Por umas horas, o Palácio Nacional da Ajuda funcionou como uma espécie de apeadeiro. Apeadeiro de governantes, bem entendido: num dia que serviu para dar posse ao novo Governo havia quem chegasse, como o novo ministro das Finanças, Fernando Medina, já rodeado da sua equipa; e quem se despedisse, como o seu antecessor, João Leão, que saiu num tropeção (literal). Dentro do palácio e cá fora, à espera dos carros que levavam e traziam futuros e ex-governantes, foram os apartes de Pedro Nuno Santos – um dos ministros que seguem para o próximo Governo – que saíram do guião, numa cerimónia de resto marcada pelos avisos de Marcelo Rebelo de Sousa a António Costa.

Mal passavam as quatro da tarde e, apesar de o protocolo ditar que os estreantes chegassem mais tarde, Paulo Cafôfo – novo secretário de Estado das Comunidades, antigo presidente da câmara do Funchal – parecia não ter tempo a perder, avançando palácio fora e inaugurando assim a lista de novos governantes no edifício. Era o início do frenesim à porta do palácio.

Ao lado, a antiga jornalista e mãe de António Costa, Maria Antónia Palla – que na cerimónia ainda esteve a conversar com Rui Rio — comentava a maioria absoluta do filho às televisões, dizendo acreditar que a conjuntura permitirá um Governo “mais ágil” e com menos “dificuldades internas”.  Pouco depois, na mesma paragem para carros, acontecia uma espécie de troca: com poucos minutos de diferença chegavam um ministro cessante – da Economia, Pedro Siza Vieira – e o seu sucessor – o independente António Costa Silva, que desenhou a primeira versão do Plano de Recuperação e Resiliência.

Eram poucos os ministros de saída com vontade de fazer comentários, por muito que os jornalistas insistissem. Exceção feita a uns poucos: de saída das Finanças, João Leão não se coibiria de falar da sensação de “dever cumprido” e das finanças estabilizadas que deixa como “um bom ponto de partida para o próximo Governo”. O próprio Leão sairia do palácio horas depois, mas com um tropeção – uma escorregadela nas escadas, mas nada que passasse de um susto.

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Haveria ministros menos palavrosos mas que, ainda assim, marcaram alguns momentos da cerimónia – quanto mais não fosse pelos seus apartes. Assim que chegou, e questionado por uma jornalista sobre se o Governo terá grandes desafios pela frente, Pedro Nuno Santos – que se mantém na pasta das Infraestruturas e Habitação – respondia, divertido: “Isso é certinho!”.

Conhecido pelo frequente improviso aos microfones, Pedro Nuno fez rir os colegas durante a tomada de posse pelos comentários e cumprimentos laterais e pela piada atirada ao secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales: “Não tires a máscara!”.

Ventura quebra protocolo, PCP não apareceu

Houve, no entanto, algumas notas dissonantes no corrupio de entradas e saídas do palácio. Desde logo, a notada entrada tardia de André Ventura, que chegou em representação do Chega já depois de António Costa e as duas mais altas figuras do Estado – o Presidente da República e o recém-eleito presidente da Assembleia da República (e ministro cessante) Augusto Santos Silva estarem dentro da sala. Mais tarde, garantiria que o atraso e a quebra do protocolo não tinham sido intencionais: terão sido “trabalhos parlamentares” a causa da chegada já em cima da hora.

Quem não se atrasou porque não esteve, de todo, na cerimónia foi o PCP, único partido a não enviar representação à Ajuda. Como recordou fonte oficial do partido ao Observador, é uma “prática de décadas” do PCP não estar presente nas tomadas de posse dos governos. A verdade, no entanto, é que a tradição chegou a ser quebrada: em 2015, os comunistas faziam-se representar na posse do Governo PS que seria sustentado pela esquerda no Parlamento – não como forma de apoiar o Governo, explicariam então, mas para contrariar Cavaco Silva, então Presidente da República, por “fazer tudo para manter em funções” o Executivo de Pedro Passos Coelho. Com o PS absoluto e a geringonça desfeita, já não haveria nada, nem um Presidente como Cavaco, que unisse socialistas e comunistas neste novo começo.

Recado de Marcelo pegou, Pedro Nuno mandou beijinhos

O clima aqueceria, no entanto, já com todos os governantes e representantes partidários sentados nos respetivos lugares a ouvir Marcelo Rebelo de Sousa, no arranque da cerimónia. Depois de uma longa introdução sobre a guerra na Ucrânia, Marcelo dispararia o recado a António Costa: “Não será politicamente fácil que a cara que venceu de forma incontestável e notável possa ser substituída a meio da legislatura”. Se a vontade de Costa for, como se especula, vir a ocupar um cargo europeu em 2024 – abandonando assim a legislatura a meio – Marcelo deixa o aviso feito e não parece disposto a permitir que, como aconteceu com Durão Barroso e Santana Lopes em 2004, o poder mude de mãos sem que o país vá a eleições legitimar essa escolha.

Cá fora, agora junto dos carros que apareciam para vir buscar figuras políticas, partidárias e famílias (vários, como o agora ministro do Ambiente Duarte Cordeiro, levaram cônjuges e filhos), a pergunta atirada pelos jornalistas a todos quanto passavam mudara: o centro da tarde passava a ser o recado de Marcelo.

Junto dos partidos, o assunto pegou: pelo Bloco de Esquerda, Pedro Filipe Soares atirava uma farpa – “Não nos parece que inaugurar o modelo de um primeiro-ministro sequestrado no dia da tomada de posse faça sentido e esperamos que não use isso para não cumprir o mandato” –, Rui Rio juntava-se ao Presidente – “quando se consegue maioria absoluta é uma obrigação redobrada fazer o mandato” – e André Ventura disparava conselhos a Costa para que voltasse a ouvir o discurso antes de se deitar, registando que Costa não respondera ao repto do Presidente.

Já começava a desvanecer-se a luz do sol na Ajuda quando a ministra reforçada e agora número dois do Governo, Mariana Vieira da Silva, apareceu com um recado curto: os discursos de Marcelo Costa tinham-lhe parecido “alinhados” e o mandato é de quatro anos e meio, ponto final.

Ponto final? Não foi bem assim: ainda apareceu Pedro Nuno, a dizer que o discurso de Marcelo tinha sido “bom”. E quanto ao recado de Marcelo? “Beijinhos! Adeus!”. O último não-comentário caberia ao ministro-surpresa da Cultura e ex-comentador, Pedro Adão e Silva, que recusaria opinar sobre o discurso com uma constatação irónica: “Já comentei durante muito tempo…”.