Nas paredes dos gabinetes parlamentares do Chega foram colocadas várias fotografias de André Ventura. Os quadros têm a cara do líder do Chega, uma marca de água com o nome do partido e estão presentes em várias das novas salas atribuídas ao partido após as eleições legislativas de janeiro. Militantes e ex-dirigentes do Chega estão desconfortáveis com a situação e acusam o partido de estar a promover o “culto do eu”, criticando André Ventura por “moldar o partido como quer”. Chegam a falar numa “espécie de Putinismo”.
As críticas não vêm só de dentro do partido. Deputados de outras bancadas, incluindo à direita do hemiciclo, mostram-se indignados e utilizam expressões como “culto do chefe” e “culto da personalidade” para se referirem à “decoração Ventura”. Um deputado que se senta perto da bancada do Chega diz mesmo: “Parece a Coreia do Norte.” Mais à esquerda, não se poupa nas palavras: “É ao melhor estilo estalinista e salazarista.”
Com os resultados das últimas eleições legislativas, o Chega passou de um para 12 deputados e teve direito a um aumento de gabinetes e salas na Assembleia da República — ficou inclusive com a sala que pertencia ao CDS, que perdeu a representação parlamentar. A chegada dos novos deputados e assessores levou a remodelações e readaptações dos espaços e, tendo em conta as fotografias a que o Observador teve acesso, não faltam fotografias do líder do partido.
José Dias, ex-vice-presidente do Chega, reage às imagens espalhadas pelos gabinetes dizendo que é a prova de que se trata de um “partido personalista em que as coisas estão concentradas no líder”. “Os poderes estão demasiado concentrados numa só pessoa e isso foi-lhe concedido nos congressos e conselhos nacionais”, aponta, sublinhando que o presidente do Chega ficou com mais poderes nos últimos anos porque os militantes foram permitindo.
O ex-dirigente usa até o exemplo do adiamento das eleições nas distritais e concelhias por um período de até um ano para dizer que “a democracia ficou adiada“.
André Ventura suspende eleições internas no Chega durante um ano
José Lourenço, ex-líder da distrital do Porto e uma das vozes mais críticas de André Ventura, compara André Ventura ao líder da Coreia da Norte: “É Kim Jong-un de Portugal.” Em declarações ao Observador, o ex-dirigente local, que já foi um dos generais de André Ventura, não poupa nas acusações, dizendo que a existência destas imagens nos gabinetes parlamentares é um “culto do eu, um culto do líder”. “Todos os ditadores usam o culto da imagem”, refere.
Um ex-dirigente do partido que prefere não ser identificado concorda com José Lourenço na ideia de “culto do eu” e vai mais longe, dizendo que André Ventura lidera numa “espécie de Putinismo” e que o Chega é “um partido tipo Coreia do Norte”. “É dado a André Ventura um poder absoluto que não faz sentido em 2022. O líder de um partido não pode ter este poder, não pode rejeitar ou vetar nomes, adiar eleições”, aponta o ainda militante.
“Em Portugal não faz sentido estar alguém a aproveitar-se da democracia para fazer um partido de uma só pessoa ou das pessoas que quer“, prossegue em declarações ao Observador.
Os gabinetes parlamentares não são os únicos sítios onde há fotografias de André Ventura. Nas paredes da sede do partido também há várias imagens com a cara do líder do Chega, que continua a enfrentar acusações de que preside a um partido de um homem só — e que tem sofrido dores de crescimento com o aumento de militantes e de cargos a nível local e nacional, nomeadamente com desfiliações, representantes que passaram a independentes e com a perda de vários vereadores. Há outros partidos (PSD e PS) em que é prática ter a fotografia dos líderes nas sedes descentralizadas.
André Ventura é o rosto do Chega e o responsável por escolher quem quer à frente de cada desafio. Foi o próprio que fez as listas para os candidatos a deputados à Assembleia da República e que tem o poder de decidir das questões mais importantes do Chega nas mãos. O próprio partido permitiu-lhe que reforçasse os poderes no último Congresso, em Viseu.
Esta semana, foi André Ventura que sugeriu o adiamento das mudanças nas concelhias e distritais do partido por um período até um ano e conseguiu a aprovação do Conselho Nacional.