A final de 2016 entre os Golden State Warriors e os Cleveland Cavaliers, naquele que foi o último título de LeBron James antes de rumar aos Los Angeles Lakers, foi uma exceção a uma regra mais ou menos básica numa decisão da NBA: o jogo 5 numa decisão que esteja empatada tem muito de decisivo no seu desfecho. Por aqui se percebia a importância da última partida em São Francisco, por aqui se sentia também toda a frustração dos Boston Celtics perante o desaire contra os Warriors por apenas dez pontos (104-94).

Steph Curry é alguém que termina o que começa (da especialização em Sociologia à final da NBA)

Que o conjunto da Conferência Este tem uma das melhores defesas da NBA, ninguém duvida. Que colocar uma formação adversária a ter uma percentagem de 16,7% de triplos entre o cinco inicial com 30 tiros tentados era meio caminho andado, todos sabiam. Que deixar Steph Curry em branco nos lançamentos de três em nove tentativas funcionava como chave, era uma inevitabilidade. Tudo isto aconteceu mas nem assim os Celtics, que deram ideia de ter o encontro na mão, conseguiram evitar a derrota perante um Andrew Wiggins a um nível All-Star (quiçá até MVP). Pela primeira vez em 233 jogos seguidos, o grande atirador da NBA só teve pólvora de seca de fora depois dos 43 pontos no jogo 4. Ainda assim, a sua equipa estava apenas a um triunfo de ganhar o quarto título em seis finais nas últimas oito temporadas.

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“Bem, na verdade não me recordo de estar tão feliz perante uma percentagem de zero em não sei quantos lançamentos esta noite. Sabendo o contexto do jogo, ficou provado que as outras formas com que tentámos ter impacto no jogo e o facto de os outros quatro jogadores terem fórmulas de sucesso ajudaram a ganhar o jogo no plano ofensivo”, atirou o lançador que, de acordo com uma história contada pelo técnico Steve Kerr antes do jogo 6 em Boston, foi também muito inspirado em Roger Federer. “O Draymond [Green] quis saber como ele estava àquele nível durante 20 anos. A resposta foi simples e profunda: ‘Amo o meu ritual diário. Acordo, faço o pequeno almoço dos miúdos, deixo-os na escola, vou treinar e procuro os melhores métodos para ser o melhor com a minha idade. Adoro competir mas com isto deito a cabeça na almofada e penso que tive um grande dia’. O Steph é muito parecido nesse processo”, contou.

Mais ou menos discreto, com mais ou menos compromissos, essa é também a filosofia de Curry, que podia chegar ao quarto título da NBA em oito anos com uma equipa com mais jovens valores a despontar do que as restantes gerações. Podia e não perdoou: assumindo-se como expoente máximo da equipa, o número 30 teve uma exibição ao seu melhor nível e mostrou que já se pode falar de uma dinastia de uma equipa que nos últimos anos esteve nas decisões e que tem condições para voltar ao patamar a médio prazo.

O primeiro período do encontro mostrou bem como pode mudar um jogo e uma final num par de minutos: com Jason Tatum e Jaylen Brown (sete pontos cada) em destaque, e com a agressividade defensiva a ter o mérito de travar o ataque dos Warriors, os Celtics obrigaram Steve Kerr a parar a partida com apenas 2.35 minutos jogador e um parcial de 12-2, a vantagem ainda passou para 12 pontos (14-2) mas os visitantes conseguiram uma reviravolta total no rumo dos acontecimentos com cinco pontos cada de Steph Curry, Klay Thompson, Jordan Poole e Daymond Green, acabando na frente por 27-22 com vários triplos.

O parcial dos Warriors ia nos 11-0 com um lançamento exterior improvável de Poole à tabela mas, quando se pensava que o descanso faria bem aos Celtics, o arranque do segundo parcial foi ainda pior para a equipa de Boston: lançamentos falhados, perdas de bola sem tiro, muitos erros ofensivos, total passividade na fase defensiva e a passagem para um parcial de 21-0 em poucos minutos que inverteu uma desvantagem de 12 pontos para um avanço de 15 pontos em menos de um período. Mais: em 9.35 minutos, os Warriors conseguiram um registo improvável registo de 35-8 que deixava Curry aos pulos no banco. O jogo estava de loucos, com os Celtics a recuperarem depois para 37-29 com uma fase de 8-0 mas os visitantes a terem de novo um disparar na frente para mais de 20 pontos de avanço (54-33), acabando com 54-39 ao intervalo.

Os Celtics tinham um recorde de turnovers numa primeira parte da final (12) e viam o primeiro match point contra si cada vez mais na mão dos Warriors, que voltaram dos balneários com as mãos a ferver e a marcar todos os lançamentos exteriores que iam tentando com o inevitável Steph Curry em destaque. Até quando a coisa não corria bem havia sempre um Wiggins no ressalto ofensivo para ganhar a bola, o que levou o jogo 6 para números de 72-50 após um triplo de Curry que na reação começou a contar os anéis de campeão nos dedos… já com o de 2022. Parecia feito mas os Celtics ainda mostraram que tinham mais uma vida, numa recuperação que deixou a partida por dez pontos no final do terceiro período (76-66).

Da equipa às bancadas, faltavam apenas 12 minutos para evitar a derrota no jogo, na final e na época. Era esse o desafio da equipa de Boston, que entrou com moral em alta para fazer história sendo só o segundo conjunto a conseguir anular 15 pontos de desvantagem ao intervalo numa final (o registo era de 53-1). Se é verdade que Jaylen Brown foi o melhor e que Al Horford cresceu muito no segundo tempo, Jason Tatum teve “falta de comparência” quando a equipa mais precisava e Curry abriu as últimas páginas de um livro que parece não ter fim (90-103), dando a machadada final em mais um encontro acima dos 30 pontos (34) para a festa do quarto título da carreira que coloca os Warriors como terceira equipa da NBA com mais troféus, agora à frente dos Chicago Bulls e apenas atrás dos Los Angeles Lakers e… dos Boston Celtics.