A deputada e vice-presidente da bancada do PS que em 2020 tentou alterar a lei que abrange os descendentes dos judeus sefarditas diz que desistiu por causa da onda de contestação e que sofreu pressões de figuras do PS.
Numa entrevista ao jornal Público, Constança Urbano de Sousa, que em 2020 procurou alterar a “lei do retorno” dos descendentes de judeus sefarditas, aponta o dedo a figuras como Manuel Alegre e Maria de Belém e insiste que, na altura, alertou para a ‘comercialização’ da nacionalidade portuguesa.
Devido a pressões ao mais alto nível, acabei por recuar duas vezes. Primeiro, deixei cair a exigência de dois anos de residência, substituindo este requisito por uma qualquer conexão relevante a Portugal, que seria depois regulamentada, mas fui também obrigada a desistir desta proposta”, afirma, na entrevista.
Sobre as pressões, a ex-ministra da Administração Interna, responde: “Alguns dos chamados ‘senadores’ do PS, como Maria de Belém [autora da Lei da Nacionalidade de 2013], Vera Jardim, Manuel Alegre e Alberto Martins nunca falaram comigo, mas moveram nos órgãos de comunicação social, e provavelmente fora deles, mundos e fundos para evitar qualquer alteração a esta lei”.
“Curiosamente, há pouco tempo, li no jornal Expresso declarações de alguns destes ‘históricos’ a abrirem a possibilidade a uma alteração legislativa”, acrescenta.
Explica que a proposta, de que acabou por desistir, exigia um período mínimo de residência prévia em Portugal de dois anos, um regime “muito mais favorável do que o existente para os imigrantes que já aqui residem. “Não se exigia sequer conhecimento da língua portuguesa”, acrescenta.
Referindo-se a Manuel Alegre, lembra que o histórico do PS insinuou, em 2020, que era (a deputada) anti semita e agora defende “que a lei deveria ser temporária”.
“Ou estamos no reino da hipocrisia ou não sei como explicar esta mudança profunda de opinião”, afirma.
Adianta que o ex-líder e ex-deputado do CDS José Ribeiro e Castro, um dos proponentes desta lei, também foi “bastante insultuoso nos meios de comunicação social”.
“No desespero de a defender, escreveu um artigo de opinião publicado no Observador em que demonstra um total desconhecimento da legislação. Particularmente extraordinário, para alguém que é apresentado no seu escritório de advogados como um dos pais desta Lei da Nacionalidade, sendo um dos seus domínios de especialização o Direito da Nacionalidade”, afirma.
Questionada sobre se as alterações na regulamentação da lei, com mais exigências para a sua aplicação, aprovadas recentemente por decreto-lei do Governo, são suficientes, diz que “melhoram a regulamentação” e tornam o processo “mais rigoroso”.
“Melhoram a regulamentação ao exigir que qualquer requerente à nacionalidade tenha, de facto, uma relação efetiva a Portugal. O processo torna-se bastante mais rigoroso e vai reduzir drasticamente os casos de aquisição da nacionalidade por pura conveniência”, considera.
Sobre as propostas de que desistiu, designadamente a exigência de um período de residência no país, insiste: “Uma Lei da Nacionalidade não é uma Lei de Imigração. A residência é um pressuposto do vínculo jurídico da nacionalidade, não uma consequência”.
Acrescenta ainda que a publicitação dos benefícios do passaporte português por advogados e agências internacionais deixam uma imagem negativa do país.
“A imagem é terrível e afeta-nos gravemente, porque no fundo é a mercantilização de um bem que não é transacionável. Algo que também fizeram países como Malta ou Chipre, que tanta oposição causaram na União Europeia, quando adotaram programas de cidadania por investimento, como acontece nos paraísos fiscais”, considera.
Sobre a regulamentação de 2015 para a naturalização de descendentes de judeus sefarditas, diz ainda que o decreto-lei tem um problema, que passa pelo facto de “o Estado ter delegado exclusivamente em entidades privadas [Comunidade Israelita do Porto e Comunidade Israelita de Lisboa] o atestado de descendência sefardita, que é uma parte substancial de um processo de concessão da nacionalidade”.
“Esta é uma matéria de soberania por essência, porque estamos a definir quem é o povo português. O Estado desonerou-se daquela que deveria ser uma das suas principais missões nesta matéria”, acrescenta.
Questionada sobre, se fosse um dos parceiros europeus, como reagiria ao facto de Roman Abramovich ser um cidadão português, responde: “Em primeiro lugar, perguntaria como é que obteve a nacionalidade portuguesa e, com isso, a cidadania da União Europeia (UE)”.
“Até porque a naturalização pressupõe, em regra, um período de residência no país onde possa vir a ser naturalizado, para existir uma conexão, e é do conhecimento geral que Abramovich residiu apenas no Reino Unido, que já não faz parte da UE”, acrescenta.