Uma forma de estar sem bola sempre equilibrada mas que não se resumia apenas ao seu meio-campo. Zonas de pressão mais altas quando a equipa sentia dificuldades do adversário em sair a partir de trás. A colocação de Toni Kroos um pouco mais recuado e sempre a descair para a esquerda na primeira fase de construção. O posicionamento de Valverde na direita do ataque, a jogar por dentro ou a tapar o lateral contrário. A forma como Carlo Ancelotti montou a estratégia na vitória do Real Madrid em Stamford Bridge frente ao Chelsea foi uma demonstração de superioridade que começou também no banco e que teve como ponto alto os três golos de Karim Benzema, em mais uma exibição de génio em consonância com o parceiro Vinícius.

Hat-tricks consecutivos, 12 golos, um nome: Monsieur Benzema é o único e Real Mr. Champions

Em 95 golos marcados em cinco competições na presente temporada, 55 pertenceram a uma dupla que tem tanto de profícua como de improvável (38 + 17, com 13 + 18 de assistências) não tanto pelas características de cada um mas por um episódio que poderia ter colocado em risco a ligação mas que acabou por tornar-se no momento em que Benzema e Vinícius começaram a criar a química bem percetível hoje em campo: depois de o avançado francês ter questionado de forma aberta em conversa com Mendy no intervalo do jogo com o B. Mönchengladbach em outubro de 2020 o rendimento do brasileiro e de essa mesma informação ter chegado ao domínio público, o número 9 procurou o companheiro no treino seguinte em Valdebebas, pediu desculpa pelo sucedido, disse que olhava para ele como um filho e tudo ficou sanado, como conta a Marca.

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“Dependência de Benzema? A temporada diz-nos que temos dois avançados que se destacaram muito, o Vinícius e o Benzema. No passado tivemos o Cristiano, o Bale… Dizer que temos dependência de Benzema é verdade, não é preciso esconder isso. Estou muito feliz por ser dependente de Benzema”, comentou Ancelotti no lançamento da partida, antes de desconfiar da eliminatória “oferecida” pelo Chelsea depois da derrota por 3-1 em casa e de abordar as reais possibilidades dos espanhóis em chegar a nova conquista da Liga dos Campeões. “Não nos falta nada mas ninguém pode dizer isso porque a Champions é uma prova complicada, chegar à final é muito difícil. Pode-se competir mas nem toda a gente pode lá chegar. Digo o que disse no início da temporada, porque conheço bem esta equipa: a qualidade que precisamos está aqui. Não apenas do ponto de vista físico ou tático, mas também de personalidade”, frisara o italiano.

Ao contrário do que aconteceu nos oitavos, onde se tornou presa no Parque dos Príncipes para se agigantar e caçar o PSG no Santiago Bernabéu, agora o Real Madrid tinha tudo na sua posse para confirmar a passagem às meias-finais frente a um Chelsea que goleou no fim de semana mas que chegava com pouca esperança a Espanha, como reconhecia o próprio Thomas Tuchel. “Não temos grandes possibilidades face ao que aconteceu no primeiro jogo. Na competição que é, com este rival e no seu estádio é improvável, mas vale a pena tentar. É preciso estar a 100% e chegar ao nosso limite. É um desafio incrivelmente difícil mas temos o direito de sonhar. Às vezes, é importante imaginar coisas e sonhar. Isto é o desporto e o mais bonito no desporto é que tudo pode acontecer”, salientara o alemão, que não poderia contar com Lukaku.

Mais do que sonhar, o Chelsea tocou na realidade de uma reviravolta verdadeiramente épica entre um golo anulado pelo VAR a Marcos Alonso que daria o 3-0, o 3-0 validado a Timo Werner, um possível 4-0 que foi evitado dois minutos depois por Courtois e o hipotético 4-1 no final do tempo regulamentar por Pulisic. E por tudo o que fez, o campeão europeu ainda em título merecia essa página de glória no Santiago Bernabéu. No entanto, e na moeda que decidiu tudo, Tuchel deu a cara mas foi Ancelotti a continuar com a coroa, vendo Rodrygo marcar o 3-1 na primeira vez que tocou na bola antes de aparecer a dupla do costume para fazer a diferença na primeira parte do prolongamento. Benzema faz milagres? Sim. Mas também os evita…

Ao contrário do que acontecera na primeira parte do jogo em casa com o PSG, o Real Madrid foi conseguindo segurar o jogo nos minutos iniciais e deu a oportunidade a Vinícius para poder ter duas boas jogadas com espaços e em velocidade pela esquerda, a última a resultar num livre perigoso que Benzema atirou por cima (11′). No entanto, fosse pela colocação de Loftus-Cheek no meio com Kovacic e Kanté desfazendo os habituais três defesas, fosse pelo posicionamento mais ao meio de Mason Mount para explorar o jogo entre linhas, o Chelsea quis também mostrar que estava em Espanha para lutar pelo tal sonho quase impossível e juntou a isso a eficácia na hora de visar a baliza de Courtois, inaugurando o marcador no quarto de hora inicial pelo mesmo Mount, a aparecer no “buraco” que se abriu ao meio após assistência de Werner (15′).

Pouco depois, o inevitável Benzema ainda teve um remate que bateu em Thiago Silva e por pouco não traiu Mendy (23′) mas foi o Chelsea a mostrar-se sempre mais confortável no jogo até ao intervalo. Com menos um defesa, defendeu melhor; com mais um médio, controlou de outra forma; com um figurino diferente no ataque, mexeu com a habitual consistência dos merengues. E Rüdiger ainda ficou perto daquele que poderia ter sido o empate na eliminatória, com um remate de longe que saiu pouco ao lado perante o recuo mais assumido da equipa da casa que permitiu que o central chegasse a terrenos mais atacantes (34′).

O central alemão estava mesmo apostado em deixar marca no encontro e, já depois de mais uma tentativa de remate de longe, acabou por fazer o 2-0 que empatava todas as contas no seguimento de um canto, surgindo sozinho ao segundo poste perante os protestos dos jogadores do Real Madrid ainda a propósito da decisão de não ter sido assinalado pontapé de baliza (51′). Estava aberto um autêntico final de Hitchcock com a vitória e a passagem a poderem pender para os dois lados, entre uma grande defesa de Mendy a livre de Kroos (55′), um golo anulado a Marcos Alonso por ter levado com a bola na mão antes do remate certeiro (62′), uma bola na trave de Benzema após cabeceamento ao segundo poste (66′) e o 3-0 por Timo Werner, aproveitando mais uma autêntica passadeira estendida pelo centro da defesa da casa para bater Courtois (75′), que pouco depois iria ainda evitar o quarto de Kai Havertz na sequência de um canto (78′).

A reviravolta estava feita, o Real Madrid lançou em campo Marcelo e Rodrygo em busca quase desesperada do 3-1 que voltasse a empatar a eliminatória e foi aí que apareceu alguém que muitos se esquecem ter uma Bola de Ouro no currículo: aos 36 anos, depois de um jogo altamente desgastante e no seu caso até ingrato, Modric foi à esquerda fazer um cruzamento de trivela fabuloso para Rodrygo marcar na primeira vez em que tocou a bola na área do Chelsea (80′). O mesmo Modric ainda teve um tiro de longe para defesa de Mendy, Mount rematou cruzado ao lado mas o jogo iria para prolongamento, onde a dupla do costume apareceu com Vinícius a assistir Benzema para o 3-2 (96′). Tuchel tentou depois de tudo, lançou em campo Jorginho e Saúl Ñíguez após Ziyech, viu o ala africano obrigar ainda Courtois a uma defesa apertada, saltou com um cabeceamento ao lado de Havertz mas o resultado estava fechado e o Real Madrid assegurou mesmo a passagem, vingando aquela que tinha sido a eliminação nas últimas meias-finais da Champions.