Quando Anjezë Gonxhe Bojaxhiu – Madre Teresa de Calcutá – nasceu a 26 de agosto de 1910, em Escópia (capital da Macedónia do Norte, então parte do Império Otomano), o percurso que teria na vida religiosa estava longe de ser decifrado. Quase 25 anos após a sua morte, a bondade para com os mais pobres, assim como as áreas controversas da sua história, estão retratadas num novo documentário sobre a sua vida. O documentário, que está dividido em três episódios, chama-se Mother Teresa: For the Love of God? (Madre Teresa: Por Amor de Deus?, em tradução livre), e chegou esta segunda-feira aos telespectadores do Reino Unido, através da Sky Documentaries.
O que o documentário mostra, incluindo as controvérsias, não é novo. Muitas das alegações menos favoráveis sobre a Madre Teresa de Calcutá já tinham sido feitas por dois dos maiores críticos de Madre Teresa, o falecido jornalista Christopher Hitchens — que afirmou que Madre Teresa terá mentido a alguns dos seus apoiantes sobre o destino das contribuições — e o médico Aroup Chatterjee — que escreveu o livro Mother Teresa, the Final Verdict (Madre Teresa, o Veredito Final em tradução para português).
O The Guardian destaca a história de uma mulher norte-americana que assumiu ter sentido “uma carga elétrica semelhante ao amor” quando Teresa lhe tocou com a mão, ao dar-lhe a bênção de boas-vindas à congregação. Esta mulher acabaria por ser confrontada com o facto de a devoção das freiras exigir a renúncia aos jornais, à rádio e ao contacto com os amigos, uma forma de “autoflagelação” entre as “irmãs” inspirada na máxima de Teresa de que “o amor, para ser real, tem de doer”.
Por seu turno, o médico Jack Preger, de Calcutá, ressuscitou a crítica antiga de que Madre Teresa encarnava a versão do Cristianismo de culto à dor: “As freiras não estavam a prestar os cuidados apropriados (…) As agulhas foram usadas repetidamente“.
A nossa vocação não é necessariamente curar (…) o sofrimento partilhado com a paixão de Cristo é uma coisa maravilhosa”, terá dito Teresa, segundo o jornal britânico.
Já em 2016, ano em que Teresa foi canonizada, a CNN noticiava o relato de Hemley Gonzalez, que trabalhou de perto com a congregação em 2008, altura em que se voluntariou para trabalhar com as Missionárias da Caridade em Calcutá. Descreveu o que viu como uma “cena tirada de um campo de concentração da Segunda Guerra Mundial”: nenhum dos voluntários tinha treino médico e não havia enfermeiras ou médicos; as agulhas eram reutilizadas depois de serem passadas por água; os doentes e moribundos tomavam banho em água gelada.
Quando questionou porquê, a única resposta que recebeu foi: “É assim que Jesus quer”. Quando se ofereceu para pagar o aquecimento, disseram-lhe: “Não fazemos isto aqui”.
O documentário relaciona, ainda, a ascensão da direita religiosa nos EUA na década de 1980 (sob a presidência de Ronald Reagan) com aquilo que a Madre Teresa afirmou sobre o aborto. A freira, Prémio Nobel da Paz de 1979, caracterizou a interrupção voluntária da gravidez como “a maior força de destruição da paz” e “uma morte direta pela própria mãe”.
De acordo com o The Times, é também explorado no documentário se a “santa dos esgotos” teria conhecimento dos abusos sexuais de crianças por parte do padre de Boston Donald McGuire. As contas bancárias da Madre Teresa, que nunca foram reveladas, também são assunto no documentário.
Madre Teresa de Calcutá. A “santa dos esgotos” que nem todos aceitaram
No fim, a dúvida permanece: quem foi Madre Teresa? “Sem dúvida, foi a pessoa mais auto-sacrificial que eu já conheci”, considerou um antigo missionário. “Ela era uma charlatã, puro e simples”, contrapôs o ativista político Tariq Ali.