Estávamos algures em 1880 e na Rua Augusta, em plena baixa lisboeta, a Loja das Meias comercializava tecidos a metro, materiais de confeção para modistas, meias, espartilhos, corsários e sutiãs. Atrás do balcão trabalhavam três funcionários e um deles era Pedro Costa, bisavô dos irmãos Pedro, Manuela e Marina, atuais responsáveis pelo negócio da família. “O meu bisavô era natural de Alhos Vedros, na Moita, e aos 14 anos chegou a Lisboa para viver com um padrinho, trabalhava como estafeta no armazém e à noite ainda estudava na escola do comércio. O dono da loja morreu e, como não tinha descendentes, deixou a loja aos três funcionários, mas com o tempo o meu bisavô adquiriu as quotas dos outros sócios e em 1905 a empresa ficou totalmente na nossa família”, começa por contar ao Observador Pedro Costa, o bisneto.
Colecionador e apaixonado por antiguidades, o fundador da Loja das Meias casou-se com uma modista e juntos viajavam várias vezes até Paris, ele para visitar antiquários, ela para se inspirar nas montras das lojas. “Essa combinação de visões traduzia-se num gosto pela estética, pelo novo e pelo diferente, penso que são esses os grandes pilares da marca.” Prova disso é o facto de em 1920, no fim da I Guerra Mundial, a loja ter sido a primeira na capital a vender collants de licra, mais conhecidas por meias de seda, vindas diretamente dos Estados Unidos da América, acentuado ainda mais o sentido do seu nome.
Depois dos tecidos a metro e da roupa interior, na década de 50 a oferta passou também a incluir o pronto a vestir, peças já confecionadas prontas a serem usadas. “O nosso pai [Pedro Costa] começou a trabalhar nesta altura e era um relações públicas nato, ia muito lá fora ver coleções, achava graça a algumas coisas e trazia algumas marcas estrangeiras que não se encontravam por cá, como a Hermès ou a Mary Quant [estilista britânica responsável pela criação da minissaia].” A Lojas das Meias começava assim a introduzir as principais marcas de luxo internacionais e a ser conhecida como uma morada sofisticada, exclusiva e diferente da concorrência, onde até chegou a ser instalado o primeiro elevador num espaço comercial.
“Um dia um amigo do meu pai que veio dos Estados Unidos disse-lhe que se estavam a usar umas calças, a que chamavam jeans, que quanto mais velhas pareciam, mais bonitas eram e que se vendiam em fardos atados com um cordel. O meu pai era dono de uma loja sofisticada, com marcas boas e empregados impecavelmente fardados e podia ter torcido o nariz, mas não o fez e arriscou logo. Encomendou quatro fardos de calças e ao fim de uma semana tinha vendido tudo. Essa visão de futuro e esse espírito aberto foram-nos bem transmitidos”, afirma Pedro Costa, o filho, acrescentando que a proximidade com o cliente e o serviço personalizado também são imagens de marca da casa.
Se antigamente muitos vinham à boleia do nome procurar apenas meias, atualmente essa confusão já não existe. “Aliás, basta verem as nossas montras para perceberem que temos outro tipo de oferta”, refere Manuela Costa, sublinhando que o nome e a imagem gráfica da loja nunca mudaram. “Já tivemos vários arquitetos e designers a trabalhar connosco e muitos sugeriram mudar o logótipo ou o tipo de letra, mas essa hipótese nunca chegou a ser discutida ou ponderar. A imagem faz parte da identidade da marca, é algo com muita história e que se confunde com a história de outras pessoas também, no Natal, por exemplo, vemos na loja três gerações de clientes às compras.”
“Não nascemos no armazém da loja por acaso”
Os irmãos Pedro, Manuela e Marina cresceram praticamente entre as montras, as prateleiras e o balcão da Loja das Meias. “Não nascemos no armazém da loja por acaso, a cultura deste espaço sempre esteve presente em todos os momentos da nossa vida”, recorda Manuela, acrescentando que a casa, que já não vende roupa interior nem tecidos, tem já uma identidade muito definida. “É uma marca de moda, as pessoas identificam isso, sabem que é onde veem marcas que não encontram em mais lado nenhum. Há em nós uma constante procura de coisas novas e em seguir as tendências, até porque a moda não é estática e temos de estar sempre atentos.”
É em feiras especializadas, nas semanas de moda internacionais, em showrooms ou até mesmo pela internet que os irmãos Costa compram coleções, femininas e masculinas, das marcas mais badaladas do mercado, identificando tendências e assinaturas que estejam a sobressair no momento. Equilibrar a parte estética com a questão comercial nem sempre é fácil, mas Manuela Costa garante que o grande barómetro está no cliente. “Por um lado, tentamos encontrar no mercado aquilo que o cliente procura, por outro tentamos trazer coisas que lá fora começam a aparecer, criando uma necessidade e uma nova alternativa, essa é a parte mais difícil e mais arriscada. Por exemplo, quando começamos a vender calças de cintura subida ninguém usava e comprava cá, mas passado uns dois anos já toda a gente as queria.”
Duas das três lojas em Lisboa (Avenida da Liberdade, Amoreiras e Cascais) têm oferta masculina, mas os principais clientes da marca continuam a ser mulheres, a partir dos 35 anos. “Na Avenida da Liberdade é a loja que tem a maior mistura de marcas, os clientes são essencialmente internacionais, já nos centros comerciais percebemos que atingimos pessoas mais novas, com 18 ou 20 anos, e isso interessa-nos explorar, daí a nossa aposta no digital e na sustentabilidade.” A preocupação dos responsáveis pela marca com o meio ambiente não é novidade, mas tem-se acentuado nos últimos anos, traduzindo-se na seleção de marcas internacionais que utilizem matérias primas recicladas e biodegradáveis ou técnicas de confeção e tinturaria menos poluentes.
A inspiração no Douro e o painel digital
A ideia de abrir uma Loja das Meias no Porto era já antiga, mas a gestão à distância era algo que desanimava a família Costa e a impedia de arriscar. “Mais vale tarde do que nunca. Na verdade, temos dificuldades em dissociar a família do negócio, faz parte da nossa cultura existir muita proximidade com os clientes e com os funcionários e não somos ainda omnipresentes. Esta nova era digital permitiu-nos essa aproximação e resolvemos arriscar”, revela Pedro Costa.
Um convite da Sonae para ocupar um dos espaços da zona premium do NorteShopping, em Matosinhos, surgiu há mais de um ano, a pandemia atrasou o processo, mas não fez abandonar a ideia. Após um concurso de ideias, o gabinete de arquitetos G4 encarregou-se de projetar uma loja com 360 metros quadrados, inspirada nos socalcos do Douro, onde há paredes pinceladas de azul, puffs coloridos, plantas verdes suspensas no teto, elementos prateados, espelhados e em rosa mármore. A nova loja no Porto é inteiramente dedicada ao público feminino, cada corner está dedicado a uma marca diferente, que pode ir da Marc Jacobs à Kenzo, passando pela Chiara Ferragni, Alice & Oliva ou See by Chloe, incluindo peças de vestuário, calçado, acessórios, velas perfumadas ou óculos graduados.
Uma das novidades da nova morada portuense é um ecrã digital tátil que permite comprar coleções que não estejam disponíveis no espaço físico, incluindo perfumaria, roupa e calçado masculino. “A intenção é que as pessoas possam ter acesso ao universo completo da marca e no futuro iremos ter também esta opção nas lojas de Lisboa”, avança Pedro Costa, o elemento da quinta geração da família que está a dar os primeiros passos no negócio. No futuro, a Loja das Meias descarta o cenário de abrir mais espaços no Porto, seja na rua ou dedicados ao público masculino. “Não dizemos que não, a nossa aposta será mais a Norte.”
Rua Sara Afonso, Senhora da Hora (NorteShopping). Segunda a domingo, das 10h às 23h. Tel.: 22 004 3107