O Ministério Público pediu ao Tribunal da Relação de Lisboa que agrave a pena de seis anos de cadeia aplicada a Ricardo Salgado para dez anos por três crimes de abuso de confiança de que foi acusado no processo separado da Operação Marquês. Já a defesa pediu que o processo volte à primeira instância e que seja comprovada em tida em conta a doença de Alzheimer diagnosticada ao antigo presidente do BES.

No recurso já enviado para o tribunal da Relação de Lisboa, e a que o Observador teve acesso, o procurador Vítor Pereira Pinto começou por discordar das penas parcelares de quatro anos de cadeia aplicadas por cada um dos crimes de que o arguido vinha acusado. O Ministério Público pede assim “uma sensível agravação” destas penas em pelo menos um ano cada uma. Para depois, em cúmulo jurídico, serem considerados fatores que considera não terem pesado o suficiente na decisão de primeira instância que acabou a fixar a pena em seis anos.

O procurador lembra que em causa estão crimes que envolvem “elevadíssimos montantes” de que o arguido se apropriou (entre 2,75 milhões e 4 milhões), “valor que 95% ou mais da população nunca conseguira auferir durante toda a vida de trabalho”, o que aliás já tinha reiterado em alegações finais durante o julgamento. Para o MP deve também pesar que por altura dos crimes, Salgado tinha uma grande responsabilidade como CEO do Grupo Espírito Santo, tinha já uma vida confortável ganhando dezenas milhares de euros e, apesar dos seus 66 anos, “não se coibiu de praticar os factos”, o que para o procurador só tem uma explicação:  “pura ganância”. Por outro lado, lembra no recurso, Ricardo Salgado tentou sempre encontrar justificações para os movimentos financeiros que fez, negando qualquer crime e não mostrando arrependimento.

Assim, o tribunal de primeira instância tinha fixado para cada um dos três crimes uma pena parcelar de quatro anos, que em cúmulo jurídico ficou numa pena final de seis anos. Mas no recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, o MP pede que estas penas sejam elevadas cada uma delas para seis anos, dando uma pena total de dez. Caso a Relação não entenda colocar o mesmo peso na equação, então, diz o Ministério Público, no limite que condene o arguido a seis anos e oito meses de prisão.

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Tribunal condenou Salgado a 6 anos de prisão e não suspendeu pena devido a Alzheimer, como pedia a defesa. Os argumentos usados pelos juízes

Defesa pede que se avalie doença de Alzheimer

Antes do recurso do Ministério Público, também a defesa de Salgado já tinha apresentado à Relação quase 800 páginas de argumentos ou para fazer revogar o acórdão, e fazer o processo regressar à primeira instância para suprir nulidades, ou para serem os próprios desembargadores a fazerem aquilo que os advogados Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce consideram que o tribunal de primeira instância não fez: avaliar a doença de Alzheimer diagnosticada a Salgado e tomá-la em conta na medida na pena, nem que fosse para suspender  — como aliás, recordam, fez o tribunal de Viseu ao suspender uma pena de cadeia de sete anos a um arguido precisamente por ele sofrer de Alzheimer. Os advogados pedem mesmo que em caso de haver dúvida em relação ao relatório médico apresentado, que o tribunal peça uma perícia ao arguido.

O tribunal “desconsiderou e ignorou que ‘a doença de Alzheimer consiste numa doença neurodegenerativa progressiva e irreversível com aparecimento insidioso, que pressupõe perdas de memória, bem como um leque de distúrbios cognitivos, comprometendo assim a autonomia do idoso’”, argumenta a defesa, traçando um cenário fatal no caso de o ex-presidente do BES cumprir uma pena de prisão. “Afigura-se evidente que uma qualquer prisão efetiva – ainda para mais na duração determinada no acórdão recorrido – causará ou, pelo menos, acelerará o falecimento do ora arguido”, lê-se.

A defesa considera ainda, ao contrário do que pede o Ministério Público, que cada pena parcelar deve ser reduzida e que no limite o arguido deve ser condenado a uma pena de cinco anos suspensa. Ou seja deve ficar em liberdade. Ou, então, que os desembargadores considerem que em vez de três crimes de abuso de confiança agravado, existiu apenas um na forma continuada.

Entre os vários cenários possíveis para reduzir a pena de Salgado, os advogados aproveitam para lançar críticas à decisão cuja origem foi uma decisão do juiz Ivo Rosa no processo Marquês. E criticam o facto de algumas partes da decisão serem “um copy / paste acrítico de uma minuta decisória”, lembrando que a certa altura “há uma referência aos “arguidos” (no plural)”, quando só havia um arguido no processo. Ele, Ricardo Salgado.

Os três crimes de Salgado

Ricardo Salgado foi acusado e condenado por três crimes de abuso de confiança. O tribunal condenou-o a uma pena de quatro anos por cada um destes crimes, o que numa soma aritmética daria 12 anos. Mas, em cúmulo jurídico, as contas fixaram-se em seis anos de cadeia, e sob obrigação de o arguido a informar o tribunal cada vez que se ausentar do país.

O tribunal considerou os três crimes, que correspondem a três movimentos financeiros, pelos quais foi pronunciado completamente provados:

  1. A transferência, em outubro de 2011, de 4 milhões de euros da Espírito Santo (ES) Enterprises S.A., na Suíça, para uma conta da Credit Suisse da sociedade offshore “Savoices, Corp. (controlada por Ricardo Salgado). Segundo a pronúncia, a ES Entreprises era uma conta usada por Salgado para realizar pagamentos sem que a sua origem, destino e justificação fosse revelada.
  2. A transferência, em novembro de 2010, de 2,75 milhões de euros com origem na ES Enterprises, de conta titulada pela sociedade “Green Emerald Investments, controlada por Hélder Bataglia, para a conta da Crédit Suisse titulada pela Savoices de Salgado.
  3. A transferência, em novembro de 2011, de 3,967 milhões da conta Pictet & Cie. S.A., titulada por Henrique Granadeiro, com destino a uma conta da Lombard Odier titulada pela sociedade offshore Begolino SA, controlada por Ricardo Salgado.