde Gavi cabeceou para colocar o Barcelona a ganhar e abrilhantar ainda mais uma exibição que já estava a ser muito positiva (21′). Até ao intervalo, os catalães confirmaram aqueles que foram os melhores 45 minutos da temporada, não permitiram quaisquer aventuras ao Atl. Madrid e até conseguiram dilatar o resultado, com Ronald Araújo a concretizar uma recarga depois de Piqué acertar na trave de cabeça (43′). No final da primeira parte, a teoria de Xavi estava a dar uma lição à teoria de Simeone.

Na segunda parte, Simeone tirou Vrsaljko, um dos jogadores em claro subrendimento, e lançou o reforço Wass. O Barcelona, contudo, regressou do balneário com o mesmo ritmo: sem que ainda estivessem cumpridos cinco minutos depois do intervalo, Dani Alves apareceu à entrada da grande área depois de um cruzamento na esquerda e atirou de primeira para marcar pela primeira vez desde o regresso aos catalães (49′). O brasileiro correu, festejou com o banco de suplentes, abraçou Xavi e abriu os braços para Camp Nou.

Simeone reagiu à confirmação da goleada com as entradas de Correa, Reinildo e Matheus Cunha mas o Barcelona ia controlando por completo todas as ocorrências, gerindo a posse de bola e aproveitando com mérito o total demérito do Atl. Madrid. Na sequência de um pontapé de canto, contudo, os colchoneros relançaram a partida: De Paul bateu na direita, Giménez foi o primeiro a cabecear e Suárez desviou na cara de Ter Stegen (58′), marcando pela primeira vez à antiga equipa em Camp Nou e juntando desde logo as mãos para pedir desculpa às bancadas. Xavi respondeu com a estreia de Aubameyang, que substituiu Traoré, e pouco depois trocou Pedri por Nico, procurando voltar a conquistar o domínio que tinha ficado mais esbatido com o segundo golo da equipa de Simeone.

A 20 minutos do fim, tudo ficou mais difícil para o Barcelona. Dani Alves, até aí uma das figuras do jogo pela assistência, pelo golo e por tudo o que estava a dar à equipa, viu cartão vermelho direto depois de uma entrada sobre Carrasco e deixou a equipa reduzida a 10 unidades. Enquanto deixava o relvado, contudo, a opinião de Camp Nou era clara: “Alves, Alves, Alves”, ouviu-se a partir das bancadas.

Até ao fim, mesmo com a desigualdade numérica, já pouco aconteceu. Xavi lançou Sergiño Dest para equilibrar a defesa, Simeone colocou Herrera no lugar de Koke e nenhuma das equipas voltou a ficar perto do golo, com os catalães a terem a capacidade de empurrar os colchoneros e nem sequer terem a necessidade de sofrer nos últimos instantes. O Barcelona goleou em casa, assumiu o quarto lugar da liga espanhola, realizou a melhor primeira parte da época e mostrou que tem tudo para ser uma equipa nova até ao verão; já o Atl. Madrid viu mais uma confirmação da morte do Cholismo, uma filosofia que não soube envelhecer e que se apresenta cada vez mais ultrapassada. Pelo meio, Dani Alves renasceu, marcou, assistiu e foi expulso com vermelho direto. Como nos bons velhos tempos.