Corria o ano de 2016, o streaming dava claros sinais de que iria ser o futuro e no início desse verão chegava, discretamente, uma série à Netflix que não iria causar uma revolução, mas iria satisfazer todas as ânsias dos nostálgicos dos 1980s e criar milhões de fãs em diferentes gerações. “Stranger Things” soube cumprir todos os requisitos necessários para uma série fazer sucesso, com a satisfação e a liberdade de não ter compromisso. Uma espécie de inocência profissional. A nostalgia pelos 1980s já era assunto batido, “Stranger Things” tornava-o novo. Os Duffer Brothers, manos responsáveis pela série, criaram uma fórmula para aceder às nossas memórias (e de criar novas em quem não as tinha).
Seis anos depois, três após a terceira temporada, chegamos à quarta, lançada em dois momentos, sete episódios no dia 27 de maio e dois últimos a 1 de julho. Nove episódios atrasados pela pandemia. Numa conferência de imprensa que decorreu esta quinta-feira em Espanha e à qual o Observador assistiu virtualmente, Natalia Dyer, que interpreta Nancy, relembra a inevitabilidade de falar nisso logo numas das primeiras respostas: “É difícil falar desta temporada sem falar da pandemia. Íamos começar a filmar e de repente começa tudo a acontecer e tivemos de parar. O regresso foi rápido – é preciso dar crédito a quem deu a volta a isso –, mas a forma de filmar foi totalmente diferente. Além disso, é uma temporada maior, com várias narrativas a acontecer ao mesmo tempo.”
[o trailer da nova temporada de “Stranger Things”:]
https://www.youtube.com/watch?v=yQEondeGvKo
Também presente esteve Charlie Heaton, ou Jonathan. Nancy e Jonathan tinham uma relação até ao final da terceira temporada. Isso tudo mudou. Nesta quarta há um novo desafio para as suas vidas, mas também há algo a acontecer: desde 2016 – e o atraso da pandemia contribui para isto – que os atores envelheceram. Ou seja, estes dois que começaram como adolescentes já não o são. Nem as respetivas personagens. Agora os adolescentes são outros, as crianças com quem nos fascinámos em 2016: “Todos amadureceram. Acho que isto é muito parecido com o “Harry Potter”, é esse tipo de processo. Quando as personagens são o motor da série, não podes crescer e perder isso das personagens. É importante ver como as personagens se estão a desenvolver. Além disso, os fãs também cresceram, por isso é natural que as personagens e a série também cresça: esta temporada é muito mais escura. Se no início era mais parecido com ‘Os Goonies’ e ‘Conta Comigo’, agora está muito próximo de ‘O Pesadelo Em Elm Street'”, diz Charlie.
Parte desse crescimento é também assumir que se está a chegar ao fim. Esta quarta temporada é a penúltima de “Stranger Things” e os cartazes de promoção não deixam enganar, lê-se em todo o lado: “Todo o fim tem um princípio”. Sem abrir muito o jogo, Charlie confessa que “é a temporada mais desenvolvida, é claro que nos estamos a aproximar do fim. Com isso em mente, estamos a abrir a cortina em relação a muitos assuntos. Porque é que está tudo a acontecer? Ou seja, a entrar mais dentro da mitologia. Esta temporada serve para preparar o final.”
Tudo acontece seis meses desde o final da última temporada. Ou seja, após os eventos devastadores que quase destruíram a cidade de Hawkins. Várias personagens estão separadas e, no meio de todos os desafios que existem na cidade, começa a escola secundária para algumas personagens: “Os miúdos crescem e com isso criam-se oportunidades para falar de coisas diferentes, novos desafios. Assuntos que, quando eles eram mais novos, não fazia sentido abordar. Eles amadureceram, evoluíram e agora vão enfrentar as dificuldades da vida adolescente.”, conta Natalie.
Natalie não fala muito sobre a separação de Nancy e Jonathan. Mas alguém pergunta sobre o novo estilo de Jonathan e Charlie não resiste em falar sobre a nova vida da sua personagem: “Ele está a sentir-se rejeitado. Foi-lhe prometido que tudo ia ficar OK, mas a realidade é diferente. Tem um novo amigo, Argyle [Eduardo Franco], que é um terapeuta não licenciado, que o irá a ajudar a resolver os problemas através de ‘medicação’. Foi bom criar este novo Jonathan, é uma personagem muito introspetiva, este é um novo lado dele. Há uma grande energia californiana na relação destas duas personagens.”
Charlie não esconde o seu gosto pela primeira temporada e de como isto tudo começou: “Quando algo é novo e fresco, aceita-se pelo que é, de forma direta. O que foi ótimo para nós, ajudou-nos a não ter pressão. E com isso criámos uma família, onde nos sentimos todos seguros, onde nos divertimos.” Mais à frente, no final da sessão, recorda como conseguiu o papel: “Ainda não tinha feito muitos papeis como ator, mas já tinha tido algumas bandas. A minha relação com os Duffer Brothers [e com a série] criou-se através do gosto musical. No início pensei que o meu sotaque iria ser um problema [o ator é britânico], mas assimilei o sotaque norte-americano muito facilmente. Só que não conseguia, curiosamente, dizer bem o nome Nancy. Então durante as filmagens tinha toda a equipa a gritar-me a forma de o dizer à americana.”
Daqui a uma semana saberemos como será o início do fim. Charlie, sempre mais falador durante esta conferência de imprensa, é sentimental mas pragmático: “É triste pensar que se está a chegar a um fim. Não consigo imaginar como irá ser rodar a próxima temporada, porque será a última. Terei sempre a sensação de que a cada cena que filmarmos, estaremos mais próximos do fim de ‘Stranger Things’.”