Com o preço dos combustíveis a subir e a produção de bens essenciais a gerar sérias preocupações, o Governo foi esta terça-feira ao Parlamento tentar descansar os deputados – e ouviu muitas dúvidas e exigências de volta. Nas palavras do ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva: a guerra e os seus impactos trazem um “abalo tectónico” à Europa, mas Portugal ainda está numa “posição relativamente protegida”, sendo apenas uma “vítima indireta” dos efeitos da situação na Ucrânia.

As declarações surgiram apenas um dia depois de o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, aparecer a fazer avisos claros à navegação – pedindo que não haja “ilusões sobre os tempos difíceis” que aí vêm – e de o Governo ter adotado mais uma série de medidas para fazer face aos impactos da guerra nos combustíveis e na produção, que ainda geram muitas dúvidas aos partidos.

Marcelo faz paralelismo com a pandemia e pede coragem para enfrentar “custos da guerra na vida de todos nós”

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O modelo de resposta aos efeitos da Covid-19, referiu Santos Silva, poderá neste contexto de nova crise ser um “bom” sistema – uma resposta articulada, coordenada e que ao contrário da última crise financeira não traga respostas austeritárias, servindo ainda para corrigir os “erros” da Europa desde que, em 2014, após a anexação da Crimeia pela Rússia, continuou a aumentar a sua dependência energética face ao país de Vladimir Putin.

Já Portugal está numa posição “relativamente protegida”, quer seja pela aposta em energias renováveis e a diversificação de fontes de energia, que torna a dependência energética da Rússia “residual”, quer por não ser “muito dependente” do “celeiro” da Europa que são a Ucrânia e a Rússia no que toca ao abastecimento alimentar.

Ainda assim, recordou, o Governo já adotou uma série de medidas para fazer face aos impactos de que Portugal é “vítima indireta”, seja pelo pedido de autorização à Comissão Europeia para baixar o IVA, pelo desconto no imposto sobre os combustíveis ou pelo pacote de apoio à agricultura já anunciado.

Famílias carenciadas com nova prestação e apoio para TVDE: as medidas do Governo para atenuar efeitos da guerra

Os partidos não estão certos de que as respostas sejam suficientes. No PSD, onde Rui Rio já tinha mostrado preocupação com os efeitos das sanções económicas impostas à Rússia, Isabel Meirelles lembrou que “os antibióticos podem produzir efeitos secundários graves”, pedindo ao Governo que baixe seriamente o imposto sobre os combustíveis poque “não bastam migalhas” e questionando se os fundos associados ao Plano de Recuperação e Resiliência serão ajustados perante este cenário.

As perguntas sucederam-se nas restantes bancadas, com a democrata-cristã Cecília Meireles a pedir ao Governo que fale “sem alarmismo, mas com verdade” sobre os efeitos que os portugueses sofrerão na pele. No entanto, da esquerda à direita, só houve uma voz que se mostrou frontalmente contra os efeitos das sanções defendidas por quase todos: a do PCP, onde o deputado Bruno Dias apontou que o povo português fica “condenado a suportar os custos” da guerra e das sanções europeias.

PCP ataca “falcões do militarismo”, PSD aplaude ministro

A nota dissonante do PCP vinha, aliás, na sequência da opinião do partido sobre a guerra, que só encontrou algum eco no parceiro de coligação, o PEV. À esquerda, o Bloco tinha condenado diretamente a invasão da Ucrânia pela Rússia e defendido as sanções, questionando o Governo sobre a aplicação das sanções a oligarcas russos (Santos Silva garantiu que estarão a ser cumpridas). O PAN defendeu o apoio à Ucrânia, perguntando se a União Europeia não poderia, inclusivamente, fazer mais e desafiando Portugal a abrir no próximo Conselho Europeu (a 24 e 25 de março) o debate sobre a renegociação da dívida da Ucrânia. À direita, o PSD chegou a bater palmas ao ministro dos Negócios Estrangeiros pelas posições assumidas na Europa.

Mas o PCP mostrou-se em desacordo, mais uma vez, e mantendo a posição de condenação da guerra, atribuiu ainda assim as culpas à União Europeia e ao Governo português por preferirem “a continuação da escalada de confrontação, com mais sanções económicas e escalada armamentista”, alimentando os projetos daqueles que classificou como “os falcões do militarismo” e que se estarão a aproveitar da crise para “reforçar o armamento e a NATO”, “demitindo-se” de tentar uma solução pacífica.

Numa intervenção interrompida por protestos das bancadas da direita, Bruno Dias pediu ainda que o Governo português condenasse a proibição dos canais russos na Europa, fazendo um paralelismo com a censura da ditadura em Portugal. E acabou a referir os “grupos neonazis” na Ucrânia (há efetivamente batalhões associados à extrema-direita nas Forças Armadas ucranianas, mas não há representação parlamentar da extrema-direita no país).

Foi, aliás, em resposta a estas questões que os partidos mostraram um dos maiores momentos de consenso, com a Iniciativa Liberal a ironizar: “Então nós voltamos a permitir a emissão dos canais russos e o senhor deputado fala com o Putin para ele sair da Ucrânia”.

Do lado do Governo, uma promessa de combinar “firmeza e prudência” na resposta à Rússia, que merece “toda a oposição”, e uma garantia: o facto de a União Europeia dever agora “robustecer as suas capacidades de defesa” não significa que tenha “tomado uma ação ofensiva seja contra quem for”.

“Estamos a apoiar também com material militar porque quando as bombas russas se dirigem deliberadamente a maternidades e hospitais os que se defendem têm de ter material para se defender”, cortou Santos Silva. A intervenção seria aplaudida também por deputados do PSD, incluindo o líder parlamentar, Adão Silva.

De resto, uma pergunta ficaria no ar: André Ventura ainda provocou Santos Silva,  perguntando se no contexto atual de guerra vai “fugir às suas responsabilidades” e candidatar-se à presidência da Assembleia da República, como o Observador noticiou. “Vai ou não continuar como MNE?”, perguntou Ventura, numa pergunta que tem ecoado também nalguns setores do PS. Para isso, não houve resposta.