Um mês depois de a Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja Católica em Portugal ter entregado à Procuradoria Geral da República 16 denúncias, a polícia com competência exclusiva para investigar este tipo de crimes não recebeu ainda uma única queixa para prosseguir com a investigação, apurou o Observador.
A Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja Católica, liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, conseguiu em três meses de existência reunir cerca de 300 denúncias, 16 das quais relativas a alegados crimes sexuais que ainda não terão prescrito ou em relação a padres que continuam no ativo. Estas foram entregues ao Ministério Público em meados de abril. O Observador já questionou duas vezes, nas últimas duas semanas, a PGR sobre quantas destas denúncias deram origem a um inquérito e em que comarcas, mas não obteve qualquer resposta até à publicação deste artigo. O certo é que até agora, sabe o Observador, à Polícia Judiciária nada chegou.
O ex-ministro da Justiça, Laborinho Lúcio, que também integra a comissão, considerou sempre que estas queixas, assim como as que continuam a ser reunidas e que serão ainda entregues, deviam ficar nas mãos do Ministério Público — o titular da ação penal que deve decidir abrir inquérito e dar-lhe o devido tratamento. Na conferência de imprensa de abril, onde estes números foram anunciados, o juiz conselheiro lembrou que dos 290 casos comunicados, só 16 seriam remetidos por não estarem prescritos.
Ainda assim, entre os casos em que os crimes já prescreveram podem estar padres que continuam no ativo. Foi pelo menos este o alerta que os peritos em investigação de crimes sexuais fizeram à comissão quando reuniram com os seus membros ainda no início de março deste ano. Ao que o Observador apurou, nessa reunião a PJ lembrou os membros da comissão que perante os casos que lhes estavam a chegar teriam que ter em atenção pelo menos três cenários: crimes prescritos contra padres que já morreram, crimes não prescritos, e crimes prescritos relativos a padres que continuam no ativo — isto, porque um suspeito de abuso sexual pode atuar mais do que uma vez. No primeiro caso, os processos não teriam pernas para andar, já no terceiro, as queixas, mesmo que prescritas, não deviam ser ignoradas, referiram à comissão.
Na conferência em que a comissão apresentou os primeiros dados, Laborinho Lúcio reconheceu que, do ponto de vista jurídico, a análise destes casos pode ser complexa, mas que havia uma “troca constante de informação” entre o grupo de trabalho e o Ministério Público. “Os casos de dúvida são resolvidos a favor do envio para o MP”, disse. E rematou que o facto de haver casos em que as vítimas não se identificam faz com que por vezes “aquilo que é remetido ao MP” seja “muito pouco palpável”. Também “a falta de datas exatas” impede, nalguns casos, avaliar corretamente se já houve prescrição ou não.