A Europa importa dois terços da quantidade de comida que exporta, consome mais do que precisa e ainda deita fora parte dos alimentos de que dispõe, afirma a associação ambientalista WWF num relatório divulgado esta terça-feira.

“A Europa come o Mundo” é o título da análise da WWF, que concluiu que o mundo “já produz alimentos suficientes para alimentar toda a população” mas que é preciso mudanças no sistema comercial e de produção para que cheguem a todos.

“A transformação mais drástica reside na mudança de dietas, com a substituição de carne e laticínios produzidos intensivamente por alimentos à base de plantas”, defende a WWF, que reclama à União Europeia que reduza a “parte desproporcional dos recursos globais que consome para se alimentar a si própria”.

Em números de 2020, a União Europeia importou 122 mil milhões de euros em produtos agroalimentares e exportou 184 mil milhões de euros. A Europa ganha porque exporta produtos de alto valor e importa produtos de baixo valor, mas quem sofre é “o fornecimento alimentar mundial”, aponta a WWF.

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“Importamos cacau e exportamos chocolate, importamos soja para ração animal e exportamos produtos lácteos. Em vez de ser o celeiro do mundo, a UE é a mercearia, vendendo produtos destinados principalmente a consumidores mais ricos” resume a organização.

A WWF aponta o efeito no mundo que os padrões de consumo europeus provocam, salientando que “os atuais níveis elevados de produção alimentar só são possíveis graças à importação maciça de recursos”.

Para a organização, a mudança deve ser para a “produção de gado em pastagem” em vez de importar produtos agrícolas “que conduzem à destruição dos ecossistemas naturais” e tiram espaço a “culturas que se podiam destinar à alimentação humana”.

Os produtos agrícolas importados para a Europa, sobretudo a soja, são cultivados à custa de florestas destruídas nos trópicos: “entre 2005 e 2017, cerca de 3,5 milhões de hectares de floresta foram destruídos para produzir produtos agrícolas” para o mercado europeu, emitindo gases com efeito de estufa equivalentes a 40% das emissões anuais europeias.

Dentro das fronteiras europeias, pratica-se agricultura industrial assente “num modelo extrativo que desgasta a base de recursos naturais de que depende”, levando à perda de biodiversidade, a solos menos saudáveis e poluição provocada pelo uso de fertilizantes, que chegam também aos ecossistemas aquáticos.

No pescado, a Europa importa quase o dobro do que produz, com 5,1 milhões de toneladas e 9,5 milhões de toneladas importadas em números de 2019, correspondendo ao consumo de mais de 12% do total produzido no mundo. Só em marisco, cada europeu consome anualmente em média 24 quilos, mas só 40% é produção europeia.

Este consumo, salienta a WWF, pesa nos ecossistemas e nos recursos pesqueiros do mundo, mais de um terço dos quais são “explorados para além de níveis sustentáveis”.

A WWF estima que cada europeu desperdice 173 quilos de alimentos anualmente, indicando ainda que “15% da produção alimentar total se perca durante ou pouco depois da colheita de cada ano”.

A diretora da WWF Portugal, Ângela Morgado, salientou que a invasão russa da Ucrânia, com impacto na produção de cereais, corre o risco de ser “instrumentalizado” para se reduzirem os compromissos ambientais europeus em favor de aumentos de produção.

“Apenas um sistema alimentar mais sustentável será capaz de proporcionar segurança alimentar. A UE não deve concentrar-se em produzir mais, mas sim em produzir e consumir melhor, de forma diferente”, defendeu.