O juiz Francisco de Siqueira entende que a nova lei que alargou os impedimentos dos magistrados judiciais viola a Constituição da República por não respeitar o princípio do juiz natural. Assim, o magistrado decidiu declarar inconstitucional e alteração legislativa aprovada pelo Parlamento por unanimidade e não se declarou impedido num processo em que interveio na fase de inquérito e no qual agora vai liderar a fase de instrução criminal.

O igualmente coordenador para os Juízos Locais e Centrais, Cíveis e Criminais do Tribunal da Comarca de Ponta Delgada tinha tido uma intervenção acidental num processo criminal em que deferiu o requerimento de um cidadão para a sua constituição como assistente.

A alteração do artigo 40.º do Código de Processo Penal, foi proposta pela deputada Mónica Quintela (PSD), negociada com a deputada Cláudia Santos (PS) e aprovada por unanimidade no Parlamento, impõe que qualquer juiz que pratique atos na fase de inquérito está impedido de intervir na fase de instrução criminal, salvo raras exceções. A ex-ministra Francisca Van Dunem fez questão de se afastar desta aprovação a dias de cessar funções, afirmando em comunicado que “nunca concordou com a solução proposta pelo PSD.”

Presidente do Supremo critica poder político por criar novos obstáculos à “celeridade e eficácia da justiça penal”

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O mesmo se aplica a quem pratique atos na fase de instrução, também não poderá intervir na fase de julgamento.

Contudo, o juiz Francisco de Siqueira entende que esta alteração legislativa é inconstitucional por violar o principio do juiz natural. Porquê? Porque o princípio visa, entre outros motivos, salvaguardar a “independência dos tribunais perante o poder político” para impedir “qualquer determinação ou proibição de competência de exceção de um determinado tribunal para uma certa causa”, justifica.

O magistrado invoca Gomes Canotilho e Vital Moreira para afirmar que nenhum dos pressupostos para a restrição de um direito fundamental — no caso em apreço, o princípio do juiz natural — foi cumprido. Logo, considera Francisco de Siqueira, o “novo regime de impedimentos do Juiz de Instrução Criminal configura uma restrição do exercício das suas funções na fase da instrução que lhe empresta a designação”.

Ministério da Justiça demarca-se da lei de impedimentos dos juízes

Por último, o magistrado judicial não consegue encontrar no processo concreto em que interveio — ao autorizar a constituição de um cidadão como assistente na fase de inquérito — qualquer “dignidade constitucional” na “(pretensa) salvaguarda da imparcialidade” que a lei pretende alcançar com o seu impedimento na fase de instrução.

O também juiz coordenador para os Juízos Locais e Centrais, Cíveis e Criminais do Tribunal de Ponta Delgada faz questão de ir ao pormenor da sua decisão sobre a constituição de assistente, que é “incidental” e “que nada tem que ver com qualquer atividade relativa à prova”, e pergunta: “poderá o JIC, mediante aquela decisão, ficar irremediavelmente comprometido com os factos que poderão conformar o tema do processo?”

A sua resposta é clara: não. “a decisão do JIC neste domínio não é suscetível de beliscar a sua imparcialidade, ou de transparecer tal aparência para a comunidade, com projeção para a fase da instrução”, conclui.

A alteração legislativa aprovada no Parlamento está a ser fortemente contestada pela magistratura judicial. Depois do conselheiro Henrique Araújo, presidente do Supremo Tribunal de Justiça, e da Associação Sindical de Juízes terem solicitado ao Governo, na pessoa da nova ministra da Justiça (Catarina Sarmento e Castro), a alteração urgente da lei, foi a vez do Conselho Superior da Magistratura (CSM) a revelar o parecer negativo que deu ao Parlamento sobre as alterações.

A solução pode passar, segundo defende o CSM num parecer a que o Observador teve acesso, à mera reposição do sistema anteriormente em vigor.