“Comunico-lhe que decidi ficar no PSG. Quero agradecer a oportunidade que me deu de jogar no Real Madrid, um clube do qual sou fã desde pequeno. Espero que compreenda a minha decisão. Boa sorte para a final da Champions.”
Oficial: Mbappé renova com PSG e já terá comunicado a decisão a Florentino Pérez
A grande novela do último ano chegava ao fim com uma mensagem de quatro curtas frases que escreveu um epílogo inesperado perante tudo o que tinha acontecido nas últimas semanas. Uma mensagem que fez movimentar muitos milhões de euros entre o orçamento do PSG e as contas do Real Madrid.
Kylian Mbappé já tinha estado treinado nos espanhóis quando era mais novo mas não ficou. Em 2017, quando teve o salto para Paris, soube que os merengues fizeram também uma proposta ao Mónaco mas quis ficar em França. Dois anos depois, abriu a porta da saída. Entre 2020 e 2021, recusou três propostas para renovar contrato. Em 2021, pediu para ser vendido, o Real ofereceu 160 milhões (não chegou a oficializar a última proposta de 200) mas nem isso chegou. Foi assobiados pelos adeptos, foi criticado nos encontros em que não marcou. Em janeiro, podia assinar por qualquer clube. Em março, perdeu contra um clube de Madrid que mostrou a sua grandeza europeia numa fantástica recuperação. Em maio, falando em espanhol que entretanto aprendera, assumiu que tinha a decisão tomada. Afinal, renovou contrato.
Dans les coulisses de la journée de @KMbappe au Parc des Princes ????️????#???????????????????????????????????????????????????????????? ???????? pic.twitter.com/zdgRt9sAbg
— Paris Saint-Germain (@PSG_inside) May 23, 2022
Os pormenores de toda esta novela têm sido conhecidos com o passar dos dias. Um atrás de outro. Um exemplo prático: Josep Pedrerol, no programa “Chiringuito de Jugones”, garantiu que em setembro, após a recusa de venda do jogador por parte do PSG apesar de pedido expresso do avançado, já havia um acordo não assinado entre Real Madrid e o internacional nos anos de contrato e no salário anual. Mais: Mbappé falava de 15 em 15 dias por Skype com Florentino Pérez. Outras publicações revelaram mais dados que hoje ganham outro relevo, nomeadamente o facto de já ter escolhido a zona para onde iria viver na capital espanhola com a ajuda do companheiro Benzema, com quem foi sempre falando, em La Moraleja.
Ninguém duvidava sobre o próximo destino de Kylian Mbappé. Hoje, falam-se nos 56,4 milhões de euros anuais que vai receber, que significa o suficiente para comprar uma casa normal num dia (167.857 euros). Ou, de forma mais detalhada, por cada segundo que passa recebe 1,94 euros. Ah, e ainda tem um chorudo prémio de assinatura que se estima ser de 300 milhões de euros. Mas, afinal, o que mudou?
Poucos antes da decisão, Fayza Lamari, mãe do jogador, admitia em entrevista ao canal árabe Kora Plus que tinha estabelecido dois acordos com Real Madrid e PSG e que seria agora o filho a escolher. “Agora já acabaram as negociações, ele vai decidir”, reforçava. Os sinais de alarme começaram a soar em Espanha para aquilo que no balneário dos merengues era um dado adquirido. Muitas vezes é nos detalhes que estão as maiores certezas e a forma como, poucos minutos depois do anúncio final, Karim Benzema colocou uma imagem sua após marcar um golo a apontar para o céu onde estava o símbolo do Real mostrava algo que era muito mais do que uma publicação no Instagram. Tinha uma mensagem: o clube acima de todos.
Mbappé agradece ao líder do Real Madrid e quer “continuar a crescer” em Paris
Por um lado, Mbappé garantiu após a renovação que será apenas um jogador no PSG. Não vai ser, com os seus poderes reforçados. Por outro, a mãe do jogador garantia que a questão do controlo dos direitos de imagem por parte do avançado estava certa com os espanhóis e era igual aos franceses. Também não era. E foi a última viagem de Fayza Lamari ao Qatar na última semana que mudou tudo e de uma forma radical. Podem ser apenas três anos, pode ser a troco do que o avançado considerava impensável mas foi demais.
Da advogada especialista em direitos de imagem aos telefonemas de Macron
O El País detalha alguns dos capítulos da novela a partir de meio de março, quando o PSG foi eliminado da Liga dos Campeões pelo Real Madrid – um cruzamento que fez com que, durante várias semanas, existisse uma espécie de “pacto de cavalheiros” por respeito de ambas as partes. Aí, Florentino Pérez apresentou à equipa de advogados do jogador aquela que seria a quarta e última proposta formal de acordo com 180 milhões de prémio de assinatura, um salário anual de 40 milhões livres de impostos e 50% sobre todos os direitos de imagem. Foi isso que os representantes do jogador não gostaram, era isso que os dirigentes do clube espanhol faziam desde que começara a era dos “galácticos” com todos os jogadores.
Real Madrid pagava 214 milhões em 2017 por Mbappé, que foi para o PSG mesmo com pedidos recusados
De um lado, Delphine Vertheyden, advogada que é especializada em contratos relacionados com direitos de imagem, defendia, em consonância com os pais do jogador, Fayza e Wilfried, que Mbappé recebia o dobro de acordos de patrocínio do que de ordenado em Paris (uma diferença de 20 para 40 milhões), podendo aumentar mais de 50% num ano com Campeonato do Mundo que colocaria a fasquia no plano desenhado nos 70 milhões que teriam de ser divididos por metade. Do outro, os especialistas do Real Madrid não tinham dúvidas de que existia esse interesse no jogador de 23 anos mas acrescentavam que a sua mudança para o Santiago Bernabéu como bandeira de um novo ciclo iria multiplicar a capacidade de atrair mais marcas com outros argumentos mais aliciantes no plano financeiro. Questão: o assunto não teria sido levantado antes, nas propostas que tinham sido debatidas entre as duas partes.
« Aujourd'hui est un grand jour pour l'histoire du Paris Saint-Germain »
Les mots du Président Nasser Al-Khelaïfi au sujet de la prolongation de contrat de @KMbappe ! ????️????️#???????????????????????????????????????????????????????????? ???????? pic.twitter.com/g95rpRjjUN
— Paris Saint-Germain (@PSG_inside) May 23, 2022
“Ainda não tomei uma decisão porque existem novos elementos a considerar. O quê? Apenas isso, novos elementos. Estou calmo e vou tomar a melhor decisão possível com a minha família”, disse em abril. Foi um alerta para o Real Madrid, foi um apelo ao PSG. E os franceses ouviram, com vários modelos de propostas patrocinadas pela família real do Qatar que detém a formação parisiense: até 2024, 80 milhões de prémio de assinatura, 40 milhões no primeiro ano, 50 milhões no segundo; até 2025, 130 milhões de prémio, 40 milhões no primeiro ano, 50 milhões nos outros dois; até 2026 ou mais, 200 milhões de prémio, 40 milhões no primeiro ano, 50 milhões nos dois seguintes, 60 milhões a partir daí. Pormenor: além de tudo isso, Mbappé poderia manter a 100% os direitos de imagem e a ganhar mais a nível de salário base.
No final de tudo, o internacional francês com o melhor de dois mundos: manteve a totalidade dos direitos de imagem e viu ainda o PSG aumentar o prémio de assinatura mais possíveis bónus para valores bem mais elevados (caso atinja todas as metas, esse “bolo” pode subir a um total de 300 milhões). E para não haver mesmo dúvidas, recebeu a promessa de que teria todas as condições para poder ser campeão europeu pelo conjunto parisiense tendo palavra sobre as decisões mais importantes ligadas ao plantel. A tudo isso, e confirmado pelo próprio, juntaram-se ainda as conversas com o presidente francês Emmanuel Macron. Se durante largas semanas o Real tinha sido o único comboio, agora estava a perder o comboio. De acordo com a ESPN, houve mais chamadas de pessoas relevantes do país e não só da política.
A cedência das “chaves” do clube, como escreve a publicação, foi o último fator a motivar a surpreendente viragem nas intenções. Por mais do que uma vez, Mbappé garantiu que é apenas mais um jogador do PSG mas são vários os órgãos que avançam com essa garantia: é a cara, a cabeça e o coração de todo o projeto desportivo dos parisienses. E, com isso, espera não só superar Cavani como melhor marcador de sempre da formação do Parque dos Príncipes (está a 29 golos de distância) como ganhar a primeira Champions do clube ou estar no PSG durante os Jogos de Paris – os mais ousados arriscam mesmo colocar em cima da mesa a possibilidade de, além do Europeu na Alemanha, poder ser também um atleta olímpico.
????️ « C'est incroyable d'avoir ce sentiment là »
Entre fierté et passion, le Président Nasser Al-Khelaïfi et @KMbappe se confient au micro de https://t.co/VoZ3YaGYQk ! ????️#???????????????????????????????????????????????????????????? ???????? pic.twitter.com/27UZbRgqhV
— Paris Saint-Germain (@PSG_inside) May 24, 2022
“Não falámos de dinheiro a não ser no final, o mais importante era o projeto desportivo. Só falámos do contrato e dos direitos de imagem no final, por uns minutos. Quero agradecer ao Real Madrid, vesti a sua camisola desde os 14 anos e sempre sonhei com isso. Espero que entendam a minha decisão. Compreendo a sua deceção mas sou francês mas quero continuar e ganhar títulos aqui. Tomei a decisão na semana passada, não disse nada aos meus companheiros e pedi ao PSG que guardasse silêncio. Agradeço o esforço que fizeram por mim, espero que tenha feito a melhor escolha. Vai começar uma nova era, não sei o que será o futuro. Eu não disse ‘não’ ao Real Madrid, eu disse ‘sim’ à França e ao projeto que me foi apresentado pelo PSG”, comentou Mbappé, não fechando as portas aos espanhóis… a partir de 2025.
Os dois portugueses que entraram na novela (e um para ficar no PSG)
“Conversas com Macron? Sim, falámos muitas vezes. Queria que ficasse. É uma das várias pessoas com quem fui falando de futebol. É aqui que o futebol tem mudado e ocupa um espaço importante na nossa sociedade”, comentou também o jogador. A permanência de Mbappé em França teve mais “fenómenos” do que é normal neste tipo de situações mas, como destaca o L’Équipe, houve uma razão de peso na fase mais decisiva das negociações: a promessa de que a “disfuncionalidade” do futebol parisiense iria ser resolvida para ter outras condições para o sucesso. E é aqui que entram dois portugueses na história.
FIFA has recently sanctioned a bunch of FAs following government interference in footballing affairs. Macron's squeeze on Mbappe probably not one they will want to weigh in on however: https://t.co/b3vmz9PUzX
— tariq panja (@tariqpanja) May 23, 2022
Por um lado, e de forma bem mais discreta, Antero Henrique. Como conta o jornal As, o antigo diretor desportivo do PSG, que é hoje diretor desportivo da Liga Qatar por aprovação do Comité Executivo da Associação de Futebol do país, terá estado em Paris nas últimas três semanas como uma espécie de último interlocutor do clube para chegar à renovação de contrato depois de ter sido uma peça chave na sua vinda em 2017 já depois de ter assegurado a compra de Neymar ao Barcelona por 222 milhões de euros.
Nesse período, e aproveitando a confiança e proximidade que tem com a família e com o jogador, Antero Henrique terá estado diariamente em contacto com todas as partes interessadas para acompanhar aquela que foi uma viragem em relação a uma mudança que parecia certa. Mais: Mbappé acredita que, mesmo não estando ligado ao clube de forma direta, o antigo administrador e CEO do FC Porto é alguém com muito know how a nível de gestão e organização de uma equipa de futebol, o que deixou o jogador mais tranquilo em relação a todas as mudanças que entende serem necessárias a breve prazo no PSG.
Antero, um português no PSG: cinco línguas, a agenda XXL e um plano para levar Neymar
Por outro, Luís Campos. O antigo diretor desportivo do Mónaco e do Lille (foi campeão em ambos), que estava agora ligado enquanto conselheiro ao Celta de Vigo – e alguns meios espanhóis asseguram que, se Mbappé tivesse mesmo seguido para o Santiago Bernabéu, o português iria também ter funções no clube merengue, depois da passagem na altura de José Mourinho –, é apontado ao PSG numa espécie de “dois em um” para agradar a Mbappé, trazendo para dentro do Parque dos Príncipes alguém de quem é amigo e confidente e provocando aquela que deverá ser uma das primeiras saídas nos franceses: Leonardo.
PSG working on adding the recruitment of Luis Campos as sports director to the coup of persuading Kylian Mbappe not to join Real Madrid.
Currently discussing details of Campos’ role. Contract yet to be signed.https://t.co/2XhU71DWmj pic.twitter.com/UOp2x0cheh— Duncan Castles (@DuncanCastles) May 24, 2022
“Futuro? Poderão saber proximamente. Este é um momento de reflexão também para mim, de discussão que faz parte da nossa vida e vamos aguardar pelos próximos dias e percebeu efetivamente aquilo que irei fazer durante a próxima época”, comentou Luís Campos esta terça-feira à margem do XVI Congresso Internacional de Futebol que decorreu na Maia. O português deverá ser indicado como figura de “conselheiro técnico” do PSG nos próximos dias, tendo como uma das primeiras missões a escolha de um novo treinador para suceder a Mauricio Pochettino. Zidane é o nome mais desejado mas também o mais complicado mesmo perante uma oferta milionária. Depois, seguem-se nomes vários nomes como Joachim Löw, Marcelo Gallardo, Thiago Motta, Sérgio Conceição, Conte, Christophe Galtier ou Rúben Amorim. Essa será uma escolha vital no projeto do clube. E, de forma aparente, também passará por… Mbappé.