O Ministério da Justiça demarca-se da alteração à lei de impedimento dos juízes, que entrou esta segunda-feira em vigor sob críticas da magistratura, e lembra que a medida não integrava a proposta de lei do Governo.

Incluída no pacote de medidas anticorrupção aprovado na Assembleia da República no final da legislatura, a nova redação do artigo 40.º do Código de Processo Penal (CPP) prevê que um juiz não possa intervir no julgamento, recurso ou pedido de revisão de um processo no qual tenha tido algum tipo de participação na fase de inquérito ou dirigido a fase de instrução.

“As normas em causa (…) não constavam da proposta de lei n.º 90/XIV que o Governo apresentou à Assembleia da República para implementação de medidas previstas na Estratégia Nacional Anticorrupção”, explica o gabinete de Francisca Van Dunem à Lusa, sublinhando que “a origem de tais normas se encontra no projeto de lei n.º 876/XIV/2.ª apresentado pelo PSD”.

Questionado pela agência Lusa sobre esta matéria, o gabinete da ministra da Justiça indica que “nunca concordou com a solução proposta pelo PSD” e que a aprovação da lei n.º 94/21, onde figurava esta medida, foi decidida pelos deputados da Assembleia da República e não pelo Governo.

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“A ligação feita entre a ministra da Justiça e “a nova lei de impedimentos dos juízes” sugere falsamente que a ministra da Justiça foi a responsável pela criação das normas legais fortemente criticadas pelo Conselho Superior da Magistratura, que manifestou a sua concordância com as mesmas ou que tem poder para promover a sua alteração”, pode ler-se na resposta por escrito enviada pelo gabinete de Francisca Van Dunem.

A alteração em causa foi duramente criticada pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Henrique Araújo, que anteviu “gravíssimos constrangimentos” para os tribunais, bem como pelo presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses (ASJP), Manuel Soares, que defendeu que a entrada em vigor desta lei “vai desorganizar por completo o sistema de justiça, com multiplicação exponencial de substituição de juízes e adiamentos de diligências“.

O Conselho Superior da Magistratura (CSM) aprovou no plenário de 8 de março um conjunto de orientações, como, por exemplo, recorrer à distribuição de processos para juízes de outras localidades ou de uma bolsa de substitutos nos tribunais com apenas um juiz, além de concentrar a distribuição dos atos jurisdicionais de um processo sempre no mesmo juiz nas comarcas que tenham juízo de instrução com dois ou mais lugares de juiz.

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Perante os apelos do CSM a uma reversão do diploma, o gabinete da ministra refere que tal não ocorreu devido à dissolução do parlamento, assinada pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, no passado dia 5 de dezembro.

“O Governo não apresentou à Assembleia da República propostas de alteração legislativa uma vez que este órgão foi dissolvido”, justifica, notando ainda que o executivo “não pode aprovar um decreto-lei sobre esta matéria (dado que a mesma se encontra abrangida pela reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República), nem pode ser autorizado a legislar por uma Assembleia dissolvida“.

A lei 94/21, que contempla medidas previstas na Estratégia Nacional Anticorrupção, alterações ao Código Penal, ao Código de Processo Penal e a leis conexas, foi aprovada por unanimidade no parlamento em 19 de novembro de 2021, depois de um trabalho conjunto de PS e PSD para harmonizar propostas na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. A publicação em Diário da República chegaria em 21 de dezembro.