É um truque que Volodymyr Zelensky utiliza sempre que discursa nos Parlamentos estrangeiros e nas instituições internacionais: adaptar a mensagem ao público e mencionar momentos históricos ou referências culturais do país a que se dirige. A missão é só uma: aproximar a Ucrânia (e o próprio presidente) ao país; e, com isso, conquistar a atenção, o coração e, se possível, armas a favor dos ucranianos.
O discurso que Zelensky proferiu esta quinta-feira na Assembleia da República, na primeira intervenção por vídeochamada da História portuguesa no Parlamento, não foi exceção. O presidente da Ucrânia recuperou nove momentos e características do mundo português que funcionaram como ganchos para se dirigir ao governo, deputados e convidados — e a todos os portugueses.
Volodymyr Zelensky recordou que o número de pessoas “deportadas” da Ucrânia — Zelensky evita dizer que são refugiadas — para as regiões mais “longínquas” na Rússia corresponde ao dobro da população do Porto.
O presidente ucraniano fez uma balanço dos 57 dias de guerra e avançou que, desde o dia da investida russa (24 de fevereiro), “mais de mil localidades ucranianas foram ocupadas pelos invasores e continuam a destruir” as cidades, obrigando milhões de pessoas a fugir. “É como se Portugal inteiro fosse obrigado a sair do país”, comparou o chefe de Estado da Ucrânia.
Zelensky disse também esperar que a situação em Mariupol tenha sido amplamente divulgada em Portugal, uma vez que a cidade no leste ucraniano (na região de Donetsk) é tão grande como Lisboa, também está perto do mar e agora está “toda incendiada”, porque foi transformada pelos russos num “inferno”.
Volodymyr Zelensky, que discursa na Assembleia da República a quatro dias das celebrações do Dia da Liberdade, mencionou também o 25 de Abril e referiu como também a Ucrânia está agora numa batalha contra a “ditadura”: “O vosso povo vai daqui a nada celebrar o aniversário da Revolução dos Cravos e sabe perfeitamente o que estamos a sentir”, o que é “lutar contra uma ditadura” e pela “liberdade”.
O presidente da Ucrânia fez uma referência subtil à comunidade ucraniana imigrante em Portugal quando disse: “Agradeço todo o vosso apoio e ajuda humanitária. Sei que os nossos povos se compreendem, se conhecem muito bem”.
Depois de agradecer o apoio português à Ucrânia, Zelensky pediu ao Parlamento português que ajude a combater a propaganda russa junto dos países de língua oficial portuguesa em África, com os quais o nosso país mantém boas relações. “Obrigada por tudo o que desenvolvem com as vossas possibilidades para defender a independência, segurança, soberania; e como conseguem transmitir essa mensagem para todos os países, incluindo os países falantes de português em África”, disse o Presidente.
Zelensly também encontrou nos contrastes geográficos um ponto de aproximação entre Portugal, pelo facto de os portugueses se situarem na região mais ocidental da Europa, e a Ucrânia, na região mais a leste do mesmo continente: “Vocês estão no oeste, nós mais a leste, mas as nossas visões são iguais e sabemos que regras, direitos e valores deve haver na Europa”.
Volodymyr Zelensky fez questão depois de falar em português, usando uma das palavras mais especiais da língua portuguesa: ‘saudade’.
No fim, o presidente ucraniano despediu-se do Parlamento também em português: “Muito obrigada”, terminou.