[Este artigo faz parte da série de nove trabalhos “Os candidatos vistos à lupa” que o Observador irá publicar até ao dia das eleições]

Não há Chega sem André Ventura e isso parece ser uma premissa do presente e não deve mudar num futuro próximo. Nem o próprio quer. A ideia de que o partido trabalha para haver uma multiplicação de caras é assumida, teve alguma expressão nas autárquicas, mas deverá consumar-se apenas com a construção de um grupo parlamentar — caso o Chega venha a ter um resultado eleitoral que o possibilite, como preveem as sondagens. Apesar disso, o Chega continua a virar em torno do seu líder: é ele o todo-poderoso do partido.

Além de ser o rosto do Chega, Ventura é o responsável por escolher quem quer à frente de cada desafio — viu os poderes reforçados no último Congresso —, é a pessoa que gere a equipa, que põe e dispõe dos lugares e cargos e que tem a palavra final sobre os candidatos, nomeadamente nos nomes que poderão vir a partilhar uma bancada parlamentar com ele. Foi mais uma vez isso que pôs em prática nestas eleições, em que fez questão de construir as listas à Assembleia da República à sua medida.

André Ventura, o líder todo-poderoso

Devoto a Deus, André Ventura acredita que está no Chega para cumprir uma missão que lhe foi “confiada” para “transformar Portugal”. Anda de terço no bolso e disse numa entrevista ao Observador que Deus é a “pessoa” que mais ouve quando tem de tomar uma decisão difícil.

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O PSD foi a casa de partida do líder do Chega. Em 2017, foi o escolhido para ser candidato à Câmara Municipal de Loures e eleito vereador. A relação com os sociais-democratas atingiu um limite durante esses anos. Ventura acabou a renunciar ao mandato. Nessa altura, já estava no processo de fundação do partido que agora representa e justificou o afastamento com “discordâncias políticas”.

Saiu do sistema para se tornar “antissistema” e não parou de disparar em todos os sentidos: distribuiu declarações polémicas, fez propostas que até então não tinham voz pública — a não ser em conversas de café — e conseguiu o primeiro objetivo ao levar o Chega até à Assembleia da República, com a eleição de um deputado único em 2019. A casa da democracia deu-lhe o palco que procurava. Mas Ventura queria mais visibilidade para as ideias do partido e decidiu ser candidato à Presidência da República. Ficou em terceiro lugar, com 493.160 votos, atrás de Ana Gomes, o que lhe valeu umas eleições internas.

O grupo parlamentar que, segundo as sondagens, o Chega deverá eleger pode trazer duas novas realidades a André Ventura: companhia — a posição de deputado único traz várias questões associadas, principalmente quando acumulada com a liderança do partido — e a incógnita sobre os eleitos (em particular, se têm preparação para os lugares). O líder do Chega fez questão de se rodear daqueles que têm feito parte do seu núcleo duro e são esses que, à partida, terá consigo no Parlamento. Ainda assim, o Chega é um partido em crescimento, em que há situações que fogem ao controlo do líder e isso pode — como aconteceu nos Açores — tornar-se um problema interno.

Os membros da direção que estão espalhados pelo país

Rita Matias é uma das maiores, senão a maior, aposta de André Ventura dentro do partido. Se todos os escolhidos têm um cunho da confiança do líder do Chega, Rita Matias é, desde o primeiro dia, a jovem que Ventura escolheu para ter ao seu lado. Tudo começou num Congresso de Évora quando Rita Matias subiu ao palco para apresentar uma moção sobre o inverno demográfico, com um discurso aceso, centrado na defesa do valor da vida e na condenação do aborto e da eutanásia. O que a filha do presidente do Pró-Vida fez no púlpito daquela Convenção encheu as medidas de André Ventura. Tanto que a levou diretamente para a direção nacional.

Nessa mesma reunião magna, o partido liderado por Manuel Matias fundiu-se com o de André Ventura. A partir desse momento, o clã Matias começou a ganhar cada vez mais peso dentro da estrutura — ao mesmo tempo que a religião passou a ter (ainda) mais espaço. Manuel Matias é assessor de André Ventura na Assembleia da República, Rita Matias é vogal da direção e a responsável por criar a Juventude Chega. Foi candidata autárquica (longe dos elegíveis) e é a primeira mulher nas listas do Chega por Lisboa. O lugar não deixa dúvidas: Ventura quer Rita Matias no Parlamento. Ainda assim, ficou com o terceiro e não com o segundo lugar deste círculo, em que segue Rui Paulo Sousa logo a seguir ao líder do Chega.

Há três questões de que Rita Matias não abdica e que estão sempre presentes nos discursos da jovem: família, aborto e ideologia de género. Foi exatamente nestes temas que ficou com uma mancha no curto currículo ao ter plagiado Giorgia Meloni, líder do partido de extrema-direita Fratelli d’Italia. Durante uma intervenção no III Congresso do Chega, a dirigente utilizou frases iguais ou muito similares às que a italiana tinha proferido no Congresso das Famílias, em março de 2019.

O sucedido não afastou a jovem da linha da frente do partido (pelo contrário) e nos últimos meses tem estado sempre ao lado de André Ventura e da comitiva mais próxima do líder do Chega, tendo agora a oportunidade de chegar ao Parlamento.

Pedro Frazão é outra das apostas de Ventura e tem conseguido um peso maior na estrutura ao longo dos últimos meses. Depois de no III Congresso do partido ter sido promovido de vogal a vice-presidente, foi candidato a Santarém (e eleito vereador) e faz parte dos coordenadores da comissão autárquica.

O médico veterinário descreve-se como conservador, nacionalista, patriótico, é membro do Opus Dei e esta é uma linha com cada vez mais espaço para crescer no Chega. Já foi militante do PSD e entrou para o Chega em 2019. Agora, volta a ser cabeça de lista por Santarém, desta vez nas listas à Assembleia da República.

Apesar de André Ventura ter tentado optar por não levar a votos alguns dos vereadores eleitos, confia em Pedro Frazão — que conseguiu eleger um vereador num concelho em que só PS e PSD conseguiram ter representantes (e onde acabou por se construir um bloco central, com os sociais-democratas a preferirem os socialistas ao Chega que era suficiente para a maioria) e preferiu uma aposta segura e que os cidadãos de Santarém já conhecem da última ida às urnas.

Pedro Pinto chegou a ser apontado ao distrito de Portalegre, porém acabou escolhido para ser cabeça de lista em Faro. A decisão teve a ver com números. Enquanto em Portalegre o círculo elege apenas dois deputados, em Faro há lugar para nove, o que aumenta as probabilidades de o dirigente conseguir um lugar no Parlamento ao lado de Ventura.

Sendo um dos secretários-gerais, o líder do Chega não o quis remeter para um círculo onde, à partida, seria impossível eleger. Este já não é o primeiro desafio do antigo dirigente do CDS no Chega, tendo já sido candidato à Câmara de Beja nas eleições autárquicas.

Além de Pedro Pinto, há alguns elementos da direção e de órgãos do Chega dos quais Ventura não abdicou, tendo colocado, por exemplo, Patrícia Carvalho na lista de Setúbal e Rodrigo Alves Taxa na de Braga.

Os despromovidos (e um desaparecido)

Diogo Pacheco Amorim é o ideólogo do Chega e o homem que estava mais bem posicionado para ser o número dois do partido em Lisboa (lugar que já tinha tido em 2019), mas abdicou alegadamente para dar uma ajuda ao partido no Porto. André Ventura admitiu que o dirigente o fez por iniciativa própria (“a seu pedido”), muito devido à dificuldade de afirmação que o Chega tem tido no Porto, onde Ventura nas presidenciais obteve os piores resultados do país e nas autárquicas não conseguiu eleger um vereador.

Por outras palavras: Diogo Pacheco Amorim podia ser o segundo em Lisboa (um lugar quase certo de eleição para o partido) e ficou exatamente com o mesmo lugar no Porto, onde as probabilidades são assumidamente menores.

O dirigente do Chega — que passou de vice-presidente a vogal da direção no Congresso de Coimbra — é um dos nomes dos quais André Ventura não tem abdicado nos últimos anos. E nem sequer esteve em causa o líder do Chega deixar cair um nome como o ex-CDS. Esse era um ponto certo para Ventura, mas a estratégia pode sair furada e se o círculo do Porto for uma surpresa (ou confirmar os resultados das últimas eleições) há a probabilidade de Pacheco Amorim não fazer parte do grupo parlamentar do partido.

A vida política do dirigente não começou com o Chega. No partido que adaptou o lema de Salazar para Deus, Pátria, Família e Trabalho encontrou uma saída para dar continuidade a uma carreira aliada à direita mais radical em Portugal. Fez parte Movimento Democrático de Libertação de Portugal (MDLP) — uma organização com ligações à Igreja Católica e que tentava travar o crescimento do PCP — que operou atentados bombistas. Fez ainda parte do Movimento para a Independência e Reconstrução Nacional, um partido igualmente nacionalista e associado à extrema-direita.

Mais tarde, Pacheco Amorim fez parte do CDS-PP, onde chegou a ser assessor de Diogo Freitas do Amaral e chefe de gabinete de Manuel Monteiro. Depois disso, foi ainda um dos ideólogos do Partido Nova Democracia, juntamente com o ex-presidente democrata-cristão Manuel Monteiro. Sabe-se que tem uma família conhecida por ser conservadora, monárquica e aristocrática.

Ainda na Invicta, o facto de Marta Trindade ir em terceiro lugar pelo círculo do Porto pode deixar a vice-presidente afastada de um possível gabinete parlamentar que possa vir a ser construído pelo Chega.

A escolha de Marta Trindade não foi óbvia. O natural (e o que chegou a ser apontado) seria que fosse candidata pelo círculo de Setúbal por ser natural desse distrito, mas Bruno Nunes foi a escolha de Ventura. Com esta decisão, a dirigente acabou afastada desse distrito e aceitou o desafio do Porto, mesmo sabendo das fragilidades do círculo para partido.

A presença de dois elementos da direção em segundo e terceiro lugares na lista do Porto é um sinal da aposta do Chega no círculo do Porto, se bem que Ventura corre o risco de não ter estes dirigentes sentados ao seu lado na bancada parlamentar, sendo este um cenário que não está afastado. Há ainda um ponto a ter em conta: Rui Afonso poderá abdicar para Pacheco Amorim, caso isso chegue a estar em cima da mesa.

O excluído número dois

A esmagadora maioria dos elementos da direção do Chega têm um lugar nas listas do partido à Assembleia da República — alguns cabeças de lista, outros nos segundo e terceiro lugares dos círculos. Mas há um nome (nada desconhecido) que foi totalmente afastado das escolhas de André Ventura.

Nuno Afonso é o militante número 2 do partido, chegou a ser vice-presidente e foi despromovido a vogal pelo próprio líder do partido, o que o deixou “magoado” e com um sentimento de que foi “apunhalado”. É chefe de gabinete de André Ventura na Assembleia da República, vereador em Sintra, foi coordenador autárquico (até ser afastado com a constituição de uma nova comissão) e, ainda assim, não tem um lugar nestas listas a deputados. Também só aceitaria o segundo por Lisboa e isso deixou claro em declarações ao Observador.

Amigo de Ventura há mais de 20 anos e politicamente próximo do presidente do Chega desde os tempos da JSD e do PSD, Nuno Afonso é um dos pilares da fundação do partido e uma das maiores surpresas destas eleições antecipadas em que o Chega pode vir a ter um grupo parlamentar. Seja qual for o resultado, no final da noite eleitoral, uma coisa é certa: Ventura não terá aquele que foi um dos braços direitos na fundação e implementação do Chega sentado ao seu lado no Parlamento.

Os promovidos de Ventura

O segundo lugar mais apetecido foi para um operacional

Rui Paulo Sousa é um dos homens fortes de André Ventura há já algum tempo. Foi mandatário nas eleições  presidenciais, é o coordenador da Comissão de Ética — uma das maiores apostas do líder do partido — e vai no melhor lugar nacional a seguir ao presidente do partido. É, aliás, aquele que chegou a ser disputado pelo fundador Nuno Afonso e que esteve em vista para Diogo Pacheco Amorim. Além do lugar de destaque, é diretor de campanha.

Apesar de ser muito próximo do líder do Chega, Rui Paulo Sousa ainda foi apontado a Castelo Branco (distrito de onde é natural) e surge no segundo lugar por Lisboa como uma surpresa: não é dos membros do partido mais interventivos e poucas vezes foi visto a tomar posições públicas. É um homem do terreno e isso ficou provado durante as duas semanas de campanha para as presidenciais.

Ainda assim, Rui Paulo Sousa já teve vida política antes do Chega: é um assumido “antigo simpatizante” do CDS e foi cabeça de lista do Aliança por Santarém, distrito onde viveu a maior parte da vida.

A simbólica ligação a Loures

Apesar de não ter lugar na direção, Bruno Nunes é outra das extensões de Ventura (esta não só no terreno). Conseguiu ser eleito vereador em Loures (um local muito querido para o presidente do partido) e o líder do Chega deu-lhe o cargo de coordenador autárquico após as autárquicas. Era o nome mais falado para cabeça de lista a Setúbal e — ao contrário do que aconteceu em vários círculos — o líder do Chega jogou mesmo pelo seguro.

Apesar de não ser habitual ver Bruno Nunes junto do núcleo duro do partido, é um homem de confiança de André Ventura, já dos tempos em que o atual presidente do Chega foi candidato pelo PSD a Loures. Nessa altura, Bruno Nunes era deputado independente indicado pelo PPM numa coligação PSD/PPM. A relação dos dois tornou-se mais próxima na altura em que André Ventura trabalhava na fundação do Chega e foi rápida a integração de Nunes.

Desde esse momento, com Ventura a ter de se concentrar no partido a nível nacional, Bruno Nunes ficou o braço direito em Loures, um local que o presidente do partido faz questão de não abdicar por ser um marco na mudança posição de Ventura (desde logo relativamente ao PSD), mas também por ser o ponto de partida do Chega.

Líderes distritais e deputados municipais são escolhas de Porto e Braga

Braga tem merecido a atenção do líder do Chega por diversas vezes, até com a escolha da cidade para marcar presença na noite eleitoral das autárquicas. Depois de não ter conseguido qualquer vereador numa corrida que foi encabeçada por Jenny Santos, houve uma reversão de estratégia e Filipe Melo, atual presidente da distrital e deputado à assembleia municipal pelo partido, é o cabeça a lista do círculo eleitoral minhoto.

Nos corredores do Chega o nome de Filipe Melo chegou a ser apontado para o lugar de vice-presidente que Ana Motta-Veiga deixou vago antes do Congresso de Viseu, mas esse acabou entregue a José Pacheco, deputado dos Açores, depois de toda a polémica no arquipélago.

André Ventura chegou a dizer que tinha como objetivo reforçar o número de pessoas do Norte na direção, devido ao crescimento do partido, mas não aconteceu. Porém, a oportunidade de Filipe Melo de ter um papel relevante no partido chega nas eleições legislativas antecipadas.

Depois da demissão de José Lourenço da liderança da distrital do Porto (e da suspensão — um tema que fez correr muita tinta no Chega), Rui Afonso substituiu aquele que chegou a ser um dos homens fortes de André Ventura. A corrida não foi serena, houve até acusações de entraves a outras listas, mas Rui Afonso acabou mesmo por ficar como líder do Porto.

Nas autárquicas a estratégia do partido recaiu para um independente que tinha sido presidente da junta da freguesia do centro histórico durante vários anos, António Fonseca — porém, não foi eleito como vereador. Rui Afonso foi como cabeça de lista à Assembleia Municipal do Porto e conseguiu ser eleito deputado. Do erro tático na Invicta beneficiou, agora, Rui Afonso.

O nome do presidente da distrital do Porto foi um dos primeiros a ser anunciado por André Ventura e até contra algumas expectativas de que seria um elemento da direção a encabeçar um círculo muito difícil para o partido — Diogo Pacheco Amorim acabou por seguir em segundo e Marta Trindade em terceiro.

À esquerda e à direita: os ‘repescados’ de Ventura

André Ventura parte do princípio de que o Chega é o partido dos “descontentes” e, por isso, faz questão de nunca fechar as portas a ninguém, independentemente da antiga crença ou cor partidária. Do PSD, ao PS, do CDS ao PCP e ao Bloco de Esquerda, o líder do partido diz que “há de tudo” entre os militantes e candidatos do partido. O próprio é um ex-PSD. Desta vez, há dois nomes dos ‘repescados’ que se destacam.

O cabeça de lista que vem do Bloco e do PS

O candidato do Chega a Coimbra já teve ligações ao Bloco de Esquerda, foi até candidato pelo partido por Braga numas eleições legislativas e foi militante do PS entre 2013 e 2019. Agora, aceitou o convite de André Ventura para dar a cara pelo Chega, do lado oposto do espetro político porque, ao lembrar uma frase popularizada por Mário Soares, “só os burros não mudam”.

Paulo Ralha deixou de acreditar que seja possível os socialistas lutarem contra a corrupção e no BE considera difícil “ultrapassar a barreira ideológica” por considerar que com “políticas de esquerda não se consegue trazer progresso para Portugal”. Foi à direita, especificamente na protagonizada por André Ventura, que encontrou a solução.

Para Ventura, desde sempre foi importante trazer figuras da sociedade que tenham ocupado cargos e que sejam relevantes nas mais diversas áreas e Paulo Ralha, enquanto ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos (STI), foi uma dessas apostas.

Em Vila Real, a ideia foi idêntica: Manuela Tender foi deputada pelo PSD e esse facto levou a um volte-face na escolha de André Ventura para Vila Real. O presidente do Chega escolheu Sérgio Ramos (ex-candidato autárquico e também ex-Bloco de Esquerda) para ser cabeça de lista naquele círculo eleitoral e passado três dias mudou de ideias.

A ex-social-democrata, tendo sido representante do partido na Assembleia da República e abandonado por estar descontente com várias decisões interna, dá o “sinal” que André Ventura quer passar para o exterior, nomeadamente que há quem já tenha normalizado o Chega, logo naquilo a que chama partidos do sistema.

A justificação dada, na altura, foi de que se tratava de uma escolha “melhor” para o distrito e para o país, mas a verdade é que o facto de ser uma ex-social-democrata tanto dá uma indicação para o exterior do partido como pode vir a dar, em caso de eleição, mais experiência para o grupo parlamentar, tendo em conta que a esmagadora maioria dos candidatos nunca teve um lugar na AR.