Maria Aurélia Martins de Souza foi uma pintora luso-chilena que em criança não suportava as aulas de piano e em adulta se trajou de Santo António [santo padroeiro do dia em que nasceu] para fazer um auto-retrato a óleo. Vanguardista e muito pouco convencional, morreu aos 55 anos no Porto, cidade onde passou a maior parte da sua vida, em maio de 1922. Até 23 de junho de 2023, o Museu Nacional Soares dos Reis, as autarquias do Porto e de Matosinhos, e as Universidades do Porto, Nova de Lisboa e Católica Portuguesa juntam-se para evocar o centenário da sua morte.
A programação incluirá conversas, exposições, ciclos performativos ou atividades educativas, sendo que o destaque do calendário vai para o Congresso Internacional Mulheres Artistas em 1900, agendado para abril de 2023 no Porto e em Matosinhos, e a edição do Catálogo Raisonné, que reúne de forma abrangente toda a obra da pintora e fotógrafa, publicado em formato ‘ebook’ e em edição impressa em março do próximo ano.
Centenário da morte de Aurélia de Sousa em 2022 motiva produção de catálogo Raisonné
Na apresentação da síntese da programação evocativa, realizada esta sexta-feira, António Ponte, diretor do Museu Nacional Soares dos Reis, destacou a importância da divulgação dos acervos e equipamentos na exposição “Vida e Segredo”, prevista para o museu em novembro, mas também as várias formas de “fomentar o conhecimento e a inovação” em torno da obra de uma pintora que é “uma referência da arte portuguesa” na viragem do século XIX.
“Metamorfoses: Iminência Vegetal, Mineral e Animal no Espaço Doméstico Romântico”, no Museu da Cidade — Extensão do Romantismo, no Porto, inaugura a 9 de abril e marca o arranque da evocação, mas as exposições prosseguem com “Aurélia de Souza. Do que Vejo”, na Quinta de Santiago, em Matosinhos, de 26 de maio a 4 de setembro, com a curadoria de Cláudia Almeida e Filipa Lowndes Vicente.
António Sousa Pereira, reitor da Universidade do Porto, recordou que a pintora foi estudante na Academia Portuense de Belas Artes e que a exposição “Aurélia de Souza. Ilustrações Inéditas”, prevista para 12 de julho, na Casa Comum, irá mostrar ilustrações inéditas que a artista produziu durante o seu período de estudante, tratando-se de uma parte do espólio que está guardado no Museu da História Natural e da Ciência e que será revelado agora ao público pela primeira vez. “É uma oportunidade rara de conhecer os seus trabalhos inaugurais, indispensáveis para perceber toda a sua obra.”
O programa performativo “De Corpo Presente”, que acontece entre novembro de 2002 e fevereiro de 2023, “convoca um conjunto de criadores contemporâneos da dança, teatro e poesia”, esclareceu Rui Moreira, presidente da Câmara do Porto, e que terá um primeiro momento na Feira do Livro do Porto, em agosto. O autarca recordou Aurélia de Souza como “alguém bailando entre a casa e o mundo, entre os papéis de género, entre o sagrado e o pagão, popular e tantas vezes herético, uma mulher cosmopolita que desafiou as convenções de uma época”.
Nascida em Valparaíso, no Chile, a pintora foi com três anos para a cidade do Porto e morou com a família na Quinta da China, numa casa mesmo em cima do Douro. “Aliás, quando ela começa a ficar doente, muitas das suas pinturas são paisagens dessa casa”, frisou Rui Moreira, acrescentando que a artista estudou em Paris, passou por Bruxelas, Berlim, Florença, Sevilha e Madrid, “numa época em que ser mulher e viajar sozinha não era algo fácil”, conseguindo concentrar nas suas pinturas “todas as suas influências”.
Luísa Salgueiro, presidente da Câmara de Matosinhos, enalteceu a coleção com mais de 20 obras da artista na autarquia. “Não nasceu cá, mas inspirou-se muito em Matosinhos e em Leça da Palmeira, tal como António Nobre ou Óscar da Silva”, sublinhou, acrescentando o seu espírito feminista. “Nunca temeu e foi sempre respeitada pelos seus pares, diziam que pintava tão bem que parecia um homem. O seu legado é de uma enorme importância neste mundo tão difícil no que toca à afirmação do papel das mulheres.”