Na sequência do ensaio “Brigadas Revolucionárias: Unir, Organizar, Armar, em nome da Revolução Socialista”, publicado a 25 de junho, recebemos de Isabel do Carmo o seguinte Direito de Resposta, que publicamos ao abrigo da lei:

“A 25 de Junho de 2022 foi publicado no Observador o artigo/ensaio de Manuel Castelo-Branco (M.C-B) intitulado Brigadas Revolucionárias: Unir, Organizar, Armar, em nome da Revolução Socialista, que pretende analisar e denunciar a acção mortífera das Brigadas Revolucionárias (BR) e a minha pessoa (“a única viva”, tal como escreveu). Baseando-me no direito de resposta, reportar-me-ei aos factos e não entrarei em polémica com o autor em questões ideológicas referentes aos posicionamentos perante a ditadura, anterior ao movimento militar do 25 de Abril e aos factos posteriores a este.

  1. As BR, na sua constituição, a qual é referida largamente pelo autor, consideraram que, após na altura 44 anos de resistência, só acções armadas poderiam fazer parte da queda do regime, para a qual pensam ter contribuído. Através de movimentações democráticas esse objectivo era impossível, como se provou pelo êxito do movimento das Forças Armadas, que derrotou pela força a ditadura. Desde a declaração inicial as BR afirmaram-se veementemente contra execuções políticas.
  2. As BR nunca se “estabeleceram em Argel”. Nem eu, nem o Carlos Antunes vivemos em Argel. A rádio Voz da Liberdade com sede em Argel passou a estar conectada com as BR.
  3. A morte de um agente da PSP num assalto a 18.03.1976 não consta de nenhuma das acusações, nem dos meus processos, nem dos do Carlos Antunes, descritas de forma integral, no julgamento iniciado em Novembro de 1979 no tribunal da Boa-Hora.
  4. É a primeira vez que tomo conhecimento que realizámos um “ataque à bomba contra um comboio mineiro” na Mauritânia “em nome da Frente Polisário” em 1978, de que resultaram oito mortos. É uma afirmação delirante, que nos coloca em teatro de guerra e com uma capacidade enorme… Sem comentários.
  5. É também a primeira vez que tomo conhecimento que estávamos “sob o comando e a folha de salários do COPCON” até Julho de 1975, na base de um tal saco azul dessa instituição. Eu, o meu companheiro e a minha filha vivíamos de um pequeno montante, oriundo do período anterior ao 25 de Abril. Eu entregava ao partido o ganho das consultas que ainda fazia. Não tínhamos casa, vivíamos no sótão da sede do PRP. Vendíamos o Revolução na rua, tínhamos assinantes, mas também tínhamos dívidas na tipografia Mirandela. Não fora a origem desta acusação e sentir-me-ia muito ofendida. Não me sinto.
  6. É novamente delirante a acusação de que planeávamos a execução de Jaime Neves e Pires Veloso em Novembro de 1975. Eu e o Carlos Antunes (tenho que responder por ele) éramos contra qualquer espécie de execuções. Ponto final.
  7. As sempre referidas armas desviadas de Beirolas, de que é acusado o capitão Fernandes, ficaram de facto “em boas mãos”, pois nenhum dos actos de que foram acusadas posteriormente as Forças Populares 25 de Abril (FP’s 25) foi descrito como tendo sido praticado com qualquer dessas armas.
  8. A execução de Plácido a 15 de Novembro de 1979, em vésperas do nosso julgamento na Boa-Hora, diz M.C-B, que nos foi “juridicamente benéfica”. Não sei por qual raciocínio chegou lá. Foi evocada logo no início do julgamento pelo juiz-presidente, aliás herdado do Tribunal Plenário e decerto inspirou as penas pedidas pelo Ministério Público e decididas pelos juízes. Foram depois anuladas na Relação. Sobre essa execução tomámos posição na comunicação social logo que dela soubemos, condenando-a literalmente.
  9. Diz o autor, citando um então responsável do Jornal Expresso que “ a qualidade dos advogados dizia muito sobre a capacidade financeira da organização”. Esta afirmação é injuriosa para o Dr. Jorge Fagundes e o Dr. Guilherme de Palma Carlos, que, tal como faziam antes do 25 de Abril, não receberam um tostão por esta e todas as defesas que fizeram ao longo dos nossos vários julgamentos e processos judiciais, que duraram quatro anos. Ambos já nos deixaram, mas estão vivas as famílias, que o podem testemunhar.
  10. As “greves da fome que tão depressa acabavam como começavam” é uma mentira. Eu e mais vinte e nove presos, fizemos uma greve contínua de 30 dias, até à publicação da lei de amnistia. Os processos clínicos, constantes no Hospital – Prisão de Caxias e no Hospital de Santa Maria existem, podem ser consultados e verifica-se que, em algumas análises laboratoriais, a morte podia estar eminente. Pede-se mais respeito para quem, como eu, olhava para elas e sabia o seu significado.
  11. Corresponde à verdade o caso dos ferimentos das mãos e dos olhos de duas crianças quando do rebentamento dos petardos no decurso da greve da fome da Capela do Rato. Aliás estiveram presentes nas provas de doutoramento do Professor António Araújo na Universidade Católica, que tiveram como objecto esse acontecimento. O meu ex-companheiro e a minha filha também estiveram presentes, não virando costas a essa realidade. É evidente que lamentamos profundamente esse acidente. Mas queremos também clarificar que o “caso da Capela do Rato” não foi um aproveitamento do movimento dos católicos progressistas, como é insinuado. A maioria dos católicos presentes na Capela do Rato participou da organização e desconhecia o envolvimento das BR. Mas a pessoa que assumiu a palavra e fez a intervenção para declaração da greve da fome contra a guerra colonial, Conceição Moita, tal outros presentes e posteriormente presos, era militante activa das BR e conhecia o plano dos petardos e da distribuição dos comunicados à porta das igrejas no dia seguinte, como se pode verificar nos resultados dos interrogatórios da PIDE, já disponíveis há vários anos. Na capela também estavam militantes das BR, não católicos, como era o meu caso e outros.
  12. O juiz António Augusto Santos Carvalho, cujo currículo é notável, aplicou a amnistia aos restantes réus. Não aplicou a mim e ao Carlos Antunes. Nós não fomos condenados, fomos absolvidos, nunca fomos amnistiados. Como consta da deliberação final do juiz, que é uma peça histórica.
  13. A minha condecoração por Jorge Sampaio, grande e respeitável Presidente da República, foi integrada num conjunto de condecorações de lutadores contra a ditadura, que envolveu outras organizações armadas, republicanos, comunistas e anarquistas. Lutámos mesmo… Por muito que doa aos fiéis do antigo regime, mesmo passados quase cinquenta anos.
  14. Quanto à distribuição de “milhões” de bancos, deve referir-se às pessoas que estavam nas sedes bancárias. Eu e o Carlos Antunes entrámos e saímos da prisão sem dinheiro nenhum. Para comer e ter uma casa tivemos que pedir dinheiro emprestado, tal como para comprar os livros escolares dos nossos filhos. Ser pobre não é vergonha nenhuma. Mas ainda dói falar nisto e ler o que li neste “ensaio”.

Como é extenso o “ensaio” aqui citado, evoco o direito a ocupar com esta resposta pelo menos o mesmo espaço.”

Nota do Observador: Por lapso, este artigo foi publicado com acesso apenas para assinantes, o que já foi corrigido. Por esse erro, pedimos desculpa.

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