A história de Eduardo Camavinga tinha tudo para ser o grande destaque do Real Madrid no rescaldo daquele que foi mais um último dia do mercado de transferências com muitas movimentações. Não é, longe disso.

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A jovem estrela francesa resgatada ao Rennes por 31 milhões de euros (que podem chegar a 45 milhões com variáveis) terminava também contrato no final da temporada mas tornou-se reforço do conjunto espanhol num movimento de antecipação que surpreendeu PSG, Manchester United e outros. Nascido num campo de refugiados no norte de Angola, fugiu da guerra com a família para Lille quando tinha apenas dois anos. Foi aí, a mais de 6.000 quilómetros, que começou no judo mas passou para o futebol por conselho da mãe. Aos 11 anos, foi visto pelos olheiros do Rennes e a família aceitou o convite depois de um incêndio ter devastado a casa onde viviam. O talento estava lá e, apenas uma época depois de ter feito a estreia na equipa A de França com 17 anos, chega ao Real Madrid para provar que nenhum sonho é impossível.

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Camavinga, que até começou por ser inscrito pelo Castilla (equipa B), deveria ser a coqueluche de que todos falavam ao reforçar um meio-campo onde assentou o tricampeonato europeu do clube com Casemiro, Toni Kroos e Luka Modric. Ao invés, e mais uma vez, é de outro francês que se fala – e vai continuar a falar.

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Depois de uma longa novela com capítulos quase humorísticos pelo meio nas derradeiras horas de mercado, Kylian Mbappé ficou mesmo no PSG. Ainda houve mais uma investida do Real, ainda houve mais uma nova tentativa de renovação de contrato dos franceses, sobraram as equipas preparadas em Valdebebas e aquele desabafo do jogador de madrugada. Questão: a ida para Madrid parece ser uma questão de tempo.

O dia começou com as notícias dos meios franceses, neste caso o L’Équipe, que davam conta de um mal-estar na seleção gaulesa por tudo o que estava a acontecer, alicerçado também nas feridas que sobraram ainda da eliminação do Campeonato da Europa e da ausência de Olivier Giroud da convocatória depois do choque que teve com Mbappé antes do Europeu. Da parte do avançado, sobrava apenas a frase “Estou tranquilo” que tinha atirado na chegada à concentração dos bleus, em Clairefontaine. No entanto, a vontade de passar ao lado do tema era evidente, como ficou bem expresso nas imagens que a Federação Francesa de Futebol foi disponibilizando do treino conjunto da equipa onde nunca o jogador do PSG apareceu.

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Em Madrid, mais concretamente em Valdebebas que se tornou ainda mais o coração do futebol da formação espanhola desde que começaram as obras de renovação do Santiago Bernabéu, estava tudo preparada para a operação de última hora. Florentino Pérez, presidente do Real, apareceu ao final do dia quando assistiu ao jogo da Champions de futebol feminino entre as merengues e o Manchester City, sendo visível por mais do que uma vez as chamadas que ia fazendo e as mensagens que ia enviando. Contando com a vontade de mudança do avançado, os sete contratos estavam prontos para assinar (o do clube, o do PSG, o do jogador, o dos intermediários e até um da mãe, envolvida igualmente no negócio) e uma equipa de quatro advogados encontrava-se de piquete para entrar em ação. O sinal, esse, não apareceu. E tudo ficou na mesma.

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Depois de uma primeira proposta de 160 milhões de euros recusada, que levou ainda assim Leonardo, diretor desportivo do PSG, a chamar alguns jornalistas para manifestar que poderia haver abertura para uma venda mas por valores superiores, o Real voltou à carga com uma oferta de 170 milhões mais dez em vairáveis que ficou também sem resposta. Na antecâmara do último dia, os espanhóis chegaram aos 200 milhões e a Sky Sports, citando fontes do clube de Madrid que se encontravam em Paris, apontou mesmo a possibilidade de essa fasquia aumentar para um valor próximo dos 222 milhões pagos pelos franceses por Neymar. Essas propostas também não tiveram qualquer resposta mas foram decididas bem longe de Paris.

A partir de um palácio do Qatar, não houve abertura para ceder o jogador. Mais do que isso, foi dali que veio a luz verde para uma espécie de contra-ataque para virar a novela: após uma oferta de 40 milhões de euros por época para renovar, o PSG fez chegar aos representantes do jogador uma proposta de renovação de duas épocas, até 2024, com Kylian Mbappé a receber 45 milhões de euros líquidos por temporada, naquilo que seria um encargo de 135 milhões de euros para o clube, segundo o Le Parisien, tendo em conta não só toda a carga fiscal que existe em território francês mas também um chorudo prémio de assinatura. Mais uma vez, até perante a possibilidade de ficar acima de Messi e Neymar, o dianteiro de 22 anos recusou.

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Depois do treino vespertino na seleção, por volta da hora de jantar, Mbappé percebeu que não iria mudar-se (pelo menos para já) para o Real Madrid como parece ser a sua vontade. Mais do que isso, como conta esta quarta-feira a imprensa espanhola, sentiu-se “traído” por não ter havido sequer uma resposta à investida final dos espanhóis. Do lado dos principais jornais franceses, como o L’Équipe, surge a informação de que “vários agentes de renome” tentaram desbloquear a situação mas que do palácio de Tamim bin Hamad Al Thani não houve abertura. Aliás, essa é a nota que fica: a decisão passava pelas mãos do emir do Qatar e o veredicto foi não vender e continuar a tentar renovar mesmo sabendo que, daqui a seis meses, o jogador poderá assinar a custo zero por qualquer outro clube. Mais: existe a convicção que o tridente ofensivo que será formado por Messi, Neymar e Mbappé será a chave para a conquista da primeira Champions.

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Ao final da noite, já depois do “gosto” colocado nas redes sociais de Camavinga após ser anunciado pelo Real, surgiu a partilha de uma storie no Instagram de um seguidor (“cheromar”, seguido também por Ander Herrera e Ángel Di María) com o texto “Respeito o teu profissionalismo, irmão. Reprograma os teus sonhos. A vida é bela, és o melhor” acompanhado de uma foto do jogador e com a música “Dream On” dos Aerosmith. Três minutos depois, Kylian Mbappé apagou essa partilha, não sendo suficientemente rápido para evitar que a Marca conseguisse ver para tirar uma imagem que continua ainda hoje a ser falada.

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A montanha acabou por parir um rato mas os próximos meses prometem trazer muitos mais capítulos de uma novela em aberto onde, até 31 de agosto, Mauricio Pochettino foi o único que ganhou. O Real, e em particular Florentino Pérez, terá de atrasar um ano toda a sua planificação económica e desportiva para uma nova era que concilie o sucesso em campo com nomes grandes do futebol com o aumento das receitas com a reabertura do Santiago Bernabéu para amortizar o enorme investimento feito na infraestrutura, sendo que as últimas duas épocas, entre vendas, saídas e empréstimos, foram preparados para este momento. O PSG vai ficar com o jogador por mais um ano mas sabe que corre o sério risco de ver sair a grande referência de futuro da equipa sem retorno financeiro caso não renove. O jogador viu adiada a vontade de rumar ao clube que elegeu como o próximo destino sem saber como serão os próximos meses em Paris. Uma coisa é certa: a proposta para assinar a custo zero a partir de 1 de janeiro de 2022 já está a ser preparada.