O Presidente da Ucrânia falou esta terça-feira ao parlamento de Itália, e fez questão de transportar a imagem das cidades ucranianas destruídas para uma realidade mais próxima dos italianos.
“Algumas já estão destruídas quase totalmente, como Mariupol, onde havia cerca de meio milhão de pessoas, como em Génova, por exemplo. Atualmente em Mariupol já não há nada, só ruínas. Imaginem Génova completamente destruída (…) Imaginem Génova, em Itália, com pessoas a fugir, a pé, de carro, de autocarro, para chegar a um local seguro”, afirmou Volodymyr Zelensky, por vídeo-chamada, perante um hemiciclo cheio.
O chefe de Estado da Ucrânia não esqueceu também Kiev, uma cidade “tão importante para a região como será Roma para todo o mundo”. Na capital, “estamos no limite da sobrevivência” e “todos os dias ouvimos as sirenes, todos os dias caem bombas, mísseis”, descreveu.
Continuando a sublinhar a ideia de que a guerra não é unicamente um problema ucraniano, Zelensky alertou o parlamento italiano de que a Rússia tem como objetivo controlar a política europeia e destruir os “valores da democracia”.
“Senhores deputados, povo italiano, é preciso fazer o possível para garantir a paz. A guerra foi organizada e planeada desde há dezenas de anos por uma só pessoa, ganhando tanto dinheiro com as exportações de petróleo, de gás, e utilizando agora esse dinheiro para os fins bélicos”, afirmou. Não chegando a nomear diretamente Vladimir Putin, Volodymyr Zelensky disse aos deputados italianos que o objetivo do líder russo é “influenciar as vossas vidas na Europa, ter um controlo sobre a vossa política, destruir os vossos valores, os valores da democracia, dos direitos humanos, da liberdade”.
“A Ucrânia é uma porta de entrada para o exército russo. Eles querem entrar na Europa, mas a barbárie não pode entrar”, defendeu.
“117 não é o número final” crianças mortas, alerta Zelensky
Parte do discurso de Zelensky foi focado nos horrores da guerra, alertando que, hoje, em muitas cidades ucranianas “estão presentes tropas do exército russo, que torturam, violam, raptam crianças, destroem tudo”. “Isto aconteceu na Europa pela última vez com os nazis, quando ocuparam outros países” sublinhou.
O Presidente ucraniano lamentou as crianças mortas, vítimas da guerra, e avisou que, se nada for feito, o número vai continuar a aumentar. “Num encontro em França, pedi a todos os italianos e a todos os europeus, para terem em conta o número 79. Era o número de crianças mortas naquela altura na Ucrânia. Neste momento são bastantes mais, mais 38 crianças até à data. Este é o preço de adiar a pressão sobre a Rússia para acabar com esta guerra”, disse.
“Estamos em 2022 e sabemos que cada dia de guerra irá tirar mais vidas às nossas crianças. 117 não é o número final”, lamentou.
Zelensky descreveu ainda como “nos bairros das cidades” ucranianas “luta-se até à morte” e há “valas comuns cavadas nos parques”. “São milhares os feridos, dezenas de milhares de famílias destruídas, centenas de milhares de vidas cujo futuro está destruído, milhões de casas abandonas. E tudo isto foi iniciado por uma pessoa só”, afirmou.
No plano económico, o Presidente ucraniano chamou a atenção para o facto de a guerra estar a dificultar o cultivo de cereais e a sua exportação para o exterior, o que causará não só problemas ao país, mas a outras nações europeias, já que a Ucrânia é um dos maiores exportares de cereais. “Como é que podemos agora semear e cultivar os nossos campos, quando estão a ser destruídos pelo inimigo? Não sabemos quando poderemos ter a colheita e poderemos exportar. Não podemos exportar o milho, o trigo e outros produtos tão fundamentais para vida”, alertou.
Considerando este cenário, Zelensky reforçou o apelo a sanções adicionais contra a Rússia. O Presidente ucraniano agradeceu o apoio que a Itália deu à Ucrânia noutras ocasiões, incluindo durante cheias e no combate à pandemia, mas ressalvou que é preciso mais:
Esta invasão dura já há 27 dias, praticamente um mês. Nós precisamos de mais sanções, precisamos de mais pressão, para que a Rússia não vá recorrer às suas reservas militares, ou a soldados da Síria ou da Líbia. Temos de chega à paz”.
Em particular, Zelensky apelou a Itália que tome medidas contra os russos com “poder de decisão” que passam férias em Itália. “Itália não deve acolher mais esta gente que faz férias, estes russos. Cancelem-lhes as contas, os iates, as propriedades, congelem os seus bens, de todos esses que na Rússia têm poder de decisão”, pediu.
Zelensky insiste em encontro com Vladimir Putin
O discurso perante o parlamento italiano foi a segunda comunicação aos europeus no espaço de poucas horas. No final da noite de segunda-feira, Volodymyr Zelensky deu uma entrevista a um conjunto de canais televisivos públicos da Europa, onde insistiu que não será possível obter um acordo de paz sem um encontro com o Presidente russo, Vladimir Putin.
Na entrevista, citada pela Reuters, Zelensky afirmou que nesse encontro pretende lançar as bases para o fim do conflito, incluindo com a garantia por parte da Ucrânia que não está no horizonte próximo a adesão à NATO.
“Penso que até ao momento em que possamos ter um encontro com o Presidente da Federação Russa… não é possível ter uma compreensão plena daquilo que eles estão dispostos a fazer para acabar a guerra e as cedências que eles estão dispostos a fazer ou não”, comentou.
Na noite de segunda-feira, Zelensky deu também conta de ter falado com o primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, e com o Presidente francês, Emmanuel Macron. “Foi um dia difícil, de eventos difíceis e de difíceis conclusões, mas foi um dia que em que a nossa vitória está mais perto”, comentou, em mais um vídeo divulgado nas redes sociais.
Nesta comunicação, o Presidente ucraniano garantiu que muitos aviões e helicópteros russos já foram abatidos. “O que é que os pilotos russos têm em mente? Nada. Eles têm nada em vez de um coração”, indicou. Apesar de algumas vitória, o chefe de Estado também assumiu golpes, revelando que, durante um protesto pacífico em Zaporíjia, quatro crianças ficaram feridas, duas das quais com gravidade, estando neste momento hospitalizadas.
Ainda assim, e perante o drama humanitário que se vive na Ucrânia, o Presidente voltou a agradecer a quem permitiu que oito corredores funcionassem, acrescentando que foram entregues 200 toneladas de ajuda humanitária.