Na madrugada de quarta para quinta-feira, sem que ninguém ficasse propriamente surpreendido, a invasão da Ucrânia por parte da Rússia arrancou. E, tal como acontece sempre que estala uma guerra, que existe um conflito geopolítico ou que algo mexe com o normal desenvolvimento das sociedades e das vidas mundanas de qualquer um de nós, o desporto foi uma das primeiras áreas a refletir tudo o que se passa. A começar em Zinchenko, a passar por Paulo Fonseca e a acabar numa reunião de emergência na UEFA.

Já na sequência do gesto de Roman Yaremchuk nos festejos do segundo golo que o Benfica marcou ao Ajax, esta quarta-feira, quando o avançado ucraniano mostrou uma camisola com o símbolo nacional do país, Zinchenko tinha demonstrado o apoio ao compatriota nas redes sociais. Já esta quinta-feira, depois de a invasão russa ter começado de forma oficial, o jogador do Manchester City foi mais longe, dirigiu-se a Vladimir Putin e escreveu “espero que morras da maneira mais dolorosa possível, escumalha!”, num story do Instagram que foi quase imediatamente eliminado.

O que já se sabe sobre a invasão russa da Ucrânia

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Paulo Fonseca, treinador português que já orientou o Shakhtar Donetsk, está retido em Kiev, na Ucrânia, com a mulher, uma cidadã ucraniana, e os filhos. O técnico tinha voo de regresso a Portugal marcado para esta quarta-feira às 10h mas, com o encerramento de todo o espaço aéreo civil por parte do governo ucraniano, ficou preso num hotel da capital do país. “Tinha voo marcado para hoje mas agora é impossível sair daqui, até porque os aeroportos já estão destruídos e o espaço aéreo foi encerrado”, disse Fonseca ao Jornal de Notícias.

“Neste momento, só se consegue sair de Kiev por via terrestre e está tudo a tentar fugir para Lviv, uma cidade perto da Polónia. As estradas estão completamente paradas, porque é impossível circular com tantos automóveis. As filas estão enormes. Além disso, já não há gasolina. Só resta rezar para que um bomba não caia junto de nós. Sinceramente, não sei como é que vou sair daqui”, disse o treinador, acrescentando que existem “vários aviões militares” no ar e “filas enormes nos supermercados”, onde “já não resta muita coisa”. “Este é o pior dia da minha vida”, terminou Paulo Fonseca.

A UEFA pode tirar a final da Liga dos Campeões de São Petersburgo. Mas a influência da Gazprom não vai facilitar

Entretanto, a UEFA convocou para esta sexta-feira uma reunião extraordinária do Comité Executivo com o intuito de “avaliar a situação e tomar todas as decisões que forem necessárias”. Nesta reunião, poderá ser discutida a eventual alteração do local da final da Liga dos Campeões, agendada para o próximo dia 28 de maio na Gazprom Arena, na cidade russa de São Petersburgo. A imprensa inglesa tem avançado que Wembley, em Londres e onde aconteceu a final do Euro 2020, é uma das opções em cima da mesa para receber o jogo enquanto alternativa.

Numa situação semelhante à de Paulo Fonseca está Lluís Cortés, espanhol que é o selecionador da equipa de futebol feminino da Ucrânia. “Isto é surreal, parece uma cena de filme. O ruído parecia de petardos, nunca pensas que pode ser uma bomba, só depois é que nos demos conta do que se passava. Bombardearam a zona do aeroporto aqui em Kiev e fecharam o espaço aéreo”, disse o treinador ao Mundo Deportivo. Cortés, em conjunto com o preparador físico Jordi Escura, estão a ser apoiados pela Federação Ucraniana de Futebol e vão tentar sair da capital rumo à fronteira com a Polónia.

“Enchemos a mochila de barras energéticas e água porque mandaram-nos para o oeste do país, para Lviv, a uns 540 quilómetros de Kiev, para tentarmos aproximar-nos da Polónia a partir daí. A chave será cruzar a fronteira”, explicou o espanhol, que acrescentou que ia ao banco levantar todo o dinheiro que tem para depois fazer uma viagem de “sete ou oito horas de carrinha”. “Temos a sorte de ter a Federação, que nos está a ajudar. Veremos como e quando chegaremos porque existem muitas aglomerações de tráfego rodoviário e as bombas de combustível estão fechadas. Estamos bem e seguros, sem sensação de perigo e em contacto com as nossas gentes. Mas isto é a sério, não é nenhuma brincadeira”, atirou Lluís Cortés.

Já Daria Bilodid, judoca ucraniana que já passou pelo Sporting, recorreu ao Twitter para relatar o momento em que se apercebeu de que a invasão tinha começado. “Hoje acordei às 6h da manhã com o barulho dos tiros em Kiev. Não tenho palavras. Estou muito assustada e rezo muito pela minha família e pelo meu país. A Rússia começou a bombardear-nos, a guerra começou. Porquê? Porquê arruinar as vidas das pessoas? Rússia e Bielorrússia, parem! Queremos paz, queremos viver”, escreveu a atleta, que é campeã europeia e mundial e conquistou uma medalha de bronze nos últimos Jogos Olímpicos, em Tóquio.

A visão que esteve em risco por um elástico, o regresso aos golos, a homenagem à Ucrânia. “Quis apoiar, tenho medo”, diz Yaremchuk

Por outro lado, Fyodor Smolov, internacional pela Rússia e jogador do Dínamo Moscovo, tornou-se o primeiro atleta russo a condenar as ações do próprio país. O avançado de 32 anos publicou uma imagem totalmente negra no Instagram e escreveu “sem guerra!”, acrescentando emojis com a bandeira ucraniana e um coração partido. Já Mircea Lucescu, treinador romeno do Dínamo Kiev, garantiu que não vai deixar Kiev na sequência da invasão russa. “Não deixarei Kiev para regressa à Roménia, não sou um cobarde. Espero que estes adultos sem cérebro parem com esta guerra. Nunca pensei que isto fosse possível”, atirou o técnico. O campeonato ucraniano já foi suspenso por um período mínimo de 30 dias, sendo que o recomeço depois da pausa de inverno estava marcado para esta sexta-feira, com o encontro entre o Mynai e o Zorya.