Nos primeiros dias da invasão da Ucrânia por parte da Rússia, o futebol uniu-se à onda de solidariedade que começou no mundo inteiro para com o povo ucraniano. A ovação a Yaremchuk na Luz, o abraço entre Zinchenko e Mykolenko antes da visita do Manchester City ao Everton e a camisola de Yarmolenko que a equipa do West Ham levou para dentro de campo para lembrar o avançado foram exemplos disso mesmo, de Portugal a Inglaterra. Mas agora, com o aproximar do fim da primeira semana de conflito, as posições começam a extremar-se também dentro do futebol — e até entre jogadores.
Nas últimas horas, num vídeo publicado nas redes sociais, o próprio Yarmolenko tornou-se um dos primeiros jogadores ucranianos a exigir uma reação aos colegas de profissão russos. “O meu nome é Andriy Yarmolenko, internacional ucraniano. Nasci em São Petersburgo mas cresci na Ucrânia e considero-me 100% ucraniano. Tenho uma pergunta para os jogadores russos: rapazes, por que é que continuam sentados como idiotas e não dizem nada? No meu país estão a matar as nossas gentes. Matam mulheres, matam mães, matam os nossos filhos. E vocês não dizem nada, não fizeram qualquer comentário”, atirou o avançado do West Ham, que foi dispensado durante alguns dias pelo clube inglês, a pedido, devido ao que se está a passar na Ucrânia.
YARMOLENKO ASK ????????⚽️ TO SHOW BALLS
In an IG video post – West Ham’s A Yarmolenko, speaking in Russian, directly addresses RU footballers:
‘I’m Andriy Yarmolenko, a ???????? NT player, I was born in St P but grew up in ???????? & regard myself as 100% Ukrainian. I have a Q for RU players…’ pic.twitter.com/azFJR10D2R
— Zorya Londonsk (@ZoryaLondonsk) March 2, 2022
“Por favor, digam-me o que aconteceria se estivéssemos todos juntos, unidos, a mostrar ao mundo o que realmente se está a passar no meu país. Conheço muitos de vocês e todos me diziam que não devia ser assim, que o vosso presidente estava a agir mal. Então, rapazes? Vocês que têm influência em muita gente, demonstrem essa influência. Por favor, peço-vos”, acrescentou o jogador de 32 anos que representou o Dínamo Kiev durante quase uma década.
Já Mykolenko, o lateral do Everton que abraçou Zinchenko em pleno Goodison Park durante o fim de semana, foi um bocadinho mais longe. No Instagram, o internacional ucraniano dirigiu-se diretamente a Artem Dzyuba, o capitão da seleção russa que joga no Zenit. “Enquanto ficas calado, seu c…, juntamente com os teus colegas de m…, cidadãos inocentes estão a ser assassinados. Vais ficar preso na tua masmorra para o resto da tua vida e, mais importante do que isso, até ao fim da vida dos teus filhos. E estou feliz por isso”, escreveu o jogador. Entretanto, também nas redes sociais, Dzyuba respondeu a Mykolenko e a todos aqueles que têm colocado em causa a posição de responsabilidade que tem enquanto capitão russo.
“Até bem recentemente, não queria falar sobre este tema. Não porque tivesse medo mas porque não sou um especialista em política. Nunca e nem pretendo ser, ao contrário de um grande número de políticos e virologistas que apareceram recentemente na internet. Mas, como toda a gente, tenho a minha opinião. E como estou a ser atraído para este tópico, vou expressá-la: sou contra qualquer guerra. A guerra é assustadora. Mas também sou contra a agressão e o ódio entre humanos, que a cada dia ganham proporções transcendentes. Sou contra a discriminação com base na nacionalidade. Não tenho vergonha de ser russo, tenho orgulho. E não entendo o porquê de os atletas terem de sofrer agora”, atirou o avançado do Zenit, referindo-se ao facto e a FIFA e a UEFA terem afastado as seleções e os clubes russos por tempo indeterminado.
Mais à frente, Dzyuba atirou-se àquilo que entende como dualidade de critérios quando outros países cometem irregularidades. “Sou contra duplos padrões. Pode fazer-se tudo mas depois enforcam-nos como cães. Por que é que toda a gente fala sobre desporto fora da política mas, na primeira oportunidade e quando se trata da Rússia, toda a gente esquece esse princípio? Mais uma vez, a guerra é assustadora. Em situações de stress, as pessoas mostram a sua essência, que por vezes é negativa. Quanta raiva já foi derramada sobre todos os russos, independentemente da sua posição e profissão? Aos milhares de pessoas que escrevem insultos e ameaças — ponham-se na fila!”, continuou o internacional russo, terminando com uma mensagem de esperança que não deixou de ser uma farpa a Mykolenko e companhia.
“É estranho ouvir tudo isto de pessoas a quem a Rússia deu muito. Tudo isso só cria mais negatividade. A guerra vai terminar mas as relações humanas vão permanecer. E será impossível retroceder, lembrem-se disso. E, para todos aqueles que se sentam em mansões em Inglaterra e dizem coisas nojentas: isso não nos ofende. Nós entendemos tudo. Paz e amor a todos”, ressalvou Dzyuba.
Foden marcou, o City ganhou. E foi tudo por Zinchenko, que não escondeu as lágrimas pela Ucrânia
Outra das vozes que se insurgiu de forma mais veemente nas últimas horas foi Andriy Voronin, ucraniano que até aqui era adjunto do Dínamo Moscovo e que já chegou a acordo com o clube para rescindir contrato. “Continuaremos a lutar e vamos ganhar mas o preço será muito alto. Tantos mortos… Vivemos em 2022 e não na altura da 2.ª Guerra Mundial. Tenho amigos em Járkov, em Kiev, em Odessa, a minha cidade natal. Vou recebendo mensagens a cada cinco minutos, é difícil de aguentar. Quero ajudar com dinheiro ou com o que for possível. Não sei se deveria dizer isto mas, se estivesse na Ucrânia agora mesmo, provavelmente tinha uma arma na mão”, disse o antigo jogador em entrevista ao jornal Bild, acrescentando ainda muitas considerações sobre o presidente russo.
“Putin? Talvez queira estar nos livros de história mas, no máximo, vai estar como um criminoso. Quando vejo as fotos do meu país nas notícias é surreal, é como se fosse um filme. Um filme de terror. Não tenho palavras”, terminou Voronin, que enquanto jogador passou pelo Bayer Leverkusen, pelo Liverpool e pelo próprio Dínamo Moscovo.
(artigo atualizado às 16h10 com a resposta de Artem Dzyuba às críticas de Mykolenko)