Quando o Liverpool calhou em azar ao Benfica, no sorteio que ditou os emparelhamentos dos quartos de final da Liga dos Campeões, o paralelismo bíblico que mais encaixava com a eliminatória era a história de David e Golias. Mas esta quarta-feira, em Anfield, já na segunda mão e depois da vitória dos ingleses na Luz na primeira, já era necessária uma nova metáfora — qualquer frase, versículo ou capítulo que envolvesse algo semelhante a um milagre.

Contra o Benfica, estava praticamente tudo. A favor do Benfica, estava o sempre interessante fator de não ter nada a perder. Na Luz, na semana passada, os encarnados foram dominados na primeira parte mas mostraram no início da segunda, período em que Darwin marcou um golo e Everton poderia ter marcado outro, que o 1-3 sentenciado por Luis Díaz já perto do apito final acabou por ser algo exagerado para aquilo que foi realmente o jogo. Agora, em Anfield, era preciso continuar a acreditar que tudo é possível — até os milagres.

Ficha de jogo

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Liverpool-Benfica, 3-3 (4-6 no fim da eliminatória)

Quartos de final da Liga dos Campeões

Anfield, em Liverpool (Inglaterra)

Árbitro: Serdar Gözübüyük (Países Baixos)

Liverpool: Alisson, Joe Gomez, Matip, Konaté, Tsimikas, James Milner (Thiago Alcântara, 58′), Henderson (Fabinho, 58′), Keita, Diogo Jota (Salah, 58′), Roberto Firmino, Luis Díaz (Mané, 66′)

Suplentes não utilizados: Kelleher, Van Dijk, Oxlade-Chamberlain, Curtis Jones, Robertson, Origi, Alexander-Arnold, Harvey Elliott

Treinador: Jürgen Klopp

Benfica: Vlachodimos, Gilberto, Otamendi, Vertonghen, Grimaldo, Diogo Gonçalves (Yaremchuk, 45′), Taarabt (João Mário, 66′), Weigl, Everton, Darwin, Gonçalo Ramos (Paulo Bernardo, 78′)

Suplentes não utilizados: Helton Leite, Meïté, Seferovic, Lázaro, Radonjic, Gil Dias, André Almeida, Pedro Álvaro, Morato

Treinador: Nélson Veríssimo

Golos: Konaté (21′), Gonçalo Ramos (32′), Roberto Firmino (55′ e 65′), Yaremchuk (73′), Darwin (82′)

Ação disciplinar: nada a registar

“Mais do que aquilo que eu possa dizer, o mais importante é aquilo que os adeptos nos transmitem. Sentimo-lo quando fomos a Amesterdão, sentimo-lo aqui em casa e noutros jogos em que as coisas não correram tão bem. Pela quantidade de adeptos que vão estar em Inglaterra, sentimos que eles querem apoiar a equipa, que estão connosco. Mas também sabemos que temos a responsabilidade de dar algo em troca, jogar bem e lutar pela vitória. Eles têm de sentir que a equipa fez tudo para conseguir, que teve uma abordagem que transmite a ideia de que acredita que é possível. No final, é tentar ganhar o jogo. Isso é o que vai contar”, explicou Nélson Veríssimo na antevisão da partida.

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Ora, sem Rafa, que falhou o último treino antes da viagem para Inglaterra e não voou com a comitiva encarnada, o Benfica apresentava-se em Anfield depois de uma vitória frente ao Belenenses SAD e com Diogo Gonçalves no lugar do internacional português — sendo essa a única alteração face à equipa da primeira mão. Do outro lado, depois do empate com o Manchester City para a Premier League e antes de outro confronto com os citizens no fim de semana mas na Taça de Inglaterra, Jürgen Klopp mantinha apenas quatro dos titulares na Luz: Alisson, Konaté, Keita e Luis Díaz, com Diogo Jota e Roberto Firmino a juntarem-se ao colombiano no ataque e Salah e Mané a começarem ambos no banco.

O Benfica começou o jogo com mais bola e mais presença no meio-campo adversário, claramente à procura de conseguir implementar uma estratégia que passava por marcar cedo, e o Liverpool ia respondendo com naturalidade e eficácia defensiva às investidas encarnadas. Nesse seguimento, a equipa de Veríssimo teve mesmo o primeiro lance mais perigoso e o primeiro remate da partida: Darwin surgiu em velocidade na esquerda mas foi desarmado antes de atirar à baliza ou assistir um companheiro (11′) e Everton, de fora de área, assinou um pontapé em jeito que passou perto do poste de Alisson (13′).

Sem que o Benfica tivesse tido uma verdadeira oportunidade de golo ou estivesse a materializar de alguma forma a superioridade que tinha em termos de posse de bola, o Liverpool começou a subir as linhas à passagem do quarto de hora inicial. Os ingleses avançavam sem grande pressa e exploravam o espaço entre linhas para imprimir velocidade nas transições assim que encontravam lacunas no xadrez defensivo do Benfica — e aqui, a mobilidade Luis Díaz, Diogo Jota e Roberto Firmino era um autêntico quebra-cabeças para as marcações que Otamendi e Vertonghen, essencialmente esses dois, tinham de fazer.

Díaz protagonizou a primeira jogada mais perigosa do Liverpool, ao acelerar na direita para ver Vlachodimos intercetar o cruzamento rasteiro (20′), e o quase inevitável golo dos reds apareceu logo a seguir. Na sequência de um canto cobrado na esquerda, num lance quase tirado a papel químico do primeiro golo que os ingleses marcaram na Luz há uma semana, Konaté saltou entre três jogadores encarnados que ficaram pregados ao chão e cabeceou para voltar a bater o guarda-redes do Benfica (21′). Darwin colocou a bola no fundo da baliza logo depois mas o lance foi anulado por fora de jogo (23′) e o Liverpool conquistou algum ascendente, com Díaz a rematar para defesa de Vlachodimos (26′) e Firmino a cabecear contra Vertonghen quando tinha só a baliza deserta pela frente (30′).

Dez minutos depois do golo de Konaté, porém, o Benfica empatou. Darwin e Diogo Gonçalves combinaram, o português dividiu uma bola com James Milner e o lance sobrou para Gonçalo Ramos, que não falhou quando se viu na cara de Alisson (32′) e estreou-se a marcar na Liga dos Campeões. Grimaldo ainda fez um enorme corte antes do intervalo, evitando um golo certo de Díaz (38′), e no final da primeira parte transparecia a ideia de que o Benfica tinha pé e meio fora das competições europeias e o Liverpool ia aproveitar o segundo tempo para acalmar o ritmo e a intensidade já a pensar no jogo de sábado contra o Manchester City.

Na segunda parte, Nélson Veríssimo decidiu mexer e enviar para dentro de campo a mensagem de que o objetivo era lutar até ao fim: tirou Diogo Gonçalves e lançou Yaremchuk, oferecendo força e altura ao ataque e encostando Darwin à esquerda, algo que lhe oferecia mobilidade. O Liverpool ia oferecendo a iniciativa ao Benfica, optando por recuar as linhas e os setores e jogar na expectativa e na transição rápida, e a estratégia calculista de aguardar pelo erro do adversário acabou por dar frutos. Com 10 minutos do segundo tempo, num lance em que Vlachodimos soltou a bola, Vertonghen aliviou para os pés de Jota e Firmino apareceu sozinho na área, o brasileiro colocou os ingleses novamente a vencer (55′).

Logo depois do golo, Klopp continuou a gerir a equipa e o balneário e trocou Diogo Jota, James Milner e Henderson por Salah, Thiago Alcântara e Fabinho. Volvidos outros 10 minutos, a receita repetiu-se: Roberto Firmino apareceu totalmente sozinho na área na sequência de um livre e bisou para aumentar a vantagem (65′) e o treinador alemão tirou Luis Díaz para lançar Mané. Veríssimo respondeu com João Mário, que rendeu Taarabt, e o Benfica acabou por aproveitar a entrada de Salah e o facto de o egípcio defender pouco para ganhar alguma superioridade em espaços interiores.

Daí, surgiu o segundo golo dos encarnados em Anfield. Grimaldo rompeu, Everton tirou da cartola um passe vertical perfeito e Yaremchuk, quando já só tinha Alisson pela frente, ultrapassou o guarda-redes e atirou para a baliza deserta (73′) — num lance que começou por ser anulado pelo árbitro, por fora de jogo do avançado, mas que acabou validado pelo VAR. Paulo Bernardo substituiu Gonçalo Ramos e o Benfica ainda chegou ao empate, com Darwin a marcar após uma transição de João Mário (82′) e com o VAR a ser novamente obrigado a validar a jogada depois de o árbitro ter assinalado posição irregular do uruguaio.

Até ao fim, Gil Dias e André Almeida ainda tiveram minutos na liga milionária, Darwin ainda viu mais um golo ser anulado (desta vez, sem erros associados) e o Benfica empatou com o Liverpool em Anfield, sendo eliminado da Liga dos Campeões no conjunto das duas mãos. Afinal, marcar três golos em Anfield não era mesmo um milagre; o problema foi sofrer os mesmos três golos que tinham sido concedidos na Luz.