Diogo Miranda abriu o último dia de desfiles no Portugal Fashion, inspirando-se nas divas dos anos 70 para celebrar 15 anos de carreira. Ao início da tarde, foi a vez Hugo Costa apresentar uma coleção que é uma retrospetiva do percurso da sua marca, mas também uma projeção sobre o que ela poderá ser no futuro. “O meu ponto de partida foi o filme “Tenet”, em que uma personagem vive a sequência normal em direção ao futuro e uma outra fez o percurso inverso e há um momento em que se cruzam na história”, explica ao Observador, minutos antes do desfile.
Foi este ponto de encontro que o criador quis explorar, misturando detalhes que fazem parte da identidade da marca, dando-lhe uma continuidade no universo do streetwear, com elementos novos e disruptivos, que provam a evolução em novas abordagens. “Percebi que queria acrescentar cor e tornar esse trabalho cada vez mais sólido e visível. É algo que tenho aprendido com o tempo, mas continua a ser uma grande dificuldade para mi. Ainda é desconfortável para mim usar a cor, por isso é que faço questão que aqui esteja tão presente.” Além do preto, Hugo Costa incluiu os azuis fortes, os vermelhos vivos e os neons nesta coleção.
As silhuetas longas, as peças oversized e os detalhes identitários como os as fitas em viés assumidas no exterior, os bolsos, as golas e os punhos evidenciados ganham protagonismo em coordenados sobrepostos e que “parecem feitos do avesso”, como camisas, calças, bombers ou sobretudos. “Há coisas que já fizemos, mas demos-lhe pouca importância e agora surgem com mais força e ampliadas.” No que toca a materiais, Hugo Costa revela que se centrou nos tecidos tecnológicos ou de dupla face, mas também nos tartãs à boleia da sua reinterpretação dos fatos clássicos. “Não me desligo do craftwork e da alfaiataria, em que os conjuntos clássicos surgem de uma forma vanguardista, mas continuam a fazer parte do meu ADN.”
O nome que se seguiu foi Alexandra Moura, que trouxe para a passerelle a ideia de casa. “É a casa que nós quisermos, pode estar na nossa cabeça, no nosso coração, pode ser a casa de um amigo, de um familiar, o nosso local de trabalho, a nossa rua. É basicamente onde nos sentimos bem e confortáveis, é esse o verdadeiro lar.” “Lar, doce lar” é o nome da coleção que varia entre o urbano, o clássico e o retro. Há lãs com borboto que remetem para os cobertores antigos em bombers, sweats e chinelos, os estampados de capitonê que fazem lembrar sofás e edredons em camisas e calças com folhos e drapeados, ou padrões florais com naperons de fundo, que simulam a casa dos avós, presentes em camisolas de gola alta justas e vestidos com assimetrias.
Se na estação passada a designer revelou o poder da sua intuição ao longo de 20 anos de marca, em “Turst Your Vision”, agora fez um exercício de introspeção. “Esta é a minha própria vida e o meu próprio mundo, sou uma mistura de coisas clássicas e contemporâneas, rasgadas e destruídas. Gosto de muitas coisas, tenho vários universos na minha cabeça, acho que isto acaba o culminar do ADN da própria marca, uma fusão perfeita entre o clássico, o urbano, o desportivo , o disruptivo, o conceptual e o desconstruído.”
Sem procurar acrescentar nada de novo, Alexandra Moura reafirma-se e reinventa-se em cada tema de coleção, já que ele traduz um momento e uma vontade concreta. Num cenário de pós pandemia, o sentimento de pertença, de lugar e de identidade saem reforçados. “Depois de termos saído de uma pandemia, que não me custou nada porque gosto de estar em casa e de estar virada para dentro, seja na rua ou dentro do autocarro, curiosamente tive saudades da casa física quando comecei esta normalidade. Com esta coleção tentei trazer esta ideia de conforto para a rua.”
O calçado nacional esteve em destaque neste último dia dedicado à moda no Porto e Luís Onofre foi um dos nomes mais sonantes. O criador confessou ao Observador que foi obrigado a alterar a sua coleção à última hora devido à guerra na Ucrânia. “Estava muito virada para uma tendência tropa e militar e no momento que vivemos achei que não fazia sentido explorar esse tema. Optei por mudar cores e determinadas formas, acabei por fazer um degradé de castanhos, do mel aos beges, sempre com o caqui e o preto como cores neutras, que depois são contrastadas com quatro modelos em cores vivas e quentes, como o verde pistacho, o azulão, o laranja Fanta ou o rosa fúchsia néon.”
Onofre mostrou também as tendências da próxima estação fria, como as plataformas inspiradas nos anos 70, os stilettos, símbolo primordial de elegância, as botas de cano alto e acima do joelho ou a linha de botas texanas, que já se tornou num clássico da marca. “A nível de materiais apostei muito nos brilhos, como o verniz, e depois constatei com camurças, peles polidas, padrões de leopardo e de croco estampado em pele de vaca.”
O designer destacou o modelo que fechou o desfile e que carrega um significado especial. “Fiz estas sandálias brancas com uma pomba e quem as irá desfilar é uma manequim ucraniana. Provavelmente passará despercebida no desfile, mas é um rasto de esperança que pretendo transmitir. Não quero de todo tirar proveito desta situação dramática, mas a moda é toda feita em base na alegria, na paz e na liberdade, que são conceitos contrários aos que hoje vivemos. Este cenário levou-me a refletir e a ser mais comedido no que vou aqui apresentar, esta é a talvez a minha coleção mais sóbria até agora.”
A fechar a noite, a dupla Manuel Alves e Manuel Gonçalves apresentaram uma coleção que dita uma nova forma de ver o corpo da mulher. “É a continuação do nosso trabalho que tem sempre uma visão de futuro, sendo que este futuro tem como base um certo classicismo”, explica Manuel Alves, acrescentando que esta nova visão do corpo feminino tem no oversized, nos volumes exagerados e nas referências às novas tecnologias elementos-chave.
O universo digital e o efeito tridimensional estão presentes através de um trabalho artesanal com plissados, círculos franzidos, jogos de veludos, sedas e poliéster reciclado, mas também lãs puras em smokings exagerados, codes em verniz negro brilhante, estampados geométricos e golas de pelo. O brilho das superfícies em verniz evidencia as silhuetas, já os pelos falsos dão um ar enigmático à mulher, “que aqui se apresenta de uma forma mais intimista, como um invólucro ou um casulo”. “Não há o glamour nem o lado sexy, a mulher não mostra nada, mas mostra tudo.”
Encarando o desfile como uma verdadeira encenação, a dupla de criadores não esquece o lado mais otimista em relação à ideia de futuro. “Os coordenados começam com a obscuridade e a interiorização que vivemos hoje e depois acontece uma explosão de cores”, sublinha Manuel Alves, destacando uma novidade desta estação, em que manequins masculinos desfilam coordenados femininos. “Pela primeira vez os homens vestem a roupa feminina, nunca retirando o seu lado másculo, mas provado que a roupa cai perfeitamente neles. Interessa-nos esse lado do vestuário sem género.”