O caso do Banco Privado Português (BPP) não termina com a morte de João Rendeiro. O que se extingue é a responsabilidade penal do próprio ex-banqueiro, mas os ex-administradores do banco que já foram condenados em vários processos e a própria mulher de Rendeiro, que é arguida numa investigação em aberto, continuarão a ser perseguidos penalmente.
E o pagamento das indemnizações aos lesados da gestão de João Rendeiro? Também não estão em causa porque foram apreendidos ativos por parte do Ministério Público para assegurar o pagamento de eventuais indemnizações e os próprios herdeiros de Rendeiro poderão ter de responder pelas responsabilidades cíveis do ex-líder do BPP.
O Observador explica-lhe os pormenores de cada um dos processos e o que poderá acontecer em cada um deles.
O caso da falsificação da contabilidade. A condenação transitada em julgado de João Rendeiro
O único caso que já transitou em julgado é aquele relacionado com a falsificação da contabilidade do banco. João Rendeiro foi condenado a uma pena de prisão efetiva de cinco anos e oito meses, pela Relação de Lisboa, pelos crimes de falsidade informática e falsificação de documento. A condenação é de julho de 2020, tendo a mesma transitado em julgado no dia 17 de setembro de 2021.
Por estar pendente a respetiva execução, era precisamente esta pena a principal base para o processo de extradição. Com a morte de João Rendeiro, não só os autos da extradição serão naturalmente arquivados, como a pena de prisão será declarada extinta.
Já Paulo Guichard, ex-número 2 do BPP, teve um comportamento radicalmente diferente de João Rendeiro. Mesmo estando a viver no Rio de Janeiro, Guichard viajou para Portugal para cumprir pena de prisão. Começou por ser detido a 8 de outubro de 2021, mal aterrou no Aeroporto Francisco Sá Carneiro, mas foi libertado por prisão ilegal, por ordem do Supremo Tribunal de Justiça. A sua pena de quatro anos e oito meses pelos mesmos crimes de Rendeiro acabou por transitar em julgado em abril de 2022 e Guichard entrou na prisão de Custóias no dia 25 de abril de 2022 para a cumprir.
O caso dos prémios auto-atribuídos. Mais ex-administradores do BPP podem ser presos
O segundo processo mais importante do caso BPP relaciona-se com cerca de 31,2 milhões de euros de prémios e outras remunerações que a administração liderada por João Rendeiro decidiu atribuir a si própria, entre 2003 e 2008, sem aprovação dos acionistas do banco.
O Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa condenou João Rendeiro, Paulo Guichard, Salvador Fezas Vital e Fernando Lima a penas pesadas de prisão, a 14 de maio de 2021, pelos crimes de fraude fiscal qualificada, abuso de confiança e branqueamento de capitais.
A Relação de Lisboa manteve, em fevereiro de 2022, todas as penas decididas pela primeira instância. Isto é, João Rendeiro foi condenado a 10 anos de prisão por se ter apropriado de 13,6 milhões de euros; Guichard e Salvador Fezas Vital foram condenados a nove anos e seis meses de prisão por se terem apropriado, cada um, de cerca de 7 milhões de euros; e Fernando Lima a seis anos de prisão por ficado indevidamente com 2,1 milhões de euros.
Relação rejeita recurso de Rendeiro e mantém pena de 10 anos de prisão para ex-banqueiro
Quando João Rendeiro fugiu para a África do Sul, todos os arguidos manifestaram nos autos o seu “repúdio pela fuga” do ex-líder do BPP, entregaram voluntariamente os seus passaportes e aceitaram a medida de coação de proibição de viajar para o estrangeiro.
O processo está agora em recurso no Supremo Tribunal de Justiça (os recursos foram admitidos esta semana) e mais perto do trânsito em julgado. A pena de João Rendeiro vai ser declarada extinta, mas Paulo Guichard, Fezas Vital e Fernando Lima arriscam-se a cumprir pena de prisão efetiva.
A queixa do embaixador e as indemnizações aos clientes do BPP
Já depois de João Rendeiro e os restantes ex-administradores do BPP terem sido absolvidos pela primeira instância e pela Relação de Lisboa num processo de burla qualificada por queixa de um número alargado de clientes do banco, verificou-se um terceiro julgamento do caso BPP.
Trata-se igualmente de uma queixa por burla qualificada de um cliente do banco (o embaixador jubilado Júlio Mascarenhas), mas que teve um destino diferente: João Rendeiro foi condenado a três anos e seis meses de prisão efetiva, Paulo Guichard foi condenado a três anos de prisão e Salvador Fezas Vital a dois anos e seis meses. Os ex-gestores tinham ainda de pagar uma indemnização de 235 mil euros, segundo a sentença de 21 de setembro de 2021 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa.
O processo encontra-se em fase de recurso na Relação de Lisboa. Tal como acontece nos outros casos, a pena de prisão de João Rendeiro será extinta, enquanto os outros ex-gestores do BPP arriscam-se a cumprir pena de prisão.
Quanto ao pagamento da indemnização decretada pelo tribunal, e no que diz respeito a João Rendeiro, a mesma manter-se-á e os herdeiros do ex-líder do BPP podem vir a ser confrontados com ela. O mesmo pode acontecer em qualquer processo do caso BPP em que as responsabilidades cíveis de João Rendeiro sejam dadas como transitadas em julgado.
Tudo porque, quando os herdeiros aceitam a herança, aceitam os ativos e os passivos que fazem parte da mesma. Ou seja, no máximo, os herdeiros de João Rendeiro terão de abdicar da herança para não serem responsabilizados pelas dívidas do ex-líder do BPP. Se isso acontecer, a herança reverterá para o Estado e será o Estado a pagar eventuais indemnizações, enquanto herdeiro de João Rendeiro.
Os princípios legais em questão são simples de explicar: a responsabilidade penal extingue-se com a morte do réu, mas o mesmo não aconteceu com as dívidas.
Devido ao mesmo princípio, todos os ativos que pertenciam a João Rendeiro e que estão apreendidos nos autos dos diversos casos do BPP também servirão para pagar eventuais indemnizações aos clientes do banco.
A mulher de Rendeiro continuará a ser investigada
Finalmente, resta um quarto processo que ainda está pendente. Trata-se dos autos do processo de descaminho das obras de arte que estavam apreendidas às ordens do caso BPP.
O processo foi aberto no dia 6 de outubro de 2021 e levou à detenção e constituição de arguida de Maria Rendeiro, em novembro de 2021. A mulher de João Rendeiro é suspeita da alegada prática dos crimes de descaminho, falsificação e branqueamento de capitais e encontra-se em prisão domiciliária desde então.
Florêncio de Almeida, presidente da ANTRAL, e o seu filho Florêncio Plácido, ex-motorista do ex-líder do BPP, também são suspeitos no caso, tendo recentemente sido constituída arguida a advogada Joana Fonseca por branqueamento de capitais.
Se tivesse sido extraditado para Portugal, João Rendeiro seria também constituído arguido neste processo. Tal já não acontecerá, mas a investigação prosseguirá contra os restantes arguidos.