“Quero mostrar-vos a guerra pelos meus olhos. É difícil encontrar a verdade numa era como a de hoje onde existem guerras de informação e por isso pedi aos meus amigos para me enviarem fotografias que tenham tirado. Vocês sabem muito bem o que se está a passar e o vosso silêncio está a custar dezenas de vidas. Os atletas ucranianos estão a pegar nas armas para defender o seu país – e vocês têm receio da verdade.”

Em tempo de guerra, todas as armas servem para combater. Para Anastasiya Merkushyna, atleta olímpica ucraniana do biatlo que esteve presente nos Jogos de 2018, a primeira que usou foi a da palavra. Da escrita. Da voz através da imagem. E foi assim que, através da conta do Instagram do alemão Erik Lesser, campeão mundial e europeu nas estafetas e na perseguição que tem também três medalhas olímpicas (duas em 2014, na edição da cidade russa de Sochi), que comunicou com todos os atletas russos após a invasão.

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“Sei que tenho 30.000 seguidores da Rússia no meu Instagram e acredito que a população russa não está bem a perceber o que se está a passar na Ucrânia. Achei que se escrevesse algum tipo de mensagem ninguém iria acreditar em mim mas que se pudesse ter os ucranianos seria muito bom. Quero que mais pessoas da Rússia recebam as verdadeiras e reais notícias. Espero que consiga ter mais atletas ucranianos a partilhar o que se está a passar na Ucrânia. E sobretudo espero que seja algo que consiga ter algum efeito”, explicou o atleta germânico ao canal ZDF durante a Taça do Mundo de Kontiolahti, na Finlândia.

Foram vários os atletas ucranianos do biatlo, uma das modalidades mais populares do país, que se alistaram no exército ucraniano no seguimento da invasão russa como Dmytro Pidruchnyi ou a campeã olímpica Yuliia Dzhima. E foi também um atleta do biatlo, Yevhen Malyshev, a tornar-se uma das primeiras vítimas mortais da guerra no mundo do desporto, não resistindo aos combates numa zona perto de Kharkiv. No caso de Anastasiya Merkushyna, a primeira arma após deixar de lado a carabina que utiliza na modalidade foi o poder das redes sociais; no início da semana, juntou-se também às forças de defesa ucranianas.

“A bandeira da Ucrânia foi içada de forma repetida em minha honra em solo mundial. Agora é hora de ser eu a defender o meu país e a trocar a carabina do biatlo por uma metralhadora. Agora todo o mundo está pintado de amarelo e azul. A nossa bandeira converteu-se num símbolo de liberdade e independência. A Ucrânia converteu-se hoje numa fronteira entre a paz e a guerra e estou muito orgulhosa de ser tenente sénior do Serviço Estatal da Guarda Fronteiriça da Ucrânia. Glória à Ucrânia!”, explicou num vídeo.

Anastasiya Merkushyna estudou durante dez anos na escola número 35 de Lviv, mudando-se com os pais e com a irmã, todos ligados ao desporto, para Ternopil em 2010. O pai, Oleg, é treinador (por sinal o primeiro da filha, que aprendeu a esquiar muito nova). A mãe, Iryna, participou nos Jogos Olímpicos de Nagano em 1998 ante de se tornar vice-campeã mundial da estafeta nos Mundiais de 2003 e medalha de bronze nos Europeus de 2001 e 2022. A irmã mais nova, Oleksandra, esteve nos últimos Mundiais juniores de 2021, onde acabou a prova de estafeta no décimo lugar. Foi também em Ternopil que a atleta fez a sua formação académica, estudando Gestão e Relações Internacionais na Universidade Nacional de Economia.

Depois de ter conseguido ganhar quatro medalhas em Mundiais e outras tantas em Europeus (mais uma dezena de pódios em provas internacionais como júnior), Anastasiya Merkushyna voltou a participar numa edição dos Jogos Olímpicos de Inverno, saindo de Pequim com um 24.º e um 25.º lugares nas competições individuais e uma sétima posição na estafeta de 4×6 km. Depois de regressar à Ucrânia, voltou a Ternopil, onde já tinha feito serviço militar no serviço de fronteiras. Em contexto de guerra, a missão ganha uma outra relevância por ser também uma das zonas mais utilizadas para a saída de população rumo a Lviv ou países na fronteira mas também aqui se começaram a ouvir sirenes anti-aéreas de forma mais frequente.

Nos Jogos Olímpicos de Pequim, a atleta tinha recordado uma frase de Sergey Bubka, um dos maiores ícones do desporto ucraniano de sempre que lidera hoje o Comité Olímpico: “Desde que se tente mais uma vez, nunca se perde”. E é isso que Anastasiya Merkushyna vai agora fazer. Sem carabina, com metralhadora.