Sílvia Catarino nasceu em Aveiro numa família de ourives e começou por estudar design gráfico, mas a herança artística falou mais alto e em 2001 decidiu mudar-se para Itália para estudar joalharia de autor. Depois de Florença, descobriu Milão e foi lá que contactou mais diretamente com o mundo da moda, explorando todas as suas possibilidades, lançando uma marca homónima de acessórios, com clientes distribuídos por Itália, Tóquio ou Paris.
“Tinha coleções muito artísticas, como cintos em pele, colares de grandes dimensões ou cachecóis que eram também joias. Sou apaixonada por artes e ofícios mais antigos e as minhas inspirações vêm sobretudo do meio artístico e do mundo natural”, conta ao Observador.
Em 2006, a designer decide regressar a Portugal para se aventurar no universo do calçado, um terreno que nunca tinha pisado. “Por ser uma indústria mais complexa e exigente, senti necessidade de fazer uma formação específica”, recorda, acrescentando que foi em São João da Madeira, no Centro Tecnológico do Calçado, que aprendeu tudo o que sabe sobre moldes, solas ou tamanhos.
Já com uma bagagem de conhecimentos em técnicas e processos diferentes, abriu mais tarde uma agência de produção e design de calçado, colaborando com várias marcas francesas e suecas no desenvolvimento das suas coleções em solo nacional. Depois de 10 anos a trabalhar intensamente com a indústria, Sílvia sentiu que era altura de abrandar o ritmo, aprofundar a sua criatividade e ganhar “mais liberdade de expressão”. Com “um ateliê às costas”, a designer, assumidamente nómada, passou por Lisboa, viveu em Vila do Bispo e de regresso ao Porto, em 2022, lançou a Cordoa, uma marca cujo nome é inspirado na palavra “cordwainer”, referente a sapateiros e artesão antigos.
À boleia de uma nova assinatura no mercado, a designer questiona e adapta ideias e técnicas, reinventa conceitos e contacta diretamente com os clientes. “Comecei pelas sandálias porque são o modelo de calçado mais simples, faço-as de forma completamente artesanal, com tempo e dedicação.”
Materiais biodegradáveis, modelos unissexo e acessórios “fora da caixa”
A preocupação ambiental traduz-se na escolha dos materiais, por isso, todas as sandálias da Cordoa são feitas com pele bovina de curtimenta vegetal, vinda diretamente de Itália. Neste caso, a pele é tratada apenas com taninos naturais extraídos de árvores, sem a adição de crómio ou outros componentes tóxicos, e o processo de curtimenta baseia-se numa técnica ancestral que dá à matéria-prima um aspeto natural, mesmo com as pequenas irregularidades do grão.
À exceção da pele, todos os restantes materiais são portugueses, como as fivelas e tachas, feitas com metal isento de níquel que se ajustam facilmente ao pé, ou as solas de couro espesso com várias inserções em borracha natural anti-derrapante, que garante maior aderência e resistência. Em todo o processo são utilizadas colas com uma base de água, óleos naturais e cera de abelhas, em substituição de produtos feitos com componentes químicos. “Escolho materiais vivos que envelheçam bem”, sublinha a designer, destacando a palete de tons, igualmente naturais, dos sete modelos disponíveis: preto, mel, castanho ou bordeaux.
Clássicas, intemporais, práticas e confortáveis, as sandálias rasas da Cordoa vão do número 36 ao 41, são produzidas em pequenas quantidades no ateliê de Sílvia Catarino, no Porto, e variam entre os 170 e os 235 euros. Para garantir a sua longevidade, não devem ser molhadas ou expostas a temperaturas muito altas, a pele deve ser hidratada regularmente com um produto próprio e um pano macio e caso sejam molhadas devem secar apenas ao ar livre.
No futuro, a intenção da designer passa por confecionar modelos masculinos e unissexo e ampliar o leque de produtos da marca. “No calçado estou presa aos moldes e aos tamanhos, nos acessórios tenho mais liberdade criativa”, confessa, revelando que depois do verão o objetivo é vender artigos mais “fora da caixa”, como carteira e cintos, feitos com materiais sustentáveis e amigos do ambiente.
Para já, o calçado da Cordoa está à venda online, mas em breve terá pontos de venda em espaços físicos no país, sendo que o ateliê de Sílvia Catarino, na baixa do Porto, pode ser visitado por marcação. É lá que poderá ver de perto todo o processo de confeção e até personalizar alguns detalhes.
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