A mina da vida e da carreira de Elvis Presley foi já exaustivamente explorada e analisada, em filmes e telefilmes mais ou menos ficionados, documentários, programas de televisão e biografias, até ao mais ínfimo detalhe, à informação mais anódina, ao facto mais insignificante. Em “Elvis”, Baz Luhrmann procura trazer algo de novo a este imenso “corpus” elvisiano e roda o filme do ponto de vista do empresário do cantor, o coronel Tom Parker (que não era coronel nem se chamava Tom Parker e nem sequer era americano, mas Luhrmann não se preocupa em pesquisar com algum detalhe o passado do seu narrador omnisciente, nem em explicar a sua complicada relação pessoal e profissional com Elvis), interpretado por um Tom Hanks desfigurado por um nariz postiço e uns bons quilos de maquilhagem prostética, com uma voz que rapidamente dá nervoso miudinho.

[Veja o “trailer” de “Elvis”:]

Parker foi o mentor e o chupista-mor de Elvis Presley (Austin Butler) e em “Elvis” Baz Luhrmann pinta-o como uma mistura de figura mefistofélica, vigarista encartado, empresário arguto e segundo pai nefasto, mas o filme nunca se interessa especialmente por ele. É pouco mais do que o vilão de serviço, e a sua história após a morte de Elvis é resumida em meia dúzia de palavras na ficha técnica final. No que a Elvis diz respeito, a fita funciona como uma versão “Reader’s Digest” da sua vida e carreira, cheia de lugares-comuns, de simplificações e de estenografia biográfica, desde os seus tempos de juventude em Tupelo e Memphis, onde esteve intensamente exposto à música negra, até à longa estadia em Las Vegas e à decadência física, com bastantes omissões, algumas  liberdades e muita condensação temporal. Luhrmann não resiste também a tentar puxar Elvis, reconhecidamente conservador e republicano, para o campo liberal.

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[Veja uma entrevista com Baz Luhrmann e Austin Butler:]

https://www.youtube.com/watch?v=KkbJeyuQg8Y

As simpatias de Baz Luhrmann estão claramente com Elvis e o realizador de “Moulin Rouge!” faz Tom Parker carregar com praticamente todas as culpas daquilo que de mau e de degradante lhe sucedeu, sobretudo na parte final da sua existência, e sempre de forma muito pouco subtil. Como acontece na sequência passada num espectáculo em Las Vegas, onde Elvis canta “Suspicious Minds” para que nos fique bem claro, pela letra, que ele está preso ao seu empresário como um animal apanhado numa armadilha por um caçador. Luhrmann evita também mostrar o Elvis obeso, decadente e afetado pelo abuso de fármacos da fase final. E quando o faz, é através de imagens de arquivo mesmo no fim, a interpretar “Unchained Melody” ao piano num concerto poucas semanas antes de morrer, a suar em bica, a cara inchada e o corpo disforme, mas a voz tão poderosa como quando era jovem, elegante e uma ameaça à sociedade e aos bons costumes, por canções e meneios.

[Veja uma entrevista com Tom Hanks:]

Baz Luhrmann é um cineasta reconhecidamente espalhafatoso, e poucos são os momentos de sossego que concede ao espectador ao longo das quase duas horas e meia de “Elvis”. A começar no genérico de abertura e a acabar na ficha técnica, o filme é uma girândola de malabarismos de câmara, efeitos visuais e sonoros vistosos e invasores, montagens paralelas, imagens caleidoscópicas, sobrepostas e “paralíticos”, “split screens” à moda dos anos 60 e 70, câmara lenta e até mesmo uma sequência animada, para figurar a paixão de Elvis pelos “comics” e pelo seu super-herói favorito, o Capitão Marvel Jr., que Luhrmann utiliza também para fazer associações “simbólicas” e muito forçadas à vida do cantor. Quanto a Austin Butler, dá o litro todo no papel de Elvis Presley, mas não é melhor nem pior do que muitos dos seus imitadores mais esforçados. E “Elvis” também não vai mais longe do que esta frenética coleção de generalidades.