A ministra britânica do Interior teve de recorrer a uma prerrogativa especial para aprovar o envio de requerentes de asilo que chegaram ilegalmente ao Reino Unido para o Ruanda, depois de enfrentar a oposição de funcionários do seu ministério. A tomada de posição de Priti Patel significa que a ministra assume a responsabilidade individual pela operacionalização desta decisão, um procedimento permitido no Ministério da Administração Interna inglês, mas que só foi usado uma outra vez nos últimos 30 anos.

Os serviços do Ministério do Interior, conta a BBC, levantaram reservas sobre os custos e viabilidade do plano avaliado em 120 milhões de libras (145 milhões de euros), e a logística da sua execução, mas há também muitas reservas sobre as implicações morais e até legais deste esquema.

Os funcionários públicos encarregados de aplicar a iniciativa manifestaram preocupação com o polémico plano do Governo inglês pelo qual pessoas que conseguem chegar ao país de forma ilegal desde 1 de janeiro podem ser recambiadas para o Ruanda, na África oriental, onde lhes será permitido iniciar um processo para se instalarem no país. As autoridades britânicas querem avançar com estes voos nas próximas semanas, tendo como prioridade homens que chegam sozinhos através do Canal da Mancha em pequenos barcos ou camiões.

O sindicato dos funcionários públicos PCS considerou que estes planos são “desumanos”.

“Já vimos que estão preparados para arriscar vidas mandando voltar para trás os barcos que chegam ao canal — uma política pela qual os levamos a tribunal. É uma abordagem sem coração que revela o total desrespeito pela vida humana e contra o qual toda se deve opor”, afirmou Mark Serwotka.

Reino Unido e Ruanda anunciaram na quinta-feira a assinatura de um acordo para que o país africano acolha migrantes e requerentes de asilo de várias nacionalidades provenientes do território europeu.

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Ansioso por recuperar a popularidade antes das eleições no próximo mês, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, e o seu Governo vêm tentando há meses fechar acordos com outros países para onde enviar imigrantes enquanto aguardam o desenvolvimento dos seus processos.

No âmbito do acordo anunciado na quinta-feira entre Londres e Kigali, o Reino Unido financiará inicialmente o dispositivo com 120 milhões de libras (144 milhões de euros). O Governo ruandês esclareceu que ofereceria a possibilidade aos migrantes “de se estabelecerem permanentemente no país, se assim o desejarem”.

A iniciativa também foi criticada pelas Nações Unidas, através do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), que expressou, no dia do anúncio, a sua “forte oposição” ao plano britânico.

“Pessoas que fogem de guerras, conflitos e perseguições merecem compaixão e empatia. Elas não devem ser comercializadas como mercadorias e levadas para o exterior para tratamento”, disse então Gillian Triggs, alta-comissária adjunta do ACNUR, responsável pela proteção internacional.

“Tais arranjos apenas mudam as responsabilidades de asilo, fogem das obrigações internacionais e são contrários à letra e ao espírito da Convenção sobre Refugiados”, acrescentou. Ao enviar requerentes de asilo a mais de 6.000 quilómetros do Reino Unido, o Governo quer desencorajar chegada ao país de candidatos àquele estatuto, que são cada vez mais numerosos: o número de travessias ilegais do canal da Mancha triplicou em 2021.

O ACNUR pediu aos dois países que “repensem” o projeto. O Reino Unido, diz o ACNUR, tem a obrigação de garantir o acesso ao asilo para as pessoas que buscam proteção.

Mais de 160 organizações não-governamentais classificaram a medida como “cruel e mesquinha”, tendo sido também criticada por alguns deputados conservadores, enquanto o líder da oposição trabalhista, Keir Starmer, a apelidou de “impraticável” e com custos “exorbitantes”.