A menos de um mês das eleições que vão decidir o sucessor de Rui Rio à frente do PSD, o grupo parlamentar do partido prepara-se para discutir esta quarta-feira um projeto de revisão da Constituição da República e outro projeto para alterar a lei eleitoral. O facto de esta discussão acontecer com uma direção que está na prática demissionária e sem que o próximo líder tenha oportunidade de se pronunciar sobre a matéria está a causar algum desconforto na bancada laranja, com vários deputados a questionarem o timing e o sentido de oportunidade do debate.

Tudo começou ainda na noite de segunda-feira, quando, às 20h48, Paulo Mota Pinto, novo líder da bancada e apoiante de sempre de Rui Rio, enviou um e-mail aos deputados sociais-democratas informando que as duas propostas, pensadas e desenhadas ainda na anterior legislatura, iam ser “enviadas para discussão e decisão na próxima reunião do grupo parlamentar”, a acontecer esta quarta-feira.

Ora, de acordo com a troca de correspondência a que o Observador teve acesso, o agendamento de tal discussão motivou protestos de pelo menos três deputados, que questionaram, precisamente, o porquê de se estar a discutir matérias desta importância a um mês da escolha do próximo líder social-democrata — que ficaria politicamente condicionado pelos projetos que agora fossem aprovados.

De resto, é preciso perceber o contexto em que surgiu a eleição de Paulo Mota Pinto: o ainda presidente da Mesa do Congresso do PSD foi escolhido por uma votação muito expressiva (92% dos votos), o que foi interpretado como um sinal inequívoco de coesão do rioísmo — a maioria dos deputados foi largamente escolhida pelo ainda líder do PSD.

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Com Paulo Mota Pinto foram também eleitos como vice-presidentes da bancada parlamentar André Coelho Lima, Ricardo Baptista Leite, Hugo Carvalho, Catarina Rocha Ferreira e Paulo Rios de Oliveira, o que significa que o próximo líder do PSD terá de lidar necessariamente com uma herança pesada na Assembleia da República.

Blindado o rioísmo, a discussão de projetos de revisão constitucional e de reforma da lei eleitoral nesta altura do campeonato, a ir para a frente, acabará por agarrar politicamente Luís Montenegro ou Jorge Moreira da Silva ao que venha a ser decidido agora pelo grupo parlamentar do PSD. Por outras palavras, Rui Rio deixaria o próximo líder muito condicionado se quisesse mudar a estratégia do partido nesta frente.

Miguel Santos, deputado social-democrata, questiona precisamente o momento escolhido para se ter este debate e, sobretudo, o facto de não ser dado tempo ao próximo líder e aos militantes do partido para caucionarem uma estratégia. “Não percebo o sentido de oportunidade. Não faz sentido“, diz ao Observador.

No e-mail que enviou aos deputados do partido, Paulo Mota Pinto argumenta que o PSD não pode correr o risco de ser “ultrapassado no contexto parlamentar por iniciativas nesta área de outras forças políticas” e até admite que, no futuro, “caso seja necessário ou politicamente conveniente”, as propostas do partido “sempre poderão vir a ser alteradas ou adaptadas na especialidade”.

A justificação não convenceu todos os deputados. Andreia Neto, por exemplo, juntou-se ao protesto lavrado por Miguel Santos e defendeu que este não era o tempo para apresentar “iniciativas desta natureza”, por serem de “enorme importância e enorme impacto político, que devem aliás  ser articuladas com a direção nacional” do PSD.

Alexandre Poço, igualmente deputado e líder da JSD, acrescentou outro argumento: “Estamos em processo legislativo orçamental, no qual temos de estar todos empenhados e que inclusive condiciona a ação parlamentar sobre outros assuntos não relacionados com o Orçamento, pelo que fossem quais fossem as circunstâncias institucionais do nosso partido, este nunca seria o momento adequado para a apresentação de duas iniciativas políticas com esta importância e calibre político”.

Na anterior legislatura, os sociais-democratas acabaram por concluir dois projetos — os tais que agora querem levar a votos. Sobre o sistema eleitoral, o PSD propõe, por exemplo, a redução do número de deputados de 230 para 215 e a criação de 30 círculos eleitorais resultantes da decomposição dos atuais cinco maiores círculos eleitorais, Lisboa, Porto, Braga, Setúbal e Aveiro.

Quanto à Constituição da República Portuguesa, o partido propõe, entre outros aspetos, a limitação de mandatos também para órgãos não executivos (incluindo para deputados à Assembleia da República), o alargamento do mandato do Presidente da República para seis anos e o reforço das suas competências, passando o Chefe de Estado a nomear o governador do Banco de Portugal, os presidentes de
entidades reguladoras e a designar dois juízes do Tribunal Constitucional.

Rioísmo dá sinal de coesão para próximo líder ver. Mota Pinto eleito por 92% dos votos