A publicação deste direito resposta de António Neto da Silva relativo ao podcast “O Encantador de Ricos”, que conta a história do ex-corretor bolsista Pedro Caldeira, é feita ao abrigo da Lei de Imprensa.

“Um podcast do Observador conta a história de Pedro Caldeira e refere uma versão em que parece Pedro Caldeira ter tido envolvimento no negócio [da venda dos 20% que Américo Amorim tinha no BCP, ao Banco Central Hispano]. A verdade é que o único envolvimento de Pedro Caldeira é acidental e marginal e está contado de forma enviesada.

Eu tinha sido Director da CIP (Confederação da Indústria Portuguesa) residente no Porto e com a responsabilidade da Região Norte de Portugal. Fui depois Vice-Presidente do ICEP, também residente no Porto e com a responsabilidade da Região Norte. Representei de 1986 a 1990 a Indústria Portuguesa no Comité Económico e Social em Bruxelas onde fui Presidente da Comissão das Relações Externas, da Política Comercial e da Cooperação.

Entretanto, em 1988 tinha criado, com outros quatro sócios principais, a SOCIFA, de que fui Presidente do Conselho de Administração até vir para o Governo em 1990. A SOCIFA realizou os maiores negócios de fusões e aquisições e de colocação de acções em Portugal nesse período e criou, entre outras, a primeira Sociedade Financeira de Corretagem pós-25 de Abril (Socifa & Beta, S.A.) e também uma Sociedade de Investimentos (Socifa Investimentos. S.A.).

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Em 1990 aceitei integrar o segundo Governo de Cavaco Silva a convite do Eng. Faria de Oliveira, com um objectivo bem definido: chefiar a negociação com o consórcio Ford/VW e do qual o Governo tinha recebido uma carta para avaliação do interesse de Portugal na sua localização no nosso país. O acordo com a Ford/VW foi rubricado em 7 de Junho de 1991 por mim e pelo Vice-Presidente da Ford, Bruce Blythe, o Chefe negociador do consórcio. Nasceu depois a Autoeuropa.

Saí do Governo em Outubro de 1991. Regressei à minha vida de empresário, mas não à SOCIFA onde, infelizmente, contra a minha vontade e a do José Maria Cálem, os nossos co-accionistas e membros do Conselho de Admnistração, após o take-over sobre a Torralta, decidiram gerir directamente a Torralta… e destruíram a SOCIFA.

Licenciei-me e fui Assistente na Faculdade de Economia do Porto onde estudaram os quadros do Grupo Amorim. Jogávamos futebol aos sábados de tarde no CDUP. Conversávamos sobre muita coisa e numa das conversas disse-se que Américo Amorim, se pudesse, desfazia-se dos 20% que tinha no BCP.

Pouco tempo depois fiz a viagem Lisboa-Porto no avião de carreira da TAP em que Américo Amorim também viajava. Conhecíamo-nos bem. Aproveitei para lhe perguntar se não quereria vender a sua participação no BCP. Que talvez eu pudesse encontrar comprador. Disse-me que sim, mas que agisse de forma discreta. Uns dias depois fui à AIP (Amorim Investimentos e Participações) a Mozelos, onde Américo Amorim assinou o compromisso de me pagar 3% do valor da venda dos seus 20% no BCP se eu lhe encontrasse comprador.

Comecei a fazer sondagens discretas e, numa delas, a minha amiga Gracinda Raposo, na altura no Central-Hispano, disse-me que o banco poderia estar interessado. Falei com o meu amigo e colega em Bruxelas José Garcia Morales, responsável das relações internacionais na CEOE (Confederação da Indústria Espanhola) que conhecia bem o Presidente do Central-Hispano. Ele falou com o Presidente, que se mostrou interessado. Disse a Américo Amorim que tinha provavelmente comprador, mas tínhamos de ir a Madrid falar como Presidente do Central-Hispano. Combinou-se dia e hora e Américo Amorim alugou um jacto privado onde eu, ele e o seu sobrinho António viajamos para Madrid. Na reunião, na sede do Central Hispano, o Presidente disse que o banco estava interessado e a venda ficou combinada tratando-se, seguidamente, de chegar a valores. Regressamos a Portugal.

Antes desta ida a Madrid, e sem qualquer ligação com este negócio, recebi uma chamada de Pedro Caldeira convidando-me para almoçarmos no Gambrinus (onde eu nunca tinha entrado) porque tinha algo para me propor.

Nesse almoço ele referiu-me que tinha um problema num banco, que queria resolver e que tinha um plano de recuperação dos montantes que tinham desaparecido (entendi que teria havido desaparecimento de acções que, na altura eram impressas e nominais e que teriam desaparecido do seu escritório onde havia acções por todo o lado pois ele era o maior corretor de Lisboa. Foi isto que entendi, mas que nunca averiguei).

Disse-me ele que, conhecendo eu praticamente todos os empresários do Norte onde estava a riqueza e estando ele disposto a pagar 4% ao mês sobre os valores que lhe entregassem para gerir, eu poderia conseguir-lhe alguns que estivessem interessados. E que se eu quisesse também poderia gerir a parte do meu dinheiro que eu quisesse, por exemplo, poderia entregar-lhe 60.000 contos com aquela remuneração, “embora não me pudesse passar nenhum papel”.

Eu compreendi que Pedro estava em dificuldade, mas tive que declinar as propostas pois disse-lhe que não acreditava que ele conseguisse remunerar a 4% ao mês e que procurando dar o salto em frente ele estava a correr o risco de piorar a situação. Portanto, nem aplicaria dinheiro meu nem falaria a ninguém para aplicar dinheiro com ele naquelas circunstâncias.

No entanto, disse-lhe eu, tinha um negócio em mãos que exigia sigilo absoluto mas, embora eu já o tivesse bem encaminhado se porventura ele trouxesse o comprador e se o negócio se concretizasse com o comprador trazido por ele , nesse e só nesse caso, eu dividiria com ele a comissão. Ele ficou excitado com essa hipótese e imediatamente me disse “então ficamos sócios, se o negócio se realizar dividimos a meias a comissão”. Eu respondi-lhe: “Pedro tenho o negócio encaminhado e só terás direito à comissão se o comprador vier pela tua mão. Não faria qualquer sentido eu ter o vendedor e encontrar sem ti o comprador e dividir contigo a comissão”. E assim ficou combinado.

Passado algum tempo, o Presidente do Central-Hispano fez-me saber que havia movimentações por outra via que incluíam o próprio BCP e Jardim Gonçalves. Pouco tempo
depois de eu ter recebido essa informação recebi uma chamada telefónica de Américo Amorim a dizer-me que o negócio já não se iria realizar e a pedir-me para lhe dar de volta o mandato que me tinha passado “para esse papel não andar por aí…”.

Respondi-lhe que sabia que o negócio se ia concretizar e que o mandato ficava comigo pois fui eu quem o levou ao comprador e teria que me pagar a comissão acordada. Eu não percebia porque é que Jardim Gonçalves estava metido agora no meio do negócio, pois não acreditava que Américo Amorim lhe tivesse ido dizer. Só muito mais tarde vim a saber que Pedro Caldeira tinha ido ele falar com Jardim Gonçalves e contou-lhe o negócio em curso para obter as suas boas graças e para tentar receber uma comissão a que de outra forma não teria direito.

O negócio realizou-se. E Américo Amorim, como vim a saber que já fizera mais vezes em outros negócios com outras pessoas e entidades, não pagou a comissão. Toda a gente tinha
medo dele e não o processava. No meu caso, tendo como advogado o Dr. Rui Pena, processei-o e sentei Américo Amorim no banco dos réus. Jardim Gonçalves e Filipe Pinhal, na qualidade de testemunhas da outra parte, também foram ouvidos. Ficaram provados praticamente todos os quesitos. Mas, no fim, o juiz concluiu que o negócio que tinha sido realizado tinha sido “outro negócio” porque o pagamento da transacção não foi todo feito em dinheiro, havendo uma parte que foi paga em acções.

Rui Pena disse-me então que eu deveria avaliar se queria mesmo ir até ao Supremo com o caso pois esta sentença descabida só podia ser o resultado de o juiz ter sido corrompido. Que eu já teria que pagar de custas 27.000 contos e que se ele conseguisse corromper a Justiça até ao Supremo no final eu ia ter que pagar custas à volta de 100.000 contos. Eu não podia suportar tal despesa e desisti face àquilo que percebi ser a Justiça em Portugal.

Uns anos mais tarde, um então Presidente Executivo do BCP disse-me, espontaneamente, sem que estivéssemos sequer a falar do assunto, que se naquela altura fosse ele o CEO do BCP eu teria recebido a comissão.

Mais tarde, já Pedro Caldeira regressado dos EUA, pediu-me para falar comigo. Falamos dentro de um carro nas traseiras do Hotel Ritz, na Rua Castilho (se me lembro bem foi a segunda e última vez que estive com ele pessoalmente). Contou-me o que sofrera nas prisões americanas e que, entretanto, havia um processo a decorrer contra ele em Portugal e que seria muito importante neste processo se eu pudesse depor em seu favor dizendo que ele tinha a expectativa de poder encaixar 50% da comissão. Que isso muito o ajudaria na sentença que viesse a ser produzida.

Senti compaixão por Pedro Caldeira que entendi já ter pago suficientemente pelas suas faltas nas prisões americanas. Fui a tribunal como sua testemunha e disse exactamente a verdade ao juiz: que Pedro Caldeira, se tivesse conseguido um comprador para os 20% do BCP e a venda se fizesse a esse comprador, eu teria dividido com ele a comissão que recebesse do negócio. Que, portanto, ele teria uma expectativa legítima desde que trouxesse o comprador.

Não voltei a encontrar pessoalmente Pedro Caldeira nem, felizmente, Américo Amorim.

António Neto da Silva”