O momento foi raro: Marcelo Rebelo de Sousa não costuma falar no final das reuniões do Conselho de Estado, mas desta vez saiu do encontro cuja agenda tinha apenas um ponto — a guerra na Ucrânia — pronto para fazer uma intervenção, em jeito de declaração ao país, sobre as dificuldades que se avizinham.

Horas depois de o Governo, pela voz do ministro de Estado e da Economia, Pedro Siza Vieira, ter anunciado que vai apoiar os mais carenciados na compra de bens essenciais, Marcelo foi claro: “Não nos iludimos quanto aos tempos difíceis que aí vêm”. Até porque “não há como fazer de conta” que os “custos” desta guerra “não cairão de uma forma ou de outra nas nossas vidas”.

Como tal, o Presidente da República foi buscar inspiração às declarações que costumava fazer sobre a pandemia, pedindo a mesma “coragem e união” mostradas nos últimos dois anos. Isto porque alguns dos efeitos da guerra, que já se fazem sentir, serão semelhantes: tal como na pandemia, explicou, nesta nova crise será preciso garantir bens essenciais, assegurar o funcionamento da economia, apoiar as empresas e cuidar das pessoas, em particular das mais pobres.

Com as dificuldades que a guerra trará, à Europa e também a Portugal, bem presentes, o chefe de Estado fez questão de frisar que a invasão da Ucrânia por parte da Rússia mereceu uma condenação “unânime” dentro do Conselho de Estado. Nesta reunião, não estiveram presentes Rui Rio (infetado com Covid-19), Carlos César e Miguel Albuquerque. Mas, atendendo às posições que o PCP tem assumido sobre a invasão, a ausência mais relevante para o resultado poderá ter sido a do indicado comunista no Conselho de Estado, o histórico Domingos Abrantes. Apesar de condenar a guerra e pedir um cessar-fogo imediato, o PCP tem resistido a condenar especificamente a ação russa, frisando sempre as ações anteriores dos Estados Unidos e da NATO, que responsabiliza pela “escalada” de tensão nas fronteiras ucranianas.

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No final do encontro, Marcelo defendeu, de resto, que Portugal deve manter a condenação da invasão, que assumiu desde cedo, e que é “quase unânime” no panorama internacional dado o caráter “chocante” da agressão russa: “Não há como negar que a comunidade internacional rejeitou o que considera intolerável”.

Os dias seguintes ao arranque da invasão e a quantidade de ucranianos que já fugiram do país (serão já mais de dois milhões e meio de refugiados) terão confirmado o “acerto” dessa condenação, frisou Marcelo: “A Rússia deparou com repúdio claro do povo ucraniano”.

Agora, para que essa condenação seja “consequente”, é preciso mantê-la e acolher refugiados sem “discriminações ou privilégios”. Ao mesmo tempo, carregou, é “dramaticamente urgente encurtar a guerra”. O que não é igual a manter negociações que sejam infrutíferas (a quarta ronda de negociações entre Rússia e Ucrânia, até ver sem resultados, será retomada esta terça-feira) ou “expedientes negociais para ganhar tempo e paralisar a resistência”, avisou.

A partir de agora, aos responsáveis políticos caberá manter a “clareza nas posições, mas serenidade na postura”, para evitar uma “guerra generalizada” e porque “vale a pena fazer tudo, mas mesmo tudo, para que a paz chegue e chegue depressa”. O contrário poderá resultar não só num acréscimo ainda maior ao número de mortos como, a nível diplomático, numa nova guerra fria que venha destruir décadas de progresso e diálogo nas relações internacionais, avisou o chefe de Estado português.

Quanto à população, restará fazer o mesmo que na pandemia, segundo Marcelo: resistir e fazer face aos novos efeitos económicos que também chegam e chegarão a Portugal.